Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

SAPO24 Crónicas

Todos os dias um olhar mais atento a um tema que marca a actualidade. Artigos, análises e crónicas exclusivas no SAPO24.

SAPO24 Crónicas

Todos os dias um olhar mais atento a um tema que marca a actualidade. Artigos, análises e crónicas exclusivas no SAPO24.

O último reduto dos orangotangos está a arder

Os orangotangos da selva indonésia estão doentes, famintos e traumatizados pelas chamas que devoraram parte do seu habitat e pelos fumos tóxicos que contaminam o sudeste asiático.

 Orangotango sedado e recolhido na floresta indonésia.

 

No centro de recuperação de Nyary Menteng, na província de Kalimantan, a parte indonésia da ilha de Bornéu, 16 bebés orangotangos com infecções respiratórias provocadas pelos fumos espessos estão de quarentena. Um empregado do centro tenta entreter com brinquedos os mais jovens, que têm febre e tosse. Noutra jaula, vários macacos estão caídos, esgotados pela busca, dias a fio, de água e comida na selva, arrasada pelas chamas que os forçaram a sair.

Alguns orangotangos saltam de barra em barra, na jaula, fazendo estalidos com os lábios, um som que preocupa os cuidadores. "É como um beijo rápido. Quando fazem isso, significa que estão stressados", explica à AFP o funcionário Hermansyah.

A selva da Indonésia é um santuário ecológico, servindo de habitat a inúmeras espécies em vias de extinção, que se veem assim expulsas daquilo que ainda resta dos seus territórios.

 

A técnica agrícola de terra queimada, utilizada para limpar e fertilizar as zonas tropicais, e os incêndios intencionais para expandir os cultivos de palmeiras destruíram em alguns meses 1,7 milhão de hectares nas ilhas de Kalimantan e Sumatra. O óleo de palma é o principal produto extraído destas plantações - intensamente usado pela indústria alimentar e a cujo boicote várias associações ambientalistas têm apelado nos últimos anos. As autoridades indonésias já fizeram algumas detenções relacionadas com os incêndios – nomeadamente, de executivos de empresas suspeitas de mandar atear incêndios.

Os fumos persistentes têm causado infecções respiratórias em dezenas de milhares de pessoas, levando ao encerramento temporário de escolas, e provocaram problemas de tráfego aéreo e protestos de países vizinhos, como a Malásia e Singapura. Há já navios de Guerra prontos para a eventual necessidade de evacuar crianças.

Os incêndios são comuns, mas foram acentuados este ano pelo fenómeno meteorológico El Niño, uma corrente quente que está a provocar mais seca que o habitual.

 

Com AFP.

publicado às 18:42

É isto a vida? É só uma fantasia? Realmente, não importa

Por: Rute Sousa Vasco

 

 Começa de mansinho, como se fosse apenas mais uma. Não tarda e é uma balada e quase nos convence, pelo tom, de que se trata de um love affair, apenas mais um love affair, que, como todos os outros, pode acabar mal, mas também pode acabar bem.

 

Até que prestamos atenção às palavras, sílaba a sílaba, até que uma guitarra nos interrompe o interlúdio e nos atira água para a cara, antes de sermos lançados no mais excruciante drama. Com Scaramouche, Galileu, Fígaro e Bismillah. Bismillah, do árabe, o nome de Deus.

 

E não acaba aqui. Continua, continua, despeja tudo em modo hard rock. Até que enfim termina, até que enfim nos dá uma espécie de paz. Ou de resignação.

 

Podia ser uma banda sonora dos nossos dias. Dentro e fora do país. Podia ser e de certa forma é. Amanhã, dia 31 de Outubro, a Bohemian Rhapsody, dos Queen faz 40 anos. Podíamos dizer, a Bohemian Rhapsody de Freddie Mercury, mas seria uma injustiça com todos os outros que, como Brian May recordou esta semana à BBC, abraçaram esta música como se abraça uma graça que inesperadamente nos é dada.

 

A Bo Rap, como se tornou também conhecida, marcou a história, mudou a história. Tudo o que não era suposto acontecer, aconteceu.

 

Desafiou a tecnologia existente à época e não por acaso foi gravada em seis estúdios de som. É considerada a primeira música em videoclip – uma peça vista vezes sem conta e que os membros da banda encararam, à época, como pouco mais que uma foleirada destinada a passar num programa da BBC. E eles lá estavam, e ele lá estava, no seu fato colado ao corpo a evocar os Abba e o Mr Spock de Star Trek de uma só assentada. ”Foi filmado expressamente para o Top of The Pops. Para aqueles de nós que se lembram, não era um programa cheio de classe. O Top of the Pops não tinha boa reputação entre os músicos. Ninguém gostava, na realidade”, recordou Brian May.

 

A editora garantiu-lhes que era o tipo de música que nunca passaria na rádio. É na rádio que explode, depois de um homem da rádio ter oportunamente desviado uma cassete.

 

Chegou à televisão pelo Natal de 1975, no programa The Old Grey Whistle Test, gravado integralmente no Hammersmith Apollo, em Londres, e que terá agora um DVD de celebração dos 40 anos também. Para música que nem passaria na rádio, não correu nada mal: um milhão de cópias vendidas em Inglaterra até Janeiro de 1976, depois de nove semanas seguidas no top.

 

Uns anos mais tarde, em 1992, a Bo Rap voltou a fazer história. Desta vez nos Estados Unidos. Desta vez, por culpa de Mike Myers e do filme Wayne's World. Freddie Mercury recuperava assim, à distância, a sua América perdida.

Numa edição ainda posterior, no Irão, incluída nos Greatest Hits da banda, a Bohemian Rhapsody é apresentada como a história de um homem que acidentalmente matou outro homem e que, tal como Fausto, vendeu a sua alma ao diabo. Até ao dia … até ao dia antes da sua execução, em que chama por Deus (Bismillah) e recupera a sua alma.

 

Is this the real life?

Is this just fantasy?

Caught in a landslide

No escape from reality;

 

A Rapsódia Boémia, agora sim, em português, é tão portuguesa. Tão portuguesa como de qualquer outra parte onde as pessoas realmente vivam vidas, se apaixonem, sejam traídas, se arrependam e recomecem, tudo outra vez.

 

É uma excelente banda sonora para estes dias que vivemos, dos revivalistas do PREC àqueles rapazes e raparigas da minha criação, que ainda nem na escola primária estavam em 1975, mas que cruzam os dedos e dizem jamais esquecer a Fonte Luminosa. É verdade que a célebre manifestação da “maioria silenciosa”, organizada por Guterres e com Soares no discurso provavelmente mais memorável da sua vida, também fez 40 anos em Julho, mas, tal como a Bo Rap, só seria escutada por esses rapazes e raparigas uns 10 anos depois, quando já andavam pelo liceu e, pasme-se, Portugal já se preparava para ser outra coisa qualquer, na antecâmara do cavaquismo que tomaria o país por 20 anos.

 

Talvez também por isso é uma banda sonora igualmente perfeita para quem, embalado na ideia de que tudo, afinal, lhe vai correr bem, pode tão simplesmente estar na antecâmara de um exílio prolongado de poder. António Costa, sim, o PS, sim, arrastando ou não consigo a esquerda com a qual não consegue um acordo efectivo de governação. Um homem temporariamente só, aos comandos de um país que em poucos meses o poderá executar, como ao personagem da rapsódia. Na vida dos países, como das pessoas, e das músicas, há momentos em que se mudam as regras do jogo, em que se cria algo de novo. E até se pode começar por uma estreia em programas foleiros e de pouca reputação. Mas tem de existir algo de fundamentalmente verdadeiro, uma vontade efectivamente nova. Se não, apenas se vende a alma ao diabo e a redenção chega tarde e, na realidade, não chega para mudar nada.

 

Se não, "nothing really matters...".

 

“It's one of those songs which has such a fantasy feel about it. I think people should just listen to it, think about it, and then make up their own minds as to what it says to them... Bohemian Rhapsody didn't just come out of thin air. I did a bit of research although it was tongue-in-cheek and mock opera. Why not?”

—Freddie Mercury

 

Outras coisas com 40 anos, ou quase

 

Depois de 36 anos de imposição da lei do filho único, a China anunciou que os casais “já” podem ter dois filhos. Também por lá, pelo maior país do mundo, a demografia do envelhecimento começa a estar na ordem do dia. Cerca de 30% dos chineses têm mais de 50 anos e os 400 milhões de nascimentos que a lei do filho único impediu começam a fazer toda a diferença.

 

Às 22h30 do dia 29 de outubro de 1969, nos Estados Unidos, era feita a primeira ligação ARPANET, no momento em que dois computadores separados por mais de 500 km comunicaram. Ou seja, há 46 anos, a nossa vida mudou e nunca mais seria a mesma.

 

 

 

 

 

 

 

publicado às 10:54

Há cidades onde não se pode morrer

Por: Pedro Fonseca

 

Por decisão camarária, há locais onde não se pode morrer. As razões são várias e evoluíram da religião para a falta de espaço nos cemitérios ou para melhorar a qualidade de vida dos munícipes.

Já ouviu falar de Lanjarón? A pequena aldeia espanhola ficou conhecida por ter ilegalizado a morte em 1999. Seguiram-se Biritiba Mirim, no Brasil, em 2005, Cugnaux (2007) e Sarpourenx (2008), em França, ou Falciano del Massico (2012), em Itália. Mas estes não foram os primeiros nem os últimos casos de localidades a ilegalizarem a morte nos seus perímetros.

 

O primeiro caso conhecido deste tipo ocorreu na ilha grega de Delos, no século VI antes de Cristo. O então tirano de Atenas, Pisístrato, pretendia purificar a terra e entregá-la à adoração dos deuses, removendo as antigas sepulturas próximas do tempo de Apolo. Um século depois, decorreu a remoção dos corpos enterrados em toda a ilha e foi proibida a morte (assim como o nascimento de crianças).

 

A chamada "purificação ateniense", segundo o historiador Tucídides, levou à remoção de cadáveres apenas no espaço com vista directa para o templo de Delos, após o que foi decretado que ninguém ali podia morrer ou dar à luz, devendo em ambos os casos as pessoas serem levadas para a ilha vizinha de Rineia.

 

Séculos passados, em 1555, o Japão adoptou uma postura religiosa semelhante. Na sequência da única batalha que afectou a ilha de Itsukushima, os corpos e o solo contaminado por sangue foram removidos.

 

A ilha, considerada sagrada pela religião xintoísta (e onde está um seu santuário património da UNESCO), ficou então proibida de ter nascimentos ou mortes, numa decisão que se manteve até 1878. Actualmente, no entanto, as grávidas ou os idosos são retirados da ilha, porque esta ainda não tem hospitais ou cemitérios.

 Portão do templo em Itsukushima, Japão (imagem: Jordy Meow, licença CC-SA 3.0)

 

Já nos anos de 1930, a cidade noruguesa de Longyearbyen introduziu igualmente legislação a antecipar as mortes no local. Longyearbyen é uma pequena cidade no Ártico, pólo turístico na ilha de Spitsbergen, no conjunto das Svalbard, e conta actualmente com cerca de 1.800 habitantes. É a cidade mais setentrional da Terra, ficando muito perto do Pólo Norte.

 

Ao contrário da purificação religiosa na Grécia ou no Japão, a decisão foi de saúde pública: os corpos enterrados no frio gelado da região, que se mantém durante todo o ano, não se decompunham normalmente debaixo dessa terra gelada (denominada de "permafrost" ou permanentemente gelada) e ficavam preservados.

 

Assim, as pessoas doentes ou à beira da morte passaram a ser transportadas para outros locais na Noruega para ali falecerem e serem enterradas. Se morrerem na cidade, serão igualmente transportadas para serem enterradas noutra localidade.

 

As razões mais recentes para proibir a morte local têm outros contornos, mais políticos e de financiamento público.

 

Em 1999, a espanhola Lanjarón declarou o fim da morte aos seus 4.000 munícipes. Apesar do então seu presidente José Rubio declarar que "aqui não se morre, porque Lanjarón é vida e saúde", o que ele pretendia era obter financiamento para comprar terrenos e poder alargar o cemitério municipal.

 

O exemplo não demorou a alastrar à vizinha França, com três cidades a imitarem e a aderirem à mesma causa.

 

Em 2000, Le Lavandou aprovou uma lei anti-morte na localidade quando lhe foi negada uma extensão para o cemitério local por questões ambientais. "Uma lei absurda para contrariar uma situação absurda", comentou o presidente da junta.

 

Pelas mesmas razões, seguiram-se Cugnaux, em 2007, e Sarpourenx em 2008. Philippe Guérin, então presidente da freguesia de Cugnaux (perto de Toulouse), comentava que "temos um problema muito mau". A autarquia queria alargar o cemitério para terrenos não usados por uma base aérea mas não conseguia obter a aprovação do ministério da Defesa - pela existência de um depósito de munições perto -, que não se opôs ao licenciamento para ali ser construído um supermercado.

 

Neste cenário, "porque é absolutamente estúpido autorizar um supermercado mas não um cemitério", como referiu Guérin, a localidade avançou para a proibição de ali se morrer. Cugnaux tinha dois cemitérios, um com 727 campas e outro com 749. Mas só sobravam 17 pelo que, "ao ritmo anual de 60 mortos", explicou Guérin, o novo cemitério era um assunto urgente.

 

Nestes casos, a pressão mediática é igualmente vital - e um município que defende a proibição da morte é naturalmente notícia. Guérin enviou rapidamente a sua proposta para os media e, mesmo sabendo que ela seria considerada ilegal, obteve cobertura mediática em França, Suíca, Espanha, Itália, Bélgica e até de uma televisão japonesa. Três meses depois, recebeu uma carta do responsável municipal. "Ele tinha autorizado o cemitério", disse. Mas, oito anos depois, Cugnaux ainda não tem o prometido cemitério.

 

Sarpourenx adoptou uma postura similar após um tribunal proibir o alargamento do cemitério local mas, ao contrário dos antecessores, previu mesmo penalizações. O presidente da junta, Gérard Lalanne, não especificou que penalizações seriam essas mas o aviso a 13 de Fevereiro de 2008 foi o suficiente para alarmar os 260 habitantes locais.

 

"Todas as pessoas sem um lote no cemitério e que desejem ser enterradas em Sarpourenx estão proibidas de morrer na paróquia", disse Lalanne, devido ao esgotamento do espaço do cemitério. "Os infractores serão severamente punidos".

 

Lalanne tinha então 70 anos e morreu 10 meses depois. Não se sabe se tinha um lote no cemitério. A sua lei só foi revogada dois anos depois, em Março de 2010.

 

Em Itália, resolução idêntica para problemas semelhantes. A pequena Falciano del Massico no sul do país, perto de Nápoles, quis suspender a morte dos seus habitantes em 2012, enquanto resolvia um problema sobre o cemitério partilhado com uma localidade vizinha, num processo que se arrastava desde 1964.

 

"Infelizmente, dois cidadãos idosos desobedeceram", disse o responsável camarário, Giulio Cesare Fava, para quem a posterior construção do novo cemitério "trouxe felicidade" aos quase 4.000 habitantes.

 

Também no sul italiano, Sellia - com cerca de 550 habitantes e a maioria acima dos 65 anos - impôs multas a quem não tomasse as devidas precauções para se manter vivo, como ir regularmente ao médico. O objectivo era também evitar o despovoamento local.

 

A decisão de Agosto de 2015 declara ser proibido ficar doente ou morrer no município. A multa anual é de 10 euros mas, segundo o presidente Davide Zicchinella, "aqueles que não tomarem boa conta de si próprios, ou que tenham hábitos que sejam contra a sua saúde, serão punidos com mais impostos". Mais de 100 pessoas registaram-se imediatamente para efectuarem exames clínicos.

 

Em simultâneo, a autarquia ofereceu alternativas como a criação de uma clínica local ou de uma rede de transportes para acesso aos hospitais. Sellia teve outras ideias inovadoras, como ser das primeiras localidades em Itália a oferecer acesso gratuito à Internet ou ter uma das melhores taxas de reciclagem do país.

 

Se esta parece uma abordagem estranha ou europeia, é bom recordar que, há 10 anos, a cidade brasileira de Biritiba Mirim teve uma opção semelhante. A ideia de quem ali vivia não poder morrer visava melhorar a qualidade de vida dos seus 28 mil habitantes, evitar as mortes precoces e obter mais espaço no cemitério já bastante preenchido. Apesar de não visar os mortos, os seus familiares seriam multados ou mesmo presos.

 

A decisão era também sanitária: os lençois freáticos que atravessam a cidade são essenciais para a população de São Paulo. Mas as autoridades governamentais não se decidiam a construir o novo cemitério numa cidade em que 98% é reserva ecológica, mesmo após uma decisão das entidades ambientais de que não iria afectar o abastecimento de água a São Paulo.

 

A proposta de lei, à semelhança dois anos depois da francesa Cugnaux, visava a pressão mediática. "Claro que a proposta é divertida, inconstitucional e nunca será aprovada", dizia na altura o assessor do município, Gilson Soares de Campos. "Mas pode-se pensar numa melhor estratégia de marketing para persuadir o governo a modificar a legislação ambiental que nos impede de construir um novo cemitério"?

 

 

publicado às 18:30

Revista à portuguesa

Por: Pedro Rolo Duarte

  

O que parece mais interessante no momento político nacional - e até, quem sabe, objecto de estudo para o futuro - é o facto de os protagonistas, sem excepção, protagonizarem uma qualquer personagem, interpretarem um papel, e ficcionarem a realidade como se efectivamente vivessem nesse inexistente mundo.

 

Sabem que falam de uma realidade que não existe, mas fazem de conta com razoável sabedoria. Se trabalhasse num departamento de ficção de uma televisão ou produtora, estava em cima do fenómeno - de Passos a Jerónimo, temos ali um painel de actores que vale a pena avaliar…

 

No passado isso era comum com os partidos derrotados - que se declaravam “vencedores”… -, com os clubes que não ganhavam o campeonato - e despejavam nos media a conversa habitual sobre os árbitros, a corrupção no futebol e o papel da Federação Portuguesa de Futebol - e com os desgraçados que não eram apurados para o Festival da Canção. Agora, o fenómeno domina a política.

 

O partido que perdeu acha que ganhou e faz por isso. O partido/coligação que ganhou (sabendo que foi uma vitória “poucochinha”…) vai governar, mesmo reconhecendo que não faz nada sozinho, o que é o mesmo que dizer que perdeu mas faz de conta que ganhou. Os partidos pequeninos gritam vitória como crianças no pátio da escola. Não ganharam nada. E depois há o Presidente, que esperávamos que estivesse acima disto tudo, mas alinha na brincadeira. Sabendo que está apenas a adiar um problema criado pelos números (de que tanto gosta, ironicamente…).

 

Resultado: como numa peça, assistimos à representação até ao fim. Sabemos que é ficção, e que daqui a pouco vamos novamente estar entre a parede e o abismo, votando para um qualquer mal menor. Nada de muito novo. Como espectadores passivos do espectáculo, mantemo-nos quietos. A ver no que dá.

 

O que mais impressão me faz é ver esse tal de Cavaco Silva interpretar o papel que não estava no guião original da peça: ser juiz num julgamento para o qual não foi chamado; dar palpites no lugar onde só se lhe pede arbitragem; e indicar caminhos, quando lhe pagamos para gerir semáforos.

 

Por mim, mais voto menos voto, dá igual: já percebi que a política é um teatro. De sombras e luzes. Confesso que só não esperava um Presidente a quem cabia o lugar, no limite, de “compére" (o actor que vai dando as deixas para o actor principal brilhar na revista…), mas a quem apetece ser primeira figura.

 

Está tudo trocado. Mas também é verdade que a revista à portuguesa só resta mesmo na política. Às tantas, trata-se de uma homenagem. Manhosa. Não podia Cavaco ficar-se por uma comenda ao Parque Mayer?

 

Coisas que me deixaram a pensar esta semana

 

A ideia do Museu de Arte Antiga de lançar uma campanha de angariação de fundos para comprar uma obra de arte é um achado e um momento de maturidade política e social. É a primeira vez que tal se faz em Portugal. A obra chama-se “Adoração dos Magos”, é uma pintura de Domingos Sequeira, e custa 600 mil euros. Numa operação que envolve entidades publicas e privadas, abre portas ao envolvimento de todos numa aquisição de peso. Vale a pena conhecer esta brilhante ideia aqui, no jornal “oficial” da campanha

 

Viver é cada vez mais fácil. A frase parece parva? Pois parece. Mas experimente acompanhar esta ideia, de que cito apenas o primeiro parágrafo, e verá que talvez tenha sentido: “Quatro casais de amigos norte-americanos decidiram que queriam morar juntos até a velhice. E qual foi a ideia? Construir uma vila somente para eles, toda sustentável, em um lugar chamado Llano Exit Strategy, composto por quatro cabanas de frente ao rio Llano, no Texas”…

 

Quem gosta de design, de capas de jornais e revistas que primam pela ousadia, originalidade, surpresa, ou capacidade de impressionar e motivar leitores, não deve deixar de passar os olhos pela Cover Junkie. Há cinco anos que o holandês Jaap Biemans, ex-director de arte da Volksrant Magazine, escolhe boas capas, reúne as mais clássicas, e junta um acervo precioso. Razão suplementar: a capa da primeira edição da renovada “Visão” teve direito a destaque no site. É quase como se fosse um prémio. Merecido.

 

 

publicado às 10:35

Quando chegares a casa, o jantar está pronto

Por: Márcio Alves Candoso

 

"Quando chegares a casa, o jantar está pronto", mas isto dito em tom estalo, de cabeça levantada, no meio da multidão que a observa. Como quem atira um 'digo que te sirvo mas não sou serva, sirvo-te mas porque eu quero, porque fizeste o que eu te mandava havia tempo, e só assim ficas comigo'. 

 Mary Kate Danaher, a personagem de Maureen O'Hara no filme "O Homem Tranquilo", de John Ford, 1952

 

Um fado irlandês, que desata em passo largo, rasgando a turba de basbaques quietos e mirones, com as saias irlandesas pelos tornozelos, atacando as relvas irlandesas que são os pastos onde levava as ovelhas no primeiro dia em que se olharam; e só pára – presume a gente, e constata vendo a cena que se segue a esta – diante do fogão de lenha da casa em que está casada.

Chamava-se Maureen O'Hara e essa interessa-me menos, apenas para que se perceba porque era parecida com quem lhe calhava nos filmes. É a personagem de Mary Kate Danaher, aquela que não morreu na semana passada, nem nunca andou de cadeira de rodas. Quando muito perdeu-se, mas isso foi há que tempos, e é toda uma outra história, a da mulher de 'Duke', o Homem Tranquilo que dizem que foi o primeiro que conseguiu domar a 'fera'. Não domou nada, digo eu, que vi o filme todo, para além mesmo da longa-metragem.

 

A vida de Maureen FitzSimmons, nascida na Irlanda logo depois da I Guerra, são os filmes que sonhava quando era criança, mais todos aqueles que fez a partir da idade em que uma mulher se entrega ao facto de ter crescido. E esses são duros, faíscam-lhe nos olhos e no cabelo, e criaram o mito da preciosidade que se tem em casa mas só se se souber mantê-la. Uma coisa antiga, que já não se usa...

 

Quando Charles Laughton descobriu Maureen, disse-lhe logo que o nome FitzSimmons era um desatino. Ela bateu o pé, e Laughton apreciou, condescendeu - até que ela tinha razão. Ficou 'O'Hara e não se falou mais nisso. Maureen preparou a ceia, mas só depois de ficar escrito que era como ela queria. Mesmo que fosse o contrário!

 

Em Dublin foi criada, com mais cinco irmãos, dois dos quais também agarraram na vida o papel que o cinema lhes deu. Com a ajuda dela. Só a mais velha é que não se meteu em artes, foi para freira. Era irlandesa, não era? Já ela, Maureen, tinha a mania de ser forte, com sentimentos à mistura. Como é que fazia as cenas perigosas? Não usava duplos e rezava antes. É fácil, para uma irlandesa! Pendurada no topo de Nôtre Dame, sem rede por baixo? Reza-se! Uns bons músculos que lhe sobraram da infância estouvada também ajudaram.

 

Tinha a melodia do descanso do guerreiro e o fogo bastante para o fazer ir atrás dela, e pô-la de rastos, e levar dela um estalo. E o amor tardou um tempo que um americano não percebia, mas que fazia parte da afirmação. Maureen, uma metonímia para a mulher que demora, conquista-se todos os dias e não se perde nunca. Porque ela não deixa, não quer. É preciso ver o filme, na parte em que faz rir e na parte em que se chora.

 

'It started with Eve'. Outra metáfora para o que se pode fazer com uma mulher, mas a léguas de Maureen O'Hara. Charles Laughton, sempre ele, sabia que Deena Durbin, a sua 'Danny Boy', o enganara, mas ele queria-a mesmo assim no filme. Depois descobriu 'the red' Maureen. Porque resolvi dizer isto? É que trata-se de um aperfeiçoamento masculino. Da primeira vez que te vi estavas mesmo à minha frente. Depois olhei tantas vezes e estavas sempre atrás de mim. Da última vez que te olhei, estavas onde?, - ao meu lado. E quase chegado aqui estavas já antes de mim.

 

Sempre entrou bem em personagens de mulheres fortes. No écrã, foi o génio – disse-o ela – Alfred Hitchock que lhe topou a façanha, depois de Laughton lhe ter visto os olhos, o cabelo e a boca tão dura para o berro como boa para beijos. Mas não fazia gala do corpo, e muito menos do 'glamour' da boca de cena. Não se metia com os actores, mas sabia o que é um homem. 'É John Wayne', disse ela. Mas nunca lhe partilhou a cama fora dos filmes irlandeses. E mesmo nesses, era peciso fazer o que ela mandava. Estão a ver o John Wayne?... Só ela!

 

 

Nunca ganhou um Óscar. 'Andei perdida no meio de gigantes, nunca chegava a minha vez', disse um dia, muito depois de ter deixado o écrã para se dedicar à família e aos amigos, que reunia todo o santo dia nos sítios vários onde morava. Apesar da nostalgia, sentia-se 'muito confortável' consigo mesma. A Academia fez mea-culpa quase em cima do dia em que morreu. E deu-lhe um Óscar pela carreira. Pela maneira de ser. Por ser quem era. Na sala onde reunia os netos com quem saía à noite a beber um copo, esse foi o 'homem' que faltava. 'My Oscar', dizia enamorada e trémula, enquanto ainda sorria com a alma toda.

 

Maureen O'Hara morreu na semana passada, com 95 anos. Com estilo, e um bom bocado de paixão para o resto da vida, mas tirada a ferros e a costumes que faz sentido seguir para depois os mandar às malvas. O resto é a lente de John Ford, a anca meio torta de John Wayne e os cabelos de fogo que lhe emolduravam os olhos.

Quem era ela? Não estou especialmente interessado. Quando a conheci era Mary Kate Danaher. Primeiro ela passa, depois leva limões à praça, e no fim caso com ela.

publicado às 14:35

Da falta de entendimento à falta de respeito

Por: Paulo Ferreira

 Esqueçam os mapas, os GPS e outros instrumentos de orientação que nos guiaram durante 40 anos. Ficaram obsoletos em duas semanas, tornaram-se peças de museu e agora só nos servem para podermos recordar como era antigamente. E como em quase tudo, haverá os saudosistas e os que defendem que agora é que é bom.

 

Tínhamos tudo arrumado e, gostando-se ou não das políticas e dos políticos, nunca ninguém protestou contra essa arrumação.

 

Sabíamos que ao governo chegariam invariavelmente três partidos, PSD, PS e CDS, de forma mais ou menos alternada e mais ou menos coligada. Que os partidos da extrema-esquerda se auto-excluiam sistematicamente de qualquer solução de governo. Que o governo cabia ao partido mais votado. Que as maiorias relativas podiam governar com a anuência dos que estivessem na oposição. Que o derrube de um governo levaria a novas eleições. Que os dois partidos do bloco central garantiam a manutenção da arquitectura institucional do país, matérias onde sempre se entenderam. Que o espectro político português era pintado num “dégradé” quase perfeito da direita à esquerda, não permitindo sequer perceber muito bem onde acabava uma e começa a outra. Que a fronteira entre a economia social de mercado e a economia estatal e intervencionada estava algures entre o PS e os partidos à sua esquerda.

 

Os eleitores sabiam em quem votavam, por que votavam e, contados os votos, conseguiam antecipar sem surpresas quais seriam as consequências na formação e longevidade dos governos.

 

Tudo isto que sabíamos tornou-se agora inútil. A Constituição não mudou mas a prática política sim. Tudo conforme as regras constitucionais - isso ninguém põe em causa - mas com um impacto no funcionamento do sistema político que é hoje imprevisível.

 

O jogou mudou pela conjugação de dois factores essenciais: o maior perdedor das eleições aspirou ser ele a formar governo para salvar a própria pele e a inédita disponibilidade dos partidos da extrema esquerda para, pela primeira vez depois do PREC, apoiarem um governo. A uni-los está a oposição feroz que fazem à direita, a esta direita. A separá-los está quase tudo o resto.

 

É certo que António Costa falhou o golpe que seria inadmissível: ser indigitado primeiro-ministro sem que, antes disso, a candidatura vencedora o fizesse e fosse submetida ao juízo parlamentar.

 

Apesar desse cumprimento da boa prática democrática que sempre seguimos o que se passou até aqui é já suficientemente sério para deixar marcas duradouras.

 

Temos agora o país político entrincheirado nas posições ideológicas mais extremadas desde, pelo menos, o embate entre Mário Soares e Freitas do Amaral nas presidenciais de 1986. A direita virou à direita e a esquerda encostou à esquerda. O tom dos discursos e das intervenções públicas deixou de ser de normal confronto e oposição de ideias e propostas e resvalou para a falta de respeito pessoal e institucional entre vários actores. A tolerância ideológica cumpre apenas serviços mínimos próprios da democracia, como os discursos de Cavaco Silva e de Ferro Rodrigues evidenciam, para dar apenas dois exemplos.

 

Para já, isto é apenas ainda uma coisa “lá deles”, dos políticos. Mas rapidamente alastrará. As redes sociais são, hoje, palco de declarações políticas tão tolerantes e intelectualmente honestas quanto os juízos de um jogo de futebol feitos por um daqueles chefe de claque.

 

Independentemente do desfecho governativo que venha a ocorrer nas próximas semanas, as feridas abertas vão durar. As acusações vão acentuar-se.

 

Se as esquerdas virerem a ser governo, a direita não vai calar-se e não vai perder uma oportunidade para recordar a Costa a forma como chegou ao poder: pela janela, naquela nesga de tempo em que um Presidente da República não pode dissolver o Parlamento e convocar eleições.

 

Se um entendimento das esquerdas não for aceite por Belém, estas acusarão Cavaco de não respeitar a vontade do eleitorado, que resultou numa maioria de esquerda.

 

No curto prazo, só um cenário poderá baixar esta tensão: se o PS não conseguir, assumidamente, entender-se com o PCP e o BE, desistindo de ser governo e permitindo a continuação do governo do PSD/CDS.

 

A médio prazo, só a realização de eleições pode “zerar contadores”, se delas sair um resultado inequívoco ou se contribuirem para a saída de cena de líderes partidários que nunca se vão entender.

 

Até lá, vamos ter um clima político de cortar à faca e um ambiente pesado no país. A ilusão de varinhas mágicas que aliviem a austeridade tem um prazo de validade mais curto do que aquele que hoje todos apontam ao governo que Passos Coelho apresentou esta terça-feira.

 

Os programas de governo aguentam tudo aquilo que os políticos lá queiram escrever mas as folhas de excel não permitem enganos. Os tempos vão continuar a ser economicamente duros, propícios a maus humores.

 

Outras leituras

 

Uma excelente iniciativa do Museu Nacional de Arte Antiga, esta de lançar uma campanha pública de angariação de fundos para comprar uma peça. Lá fora já se faz há anos, envolvendo populações e empresas. Por cá, os agentes culturais estão mais habituados a viver das contribuições forçadas que todos deixamos nos balcões do fisco. O início de uma mudança saudável?

 

É um dos temas destes dias. A Organização Mundial de Saúde alertou para os perigos das carnes processadas e vermelhas. Mostrando que a realidade nem sempre é preta ou branca, temos os industriais do sector confiantes, os produtores assustados e uma terceira via fora da caixa… e da queixa: devemos deixar os impostos sobre a carne em paz e comer mais legumes.

 

 

publicado às 10:08

Cenários de apocalipse neste inverno a chegar

Por: Francisco Sena Santos

 

Já estamos em Portugal quase todos a ir ao roupeiro buscar as roupas mais aconchegadas para o inverno. O frio chega à Europa ao mesmo tempo que centenas de milhar de refugiados de guerra. São, só neste último mês, 250 mil que batem à porta. A maior parte foge da guerra civil que desde 2011 devasta a Síria – agora, também tentam escapar aos bombardeamentos da aviação russa. Para maior desgraça, abeiram-se da Europa num tempo em que muitos países europeus estão a barricar-se como resposta à insegurança e aos medos que sentem. É assim que tantos países estão a fechar as fronteiras, os olhos, os ouvidos e a carteira do dinheiro para a ajuda.

 

Nas eleições deste domingo na Polónia venceu, com maioria absoluta, um partido ultranacionalista, anti-europeu, anti-imigrantes. O presidente deste vencedor PiS, iniciais do partido que se define do Direito e da Justiça, alertou num comício na última semana de campanha para o perigo de epidemias que representaria a chegada maciça de refugiados. Chegou a dizer que a cólera está a propagar-se pelas ilhas gregas e que na Áustria se multiplicam casos de disenteria. Também que os refugiados são portadores de parasitas que podem ser perigosos.

 

A Polónia, com 38 milhões de habitantes, é uma fortaleza económica e motor do leste europeu. Os números da economia crescem imparáveis desde 1990. Enquanto a Europa mergulhou em 2009 em crise e recessão, a Polónia desse tempo apenas viu abrandar o seu crescimento económico. O PIB polaco cresceu mais de 40% entre 2004 e 2014. É um país em expansão económica, mas à custa de muito aperto e insatisfação: mão-de-obra muito barata e escassos direitos sociais. O terreno ficou assim fértil para o discurso do PiS, partido cuja identidade se define pelo “contra”: contra as ingerências externas, contra o federalismo europeu, contra a abertura liberal, contra o controlo da economia pelo capital estrangeiro.

A esquerda polaca apareceu nestas eleições com discurso pró-europeu e o resultado é não haver um só representante da esquerda no parlamento de Varsóvia. O politólogo Kasimierz Kik explica no Libération que “os polacos estão fartos da Europa“ e é também por isso que estão a recusar as quotas de refugiados impostas por Bruxelas. Ele especifica: “Para um polaco, um estrangeiro é antes de tudo o mais um ocupante, um invasor, seja russo ou seja alemão”. Traumas antigos.

O PiS prometeu na campanha novos impostos sobre a banca e as grandes cadeias de supermercados (quase tudo com origem no estrangeiro, designadamente em Portugal, neste caso com denúncias específicas), prometeu aumentar os apoios às famílias pobres com filhos, e também prometeu reinstalar a velha confiança no sistema de segurança social do Estado. Este discurso nacionalista e de conservadorismo social rendeu maioria absoluta. E enquadra o paradoxo polaco: um dos países da “Nova Europa” que mais beneficiaram em fundos financeiros com a adesão (em 2004) à União Europeia põe no poder um partido nacionalista e contra a Europa. A postura populista sobre os estrangeiros, inspirada na do húngaro Orbán, pretende fazer de Varsóvia uma nova Budapeste: muro e arame farpado da Europa cristã frente à “invasão muçulmana”.

É certo que no último domingo a liderança da União Europeia reagiu e impôs um plano de urgência – para acolhimento de 100 mil dos muitos mais refugiados em espera. O comando desta Europa que tanto se sobressalta com as questões económicas e financeiras e que não levantou a mão quando a Hungria se pôs a levantar um muro na fronteira com a Croácia para barrar o caminho aos refugiados, agora, finalmente, está impor medidas humanitárias, garante refúgio temporário, comida e assistência médica para proteger os homens, mulheres e crianças que, em desespero, fogem da guerra. Mas o consenso de agora é apenas sobre 100 mil. Muitos refugiados continuam barrados numa fronteira dos Balcãs, sem teto, a sentir o inverno entrar. O primeiro-ministro esloveno alertou neste domingo em Bruxelas para um cenário de apocalipse.

Voltamos ao agasalho para o inverno: sabemos como nos queixamos quando o frio, o vento e a chuva nos apanham desprevenidos na rua ainda com roupa de meia-estação. Como será para aquela gente em ambiente hostil, sem abrigos nem radiadores? Sei que há em Portugal quem reclame toda a prioridade para o apoio aos nacionais que precisam de ajuda. Sim, muita gente precisa de socorro. Mas, apesar de tudo, para quem está no seu país, sempre há redes de apoio, a começar pela família e a continuar em sistemas de solidariedade que traduzem o melhor de nós. Aliás, algumas dessas redes estão já mobilizadas para o apoio aos refugiados de guerra.

 

A ler nos jornais, a ver nos ecrãs

 

Luaty Beirão tem toda a razão: após 36 dias de greve da fome, “a vitória já aconteceu”.

 

Geração frustrada na África do Sul. A BBC mostra-nos a nova consciência negra mas sem o sonho que Mandela abriu.

 

Reviravolta política na Argentina? Ninguém previa um cenário assim renhido para a segunda volta presidencial. No SAPO JORNAIS podemos ver como a bolsa de Buenos Aires está otimista e dispara 17%.

 

Os tuk-tuks de Lisboa chegam ao The New York Times.

 

Como o Libération conta a integração da kizomba, do kuduro e do funaná na paisagem musical portuguesa.

 

"Things to do in Portugal": estas evasões com olhar canadiano.

publicado às 08:28

Uma escolha fácil

Por: António Costa

 

 Se o governo de Pedro Passos Coelho cair no Parlamento, Cavaco Silva vai ter de escolher entre um governo minoritário do PS com apoio dos partidos anti-europeus e um governo de gestão ou, no limite, de iniciativa presidencial. E, se nenhuma das opções impedirá eleições a curto prazo, a opção por um solução oficialmente provisória seria o caminho mais rápido para o abismo.

 

Cavaco Silva deixou a ameaça, sim, de que não daria posse a um governo com partidos anti-europeístas. E, por comparação, sublinhou os (maiores) riscos financeiros, económicos e sociais em relação a um governo minoritário da coligação. Nada mais certo, porque as posições do BE e do PCP não só põem em causa o que já foi feito, como são a garantia de que a economia portuguesa será menos competitiva, menos amiga dos negócios e do investimento, até do mérito. Mas o presidente tem a obrigação de saber que, pelas mesmas razões, um governo de gestão, necessariamente limitado nas suas ações e com um parlamento a legislar em sentido contrário por força da maioria negativa de Esquerda levaria o país para a quarta intervenção externa em quarenta anos de Democracia.

 

Sou dos que duvida da capacidade de António Costa para corrigir as contas do Estado e para fazer as reformas estruturais que aumentem o potencial da economia nacional, hoje uns limitados 1,5% ao ano, menos ainda quando tem de dar ao PCP o fim da caducidade dos contratos coletivos como já deu ao BE o fim do regime conciliatório nas rescisões laborais. Poderá até segurar o Governo para lá do orçamento de 2016, mas tudo ficará na mesma, ou pior. Mas não tenho dúvidas de que, mesmo com os cofres cheios, um governo de gestão estará não só impedido de tomar decisões para lá das que assegurem a gestão corrente do país, como será promotor involuntário do caos financeiro, primeiro, e económico e social, depois.

 

Um governo em gestão não tem o mais relevante dos instrumentos de política económica e financeira, um Orçamento do Estado, não pode cortar na despesa e, vá lá, uma vantagem, não pode aumentar impostos. É claro que o conceito de ‘atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos’ tem subjacente uma avaliação política e não jurídica. Mas como se ultrapassa isto quando o Parlamento tem uma maioria da oposição? Não ultrapassa. Portanto, qual défice abaixo dos 3%, qual dívida pública a cair e economia a crescer. Seria, será, tudo ao contrário.

 

Os empresários, economistas e gestores que têm mantido um silêncio medroso e comprometido com o anormal estado político do país sabem que um governo de gestão seria um desastre, pior do que um governo de Esquerda com o PCP e o BE. Por isso, sobre isto, vamos começar a ouvi-los. Pode ser que Cavaco os ouça também.

 

A não perder

 

Já no próximo sábado, mais um TEDxLisboa. Será na Aula Magna, e uma oportunidade para ouvir, e questionar dez oradores com dez temas, transversais à economia e à sociedade. Um exemplo? O empreendedor António Fernandes via falar sobre o design e a inovação. Prometo, para a semana, trazer aqui ao SAPO24 uma visão, a minha, desta iniciativa.

 

O capital, sabe-se, é coisa que não abunda, e não é só em Portugal. Na Irlanda, no pico da crise, e com uma intervenção externa, os pequenos negócios começaram a fechar, e o Governo decidiu criar um fundo de apoio ao microcrédito. Com um princípio, emprestar com risco. A história, com final feliz, está no jornal Público.

 

 

 

publicado às 10:50

Se queres conhecer realmente alguém, dá-lhe poder. Ou então tira-lho.

Por: Rute Sousa Vasco 

A seguir à comunicação ao país do Presidente da República fiz um radar rápido às opiniões verbalizadas em sites e redes sociais. Uns acharam péssimo, outros acharam extraordinário. Tudo normal, a esquerda ficou mais irritada, a direita ficou mais aliviada (e vice-versa também, por incrível que possa parecer). Política "as usual".

 

Até que os meus olhos pararam num comentário lido num mural onde um conjunto de pessoas elogiava o discurso de Cavaco Silva e sublinhava que agora, sim, Cavaco tinha voltado a ser ‘o seu presidente’. No meio dos elogios à qualidade do discurso e à forma como o presidente tinha posto António Costa na linha, deparo-me com um comentário que, concordando com a opinião expressa naquele mini-forum, fazia uma ressalva sobre Cavaco Silva: o facto de não lhe poder ser perdoada a decisão sobre a lei do aborto e o casamento homossexual. Pode parecer desajustado, mas foi exactamente aqui que eu parei.

 

Na minha perspectiva, esta é a verdadeira e porventura mais perigosa cisão do país, de qualquer país. Uma cisão pelos costumes, pelo modo de vida. É este o palco dos mais perigosos radicalismos, seja em Portugal, seja nos Estados Unidos, onde convivem as misturas mais explosivas. É também este o terreno fértil onde as religiões não muitas vezes instrumentalizadas e a crença em qualquer Deus se transforma rapidamente no direito em julgar os outros, obrigar os outros, castigar os outros. É o espaço do debate público mais importante – porque estes temas devem ser discutidos e pela discussão talvez nos salvemos desses mesmos extremismos.

 

O que também nos salva desses extremos é uma cola invisível feita por uma enorme maioria que está no meio, às vezes mais à esquerda, às vezes mais à direita, mas quase sempre a pender para o meio. É essa maioria, que tantas vezes nos aborrece na sua monotonia, que nos defende de ideias absolutistas de pessoas que acreditam que a sua visão do mundo se deve sobrepor a qualquer outra visão do mundo. Seja o tema o aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou o direito a possuir uma arma, assunto que inflama a política americana há décadas. Todas estas manifestações representam a mais pura matéria-prima humana. No seu dia a dia as pessoas não andam preocupadas com a história da democracia, a constitucionalidade das nomeações ou as fórmulas da governabilidade. No seu dia a dia, as pessoas andam preocupadas com a sua qualidade de vida, o seu futuro e … os valores em que acreditam. Foi pelos valores em que acreditam que muitos socialistas (e não socialistas) penalizaram António Costa. Pessoas para quem a forma como o líder do PS tomou o poder é mais grave do que discussões revivalistas sobre o PREC e a ameaça dos comunistas que comem criancinhas ao pequeno-almoço.

 

Os exemplos de proximidade entre a política e a religião, no sentido da crença fundamentalista, sucedem-se. Catarina Martins disse ontem na TVI que Cavaco Silva era ‘líder de seita’; na semana passada o MRPP, depois de ter acusado o seu líder histórico de “anticomunismo primário” (!), exigiu de Garcia Pereira uma das famosas ‘autocríticas’. Religioso, isto.

 

O Wall Street Journal publicou esta semana um artigo sobre um estudo apresentado no jornal de Social Neuroscience, da autoria de Mark Plitt do Baylor College of Medicine. O estudo demonstra que assumimos que as empresas e organizações são pessoas também. Ou seja, interpretamos as suas acções pela mesma lente com que avaliamos a acção de outro ser humano. Isto ajuda também a perceber a facilidade com que transferimos tantas vezes para os mercados, empresas, clubes de futebol, sentimentos e estados de espírito de cada um de nós – e a verdade é que encontramos um certo conforto nisso. Curiosamente, os neurocientistas sociais parecem encontrar provas de que mais facilmente nos ‘empatizamos’ com uma empresa ou instituição do que com um sem-abrigo – e nisso não há conforto algum.

 

Voltando ao discurso de Cavaco Silva, também aí regressámos aos medos sem rosto, mas ainda assim com estados de alma. São mercados, instituições europeias, investidores. Assustados, apreensivos, nervosos. Yanis Varoufakis, aquele cujo nome não se deve dizer para tantos que andam por aí, também falou disso na sua passagem por Portugal, diga-se. É, aliás, um exercício interessante comparar temas e visões de Cavaco e Varoufakis, o que pode ser feito aqui e aqui.

 

A degeneração das eleições de dia 4 de outubro numa luta de facções é um risco e um acto de irresponsabilidade para todos os que promovem esse desenrolar dos acontecimentos. Não é assim tão diferente das facções fundamentalistas que julgamos ser uma coisa do outro mundo, não do nosso, civilizado. Na génese, está uma mesma pulsão que devemos controlar, domesticar e que tem sido ao longo de séculos o legado de grandes estadistas.

 

Lembram-se da frase de de Abraham Lincoln? “Se quiser por à prova o carácter de um homem, dê-lhe poder.” Pensando na nossa situação política, também pode ser ao contrário. Se queremos conhecer realmente alguém, também podemos experimentar tirar-lhe poder. É essa a ameaça que António Costa sente e, na realidade, Cavaco Silva também.

 

Tenham um bom fim de semana.

 

Leituras sugeridas

 

Falando em fundamentalismos, há qualquer coisa nas praxes que me evoca o imaginário de comunidades religiosas, líderes espirituais e experiências libertadoras e de purificação. Exagero, eu sei. Mas há lá qualquer coisa. Seja como for, “Desobedecer à praxe” é um livro que chega agora às livrarias e que vale a pena espreitar.

 

A BBC descreve Robert Menard como alguém que foi “um jornalista, um socialista e um dos fundadores dos Repórteres Sem Fronteiras”. Há 18 meses venceu as eleições na cidade de Beziers, no sul de França, com o apoio da Frente Nacional de Marine Le Pen. E num ano e meio tornou Beziers num dos bastiões da extrema direita. Vale a pena ler esta história.

 

E depois há os milagres. Ou como seis mil mulheres indianas que todos os dias apanham chá se uniram para fazer face a uma multinacional e ganharam. Pempilai Orumai.

 

publicado às 11:09

Cartas na mesa

Por: Pedro Rolo Duarte

 

 Nós cumprimos o nosso papel (falo por mim, claro, e pelos que foram até às câmaras eleitorais): votámos no dia 4 de Outubro. Depois, coube àqueles senhores entenderem-se sobre a melhor forma de continuar a delapidar o país e a dar-nos cabo da paciência… Pelos vistos, não chegam a qualquer acordo, ainda que a esquerda esteja toda na cozinha, a temperar os sapos que se prepara para engolir, e a pensar no que vai poder dizer que explique como se conciliam as Europas do PS, do Bloco e do PC, as moedas de cada um (para não falar da Nato, da Banca, das privatizações)…

 

…Na verdade, a partir de certa altura torna-se penoso ouvir os noticiários e aquele ping-pong de acusações, birras, fitas, falsas boas intenções, facadinhas aqui e ali. Incomoda. Magoa. Deprime. Ninguém quer assistir a uma putativa luta de galos praticada por frangos em capoeira a céu aberto. Por mim, dispenso. Também dispensava o triste espectáculo de ver o PS, o BE e a CDU virarem, sem apelo nem agravo, as costas aos seus eleitores - mas isso teremos tempo para aferir nos próximos dias…

 

Procuro, de alguma maneira, qualquer coisa de positivo no desenrolar dos factos. Curiosamente, encontro: eles escrevem-se! Pedro Passos Coelho e António Costa escreveram cartas um ao outro. Já ninguém o faz! Parecem namorados em dia de arrufo…

 

Por instantes, consigo achar o momento politico vagamente didáctico: eles dão o exemplo à geração dos mails, das sms, dos chats, dos “likes”, e dedicam-se à arte nobre da escrita. Como se tratarão? Meu Caro Pedro? Querido António? Estimado Paulo? Ou mais secamente “Caro derrotado”? Ou “Vencedor sem maioria”?

 

A imprensa não nos revela o essencial deste momento epistolar: as cartas foram escritas à mão ou no computador? Entregues pessoalmente, enviadas por correio azul ou correio normal? Terão “k” em vez de “que” e “ctg ñ kero nda” em vez de “contigo nem morto me alio”?

 

Seria importante, se foram entregues em mão, saber quem as levou - pois, como a História nos ensina, em geral o mensageiro acaba morto (e a CMTV quer dar em directo, claro). Os pormenores sobre o tipo de papel usado e os envelopes também ganham relevância neste raciocínio - afinal, é bem diferente uma carta escrita à mão, caneta de tinta permanente, num sólido papel “conqueror”, ou uma folheca de 75 gramas impressa numa clássica jacto de tinta.

 

Confesso: além de deprimido, sinto-me desinformado. Por um lado, sei que os senhores trocaram cartas, facto que me apraz registar e elogiar, pelo que tem de pedagógico e respeitador de tradições que me são caras. Por outro, como não sei de que cartas falamos - do formato ao estilo -, receio que, uma vez mais, estejamos a ser enganados. E aquilo a que chamam cartas sejam afinal SMS com smiles ou os mais banais mails (cheios de “cc” para que nada escape aos jornais e ao Sr. Presidente).

 

Ou seja: ainda antes de governarem, uns ou outros, todos desdizendo o que antes disseram, cheira-me que já nos estão a enganar. Ou se calhar nunca deixaram de estar. Por escrito ou oralmente.

 

Coisas que me deixaram a pensar esta semana

 

A Majora pertence à minha infância, ao meu imaginário, e à ideia de tempos livres bem passados entre amigos e familia. Por isso, gostei de saber que Catarina Jervell é a nova diretora geral da empresa, que os jogos de tabuleiro não vão desaparecer do mercado e que, se tudo correr bem, a Majora daqui a um ano pode facturar um milhão de euros.

  

Costumo dizer que o segundo café matinal de cada dia, depois do verdadeiro, é a crónica diária do meu amigo Miguel Esteves Cardoso no Público. Como todas as crónicas diárias (e ele escreve sem interrupção de domingo a domingo…), não pode ser sempre genial - mas o Miguel consegue que seja sempre interessante, pela revelação, pelo conselho, ou pelo pensamento. Esta, da semana que passou, ficou-me atravessada e é daquelas que só mesmo o Miguel, que há tantos anos conheço e amo, podia escrever. Termina assim: “Pensar só uma vez pode ser a solução parcial do sofrimento que sentimos. O melhor é sentir e seguir em frente.” Mas vale a pena lê-la toda…

  

A linguagem muda todos os dias. Nascem palavras, expressões, rótulos, e é cada vez mais difícil acompanhar esta voragem que leva a que a moda de hoje seja nostalgia amanhã. Uma das boas maneiras é seguir este dicionário desinteressado da linguagem urbana. Cuidado, às vezes o palavrão ferve… Mas aprendemos!

 

 

publicado às 09:47

Pág. 1/4

Arquivo

  1. 2016
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2015
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D