Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

SAPO24 Crónicas

Todos os dias um olhar mais atento a um tema que marca a actualidade. Artigos, análises e crónicas exclusivas no SAPO24.

SAPO24 Crónicas

Todos os dias um olhar mais atento a um tema que marca a actualidade. Artigos, análises e crónicas exclusivas no SAPO24.

Uma questão de educação (política)

Por: António Costa

 

O governo de António Costa tomou posse há quatro dias e já é claro que uma das marcas da nova governação é mudar o que existe, qualquer que seja a área, sem avaliações e sem qualquer debate público. O fim apressado e até atabalhoado dos exames do 4º ano é o pior dos sinais e uma evidência de um dos principais problemas da gestão da coisa pública, leia-se a descontinuidade das políticas. Ou instabilidade. Lá vamos nós outra vez.

 

Sabemos todos que Nuno Crato tinha as condições para ser o melhor dos ministros e acabou um mandato de quatro anos na Educação – sabe-se lá como é que aguentou toda uma legislatura – de forma penosa. Mudou muito e muitas vezes mal, sobretudo na execução. Porque na política, as ideias, por muito bondosas que sejam, dependem sobretudo da sua eficácia.

 

Tudo isto não justifica a forma como a nova coligação negativa de Esquerda no Parlamento – e que, como já se percebeu, funcionará como uma espécie de conselho de ministros-sombra que impõe medidas ao verdadeiro conselho de ministros – acabou com uma medida que, para lá de todos os alcances, tinha implícita uma ideia de exigência. Nem isso fica.

 

Nenhuma medida de política educativa, como aliás em qualquer política, funciona sozinha. Mas, se todos concordamos que é preciso aumentar a exigência de qualidade do ensino em Portugal, particularmente do primeiro ciclo, os exames do 4º ano eram uma das formas de assegurar essa exigência Não era a melhor? Então, que tal avaliar os efeitos perversos que os críticos deste exame apontavam, como os incentivos que seriam dados ao estudo para o exame e não ao estudo contínuo ao longo do ano?

 

Nada disso, qual avaliação, qual discussão. O Governo ainda não aqueceu o lugar, o ministro das Educação, Tiago Brandão Rodrigues, fora do país há 15 anos, ainda nem saberá o caminho para o seu gabinete e já há mudanças de política educativa. O que se segue? Depois, vê-se. Agora, o que é preciso é mudar o que foi feito. Mesmo que fosse a melhor das medidas, porque as crianças são crianças e não podem ser pressionadas nem nenhuma criança pode ficar para trás (será mesmo o melhor, passar crianças de ano sem a devida preparação?), esta foi a pior forma de a tomar.

 

António Costa quer aparecer como o ‘político bonzinho’, que chegou para pôr fim às maldades de Passos Coelho e Paulo Portas. O político ‘bonzinho’ desta geração e da próxima. É uma narrativa muito pobre, sobretudo porque Portugal saíu de uma situação de bancarrota. É claro que está a pensar nas próximas eleições, no momento certo para deitar abaixo um governo que está pendurado num acordo frágil, para não dizer outra coisa. E isso dependerá das sondagens, que andarão à boleia das medidas positivas, ou melhor, supostamente positivas, e facilitadoras, se é que isso é o que Portugal precisa.

 

Nuno Crato – e o governo de coligação anterior – promoveram também este tipo de contra-reforma, quando decidiram sem procurarem consensos, sim. Mas quando um novo governo entra em funções, dispensava-se esse tipo de reação política, do género ‘tu é que começaste’.

 

Na verdade, é um traço de gestão política. Na economia, na política fiscal, nas causas fraturantes, nas leis laborais, também na educação, aquela área das políticas públicas que deveria ser mais estável e menos sujeita aos ciclos políticos. O que é preciso agora é dar, e ter efeitos positivos, na economia e na imagem do Governo. É mesmo este o novo ciclo do PS?

 

ESCOLHAS

 

Paris é, por estes dias, outra vez, a capital do mundo. Aquela imagem de milhares de sapatos, a alternativa a uma manifestação silenciosa numa cidade sitiada pelo terrorismo, é brutal, e ao mesmo tempo tocante. A destruição do clima, outra forma de terrorismo sem mortes violentas no mundo que queremos deixar às próximas gerações. Os valores. Leiam, e ouçam, a reportagem da Rádio Renascença, ‘Paris. Quando a emergência ferve numa cidade descalça’. E acompanhem aqui, no SAPO24, os desenvolvimentos de uma cimeira sobre alterações climáticas que é mais um teste aos entendimentos mundiais.

 

 

 

publicado às 10:37

O mérito é uma ideia perigosa

Por: Rute Sousa Vasco

 

O mérito é bom. A meritocracia é uma ideia de uma sociedade evoluída. Mas, como acontece em tantas outras situações, nada pior para estragar uma boa ideia – uma ideia com mérito – do que usá-la a pretexto de tudo e de nada e esquecê-la olimpicamente quando efectivamente deve ser invocada.

 

Os últimos anos foram populados de mérito. A torto e a direito. Nas políticas, nas empresas, na vida social, o termo tem sido usado como prova de progresso civilizacional. Já não somos cabotinos!, quase se escuta em alguns discursos à força de tanto se sublinhar que tudo isto é agora uma questão de mérito. É como se, cada vez que alguém invoca o mérito e a meritocracia, vestisse um manto diáfano ou um colete à prova de balas, dependendo da perspectiva.

 

Sim, vou querer falar da excitação desta semana referente à nomeação de governantes oriundos de minorias étnicas.

 

Mas não só.

 

Recuemos um pouco na História.

 

A palavra mérito deriva do latim (meritum), mas a introdução do conceito de meritocracia é bem mais recente. Em 1958, o termo emergiu pela mão do politico e sociólogo inglês Michael Young, que o usou pela primeira vez no livro The rise of the meritocracy. Tratava-se de um ensaio satírico e futurista sobre o Reino Unido, projectado como um país governado por pessoas escolhidas pela sua inteligência e aptidão antes de qualquer outra, chamemos-lhe assim, força de pressão. No livro, Michael Young questiona a legitimidade do processo de escolha dominante em Inglaterra para se ser membro da elite que governava, bem como os resultados de uma governação assente neste tipo de grupo de ‘eleitos’. The rise of meritocracy desafia as duas ideias que a palavra elite encerra – a ideia do que existe de melhor numa sociedade (a conotação positiva), mas também a ideia de uma minoria que se auto-nomeia e perpetua (a conotação negativa).

 

Este inglês, um dos grandes pensadores contemporâneos de políticas sociais, nomeadamente no âmbito da escola como primeiro crivo de quem é bem sucedido ou não, começou por falar de meritocracia pelas piores razões, as que excluem, não as que incluem. Cunhou também expressões como minorias criativas e elites inquietas. Alertou também para os danos colaterais de uma sociedade progressista em que escolhamos quem nos lidera pela inteligência e pelas aptidões. Um homem inteligente não é forçosamente um homem bom ou o melhor … Uma visão avisada, uma espécie de alerta vermelho à arrogância que daí também pode decorrer – e que se aceita como dano como natural. “Qualquer escolha de um é a rejeição de muitos”, escreveu Young.

 

A ideia de meritocracia tem uma longa história. É identificada como um pensamento de Confúcio e de outros filósofos da época e foi usada a primeira vez no século II a.c., na China, na forma de exames destinados a avaliar o mérito dos funcionários escolhidos para servir o país (neste caso,a Dinastia Han). Uma ideia, vamos admitir, bastante revolucionária para um império – avaliar mérito em vez de escolher simplesmente pela preferência, reverência ou mesmo ascendência.

 

Da China a ideia chegou à Índia britânica já no século XVII e daí à Europa e aos Estados Unidos. No mundo ocidental, do iluminismo até hoje, da política à vida nas empresas, a ideia de meritocracia tem sido vista como uma linha de divisão entre o Antigo Regime e uma nova concepção de mundo em que o favoritismo e o cabotinismo cedem perante ideias maiores como inteligência, aptidão e esforço.

 

E aqui estamos nós, em pleno novembro de 2015. Aqui estamos nós, umas semanas depois de um politico canadiano ter sido amplamente elogiado, à esquerda e à direita, pelas suas escolhas de governo (diversificadas, inclusivas). Aqui estamos nós, em Portugal, entretidos de, ao fim de 41 anos de democracia e de 21 – vinte e um! – governos, termos uma primeira mulher e negra como ministra, uma primeira mulher e cega como secretária de Estado e um primeiro governante filho e neto de ciganos.

 

Não havia como não falar do tema e, contrariamente ao que muitos dizem, não é por causa dos media que se tornou um tema.

 

Estas são primeiras escolhas, são primeiras vezes. E, como tal, vão ficar na História e assinalam um marco.

 

Alguns de nós podem sentir-se ligeiramente incomodados com o que esta evolução tardia também diz de nós. Será mesmo credível que nestes 41 anos, nunca nenhum membro de uma minoria tenha tido mérito para ser escolhido para a elite que nos governa?

 

Outros, pelos vistos, sentiram um arrepio na espinha. As escolhas ditas inclusivas mereceram de vários nossos compatriotas comentários paleolíticos. E estamos em novembro de 2015.

 

Como falámos tanto da cor da pele, da etnia e da autonomia física isso deve querer dizer que já estamos resolvidos com o tema da inteligência e aptidão como critério de escolha. Isso já deixámos para trás das costas – já não somos cabotinos, lembram-se? Pois, mas parece que também não. Porque há um ministro da Educação que era, até há uns dias, investigador numa das mais prestigiadas universidades do mundo e que protagonizou um dos avanços celebrados em todo o mundo na detecção do cancro. Se há coisa que não deve faltar a Tiago Brandão Rodrigues é inteligência e aptidão. Mas nem por isso deixou de ser uma escolha criticável. Demasiado novo, demasiado inexperiente.

 

Demasiadas mulheres, falta de mulheres, demasiadas minorias, falta de minorias, demasiado novos, demasiado velhos. Podemos sempre avaliar a escolha de um e a rejeição de outros em regime de quotas.

 

Pessoalmente, não faço ideia se as escolhas ‘inclusivas’ do Governo de António Costa são boas ou más. Resistirei sempre à ideia de que já são boas porque são minorias. E nunca terei qualquer simpatia com quem se incomoda porque são minorias. Tendo a pensar que, como em outras coisas, o novo primeiro-ministro está demasiado sedento de inundar vários sectores da sociedade de boas notícias, o que me deixa preocupada para o tempo em que chegarem as notícias más ou menos boas. Mas, mais importante que isso, é que – usando uma expressão tão cara ao presidente Cavaco – as deixemos trabalhar. Depois disso podemos falar de mérito e de meritocracia e deixar de falar de cor de pele, ascendência, grau de autonomia física e outras características que não deveriam ser nunca referência para decidir quem governa e quem não governa.

 

 

Significado de Mérito

mé.ri.to 

  1. características que tornam alguém digno de apreço
  2. aquilo que alguma coisa tem de bom, de apreciável
  3. valor moral e intelectual
  4. aptidão, capacidade
  5. superioridade, excelência

 

(no Dicionário da Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2015)

 

 

OUTRAS IGUALDADES E OUTROS PROBLEMAS

 

Porque é que as mulheres não conduzem camiões? Ou porque é que tão poucas escolhem ser camionistas. Já não é por razões de força fisíca e este é mais um universo a mudar de forma. A BBC conta como.

 

De repente, um país que tomos tínhamos como calmo senão mesmo monótono entra pelas notícias e Bruxelas torna-se uma capital sitiada. Afinal de contas, o que é se passa na Bélgica e com a Bélgica? Houve quem falasse de um ‘Estado falhado’, termo que não usaríamos para uma democracia ocidental e que também parece uma declaração manifestamente exagerada.

 

 

 Nota: Este artigo foi editado às 12h28 de 27 de novembro de 2015. 

 

 

 

 

publicado às 10:32

Ironias...

Nos seus momentos de solidão, o Presidente Cavaco Silva deve seguramente perguntar-se muitas vezes “que mal fiz eu para merecer isto?”…

 

Havia um generoso numero de respostas certeiras a dar a esta pergunta, mas não vale a pena bater mais em quem já bateu no fundo. Deixemo-lo em paz.

 

Talvez apenas notar a ironia dos tempos: o homem que sempre quis fazer tudo com rigor e precisão, e que certamente terá sonhado com um final de carreira luminoso, magnânimo, sólido - sai afinal de cena, no fim do seu segundo mandato, pela porta dos fundos, a medo, engolindo sapos, mostrando em definitivo que nunca foi “Presidente de todos os portugueses”, e sem sequer conseguir juntar a admiração dos seus pares. Sócrates ainda arrebanha 500 num almoço que assinala um ano… de prisão! Cavaco nem livre consegue chegar-lhe aos calcanhares.

 

A ironia não podia ser maior: o derradeiro acto público de Cavaco Silva vai ser dar posse a um Governo caucionado pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda, com o PS na frente. Como se houvesse alguém lá em cima a mexer os cordelinhos e, numa risadinha diabólica, exclamasse: “agora toma, que é para não voltares a dizer que raramente te enganas e nunca tens dúvidas”… E pelo caminho ainda tem que assistir, na TV, a homenagens a um ex-primeiro-ministro sobre quem paira uma nuvem demasiado pesada, mas não o suficiente para o afastar da ribalta.

 

O Presidente enganou-se, e viveu na dúvida, dias demais. Não que a solução encontrada seja perfeita, ou duradoura - não estou a ver a base eleitoral do PCP brincar com o serviço quando António Costa fizer o que Bruxelas obriga a fazer -, mas a atitude que Cavaco tomou desde o dia das eleições (ou mesmo os avisos que lançou antes delas…) até à última terça-feira, a tal “birra dos 50 dias”, mostrou-nos de que massa é feito aquele homem e como é possível, em democracia, eleger figuras que se revelam bem diferentes dos exemplos que o regime inspira e convoca.

 

Aqui chegado, Cavaco dirá sempre que fez o que tinha a fazer (depois de todas as tentativas para fazer o que não devia). E vai sentir um alivio de consciência no lugar do peso que efectivamente devia ter. Não é bonito de se ver.

 

Não é um final feliz para este Presidente. Não sei se é um bom começo para António Costa. É seguramente um momento infeliz do PCP e do Bloco de Esquerda.

 

Mas acaba por ser uma lição para todos nós: agora sabemos, e é válido por fim para todos os partidos, que na política não há possíveis nem impossíveis. Há apenas a voragem da ambição - e ela não tem limites. Felizmente, em democracia, a lei trava essa voragem e limita a ambição. Do mal, o menos.

 

COISAS QUE ME DEIXARAM A PENSAR ESTA SEMANA…

 

A revista francesa Elle estava a preparar a edição que assinala o seu 70º aniversário. Parou tudo, deixou a edição para mais tarde, e produziu uma revista de 64 páginas, sem uma única página de publicidade, dedicada às vitimas dos atentados de Paris e aos seus familiares. É na mesma uma revista feminina - mas mostrou o seu lado mais profundamente humano. O jornalismo será sempre uma profissão maior enquanto houver gente que saiba parar no momento certo e pensar: o que é que estamos aqui a fazer?

 

Ainda na ressaca dos atentados de Paris e das ameaças em Bruxelas, esta matéria da revista britânica The Economist é talvez a mais exemplar análise jornalística do fenómeno do terrorismo. Porque consegue a fina mistura dos factos com as ideias que eles inspiram. A não perder.

 

Estreia hoje o “novo” “Leão da Estrela”, agora sob o olhar de Leonel Vieira. A critica já disse mal, como lhe competia. Eu, que sou apenas um espectador, posso dizer que vi o filme e me ri a bom rir. E não sou de riso fácil. Não é um “remake”, é uma excelente homenagem com uma história muito bem reinventada. O Tiago R. Santos também faz parte dos que merecem os parabéns, depois de Leonel Vieira e de um naipe de actores de que é difícil destacar alguém. Todos estão bem. Vá: Miguel Guilherme é genial e Sara Matos é a actriz que vai marcar as próximas décadas no nosso mundo do espectáculo.

 

 

publicado às 11:10

Boa sorte, Mário Centeno

Por: Paulo Ferreira

 

São 17 os ministros do novo governo e depois ainda virão os secretários de Estado. Mas nem todos têm a mesma importância. Não se trata de desvalorizar uma ou outra área, trata-se apenas de perceber que os danos e as virtudes que ocorram nas várias pastas não têm o mesmo impacto nas nossas vidas.

 

Os ministros indicados para as áreas económicas - Mário Centeno nas Finanças, Manuel Caldeira Cabral na Economia, Vieira da Silva na Segurança Social, Pedro Marques nas Obras Públicas, Maria Manuel Leitão Marques na Modernização Administrativa, Capoulas Santos na Agricultura - são sólidos, com as ideias arrumadas e, em vários casos, com provas dadas noutros governos.

 

Mas, porque continuamos a viver tempos invulgares nas prioridades da governação, entre todos quero destacar Mário Centeno. É dele que vai depender, em grande parte, o sucesso ou insucesso da governação.

 

Este não é mais um governo, na linha dos que se sucederam nas últimas décadas. Não é apenas mais um governo socialista, com as suas virtudes e defeitos, depois de um governo da direita. Este é um governo refém do apoio permanente e expresso de dois partidos que na sua matriz ideológica e programática têm como objectivo a mudança de regime económico, de uma economia de mercado para uma economia controlada pelo Estado.

 

Isso faz toda a diferença e não é preciso ser dotado de poderes adivinhatórios para antecipar que é dessa tensões entre duas formas radicalmente diferentes de olhar para a economia e para o papel do Estado que virão as maiores dificuldades para os governantes e para o país.

 

Mário Centeno estará na primeira linha dessa disputa e é sobre ele que vai recair o encargo de fazer as quadraturas do círculo necessárias para acomodar dentro de um orçamento que cumpra as metas europeias as propostas vindas de quem defende que essas metas europeias não deviam ser cumpridas.

 

Não vai ser fácil, como já se percebeu pelo arranjo que foi necessário para fazer o acordo com o PCP e o BE. Para acomodar o aumento de despesa das medidas exigidas pelos dois partidos mais à esquerda - sobretudo a antecipação do levantamento de medidas de austeridade que, no programa socialista, deviam ocorrer de forma mais faseada - Centeno teve que abdicar de uma medida emblemática no seu plano económico e financeiro: a descida generalizada da Taxa Social Única para a generalidade dos trabalhadores.

 

Os orçamentos exigem que as contas sejam realistas e batam certo, de preferência causando os menores danos possíveis para a economia. Em cima disto, os governos ainda querem fazê-los populares: com distribuição de mais despesa e com menos cobrança de impostos. Actualmente, querer fazer o pleno disto tudo é uma impossibilidade política e aritmética.

 

Mas se fazer orçamentos já é difícil e obriga a decisões duras, pior é executá-os e corrigi-los ao longo do ano. Porque é certo que os desvios vão sempre acontecer e, por regra, são por defeito e não por excesso.

 

Se o PS está mesmo determinado em cumprir aquilo com que se comprometeu e se aprendeu alguma coisa com a sua governação passada, tem que instaurar uma “ditadura das Finanças”. O contexto orçamental já o exigiria mas a natureza dos parceiros de governação obrigam a reforçar o poder do ministro das Finanças. E este tem que ter toda a determinação no uso desse poder.

 

Não foi por acaso que José Sócrates acabou de relações cortadas com o seu ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, que responsavelmente colocou o país à frente dos interesses conjunturais do Governo e do PS e forçou o pedido de ajuda externa. Também não foi uma coincidência que no anterior governo Vítor Gaspar tenha saído a meio do mandato e que a maior crise da coligação tenha ocorrido por causa da política orçamental e da nomeação de Maria Luís Albuquerque em sua substituição.

 

Mário Centeno é tecnicamente sólido e sabe fazer contas. Tem uma abordagem às contas públicas diferente da do governo PSD/CDS mas isso não faz dele um delinquente fiscal. Aliás, se hoje podemos olhar para a política orçamental e perceber alguma margem de manobra para fazer um pouco diferente é porque alguém já fez o trabalho mais “sujo” nos últimos anos, aquele que ninguém gosta de fazer mas que muitas vezes não tem alternativa.

 

Mas o imperativo de um controlo férreo das contas mantém-se e não será uma boa notícia no dia em que esse fusível queimar. Se queimar.

 

 

Outras leituras

 

A Amazon também já é uma empresa de televisão. Das novas, como a Netflix. Para promover uma série espalhou símbolos nazis em Nova Iorque. Claro que causou polémica. Claro que era isso que a Amazom pretendia.

 

Há coisas que só valorizamos devidamente quando as perdemos. A saúde é uma delas. A liberdade é outra. E a tolerância também está nessa lista. Nestes tempos de chumbo é bom que a saibamos manter e valorizar.

publicado às 23:52

A guerra que vem do deserto para as cidades. E que vai ser longa.

Bruxelas está a sentir, por causa do terrorismo, a ameaça de viver em semiliberdade. Temos de ponderar se esse é um preço que estaremos dispostos a pagar pela nossa segurança. Seja como for, há que combater quem ataca a nossa liberdade.

No dia de abril de 2013, quando uma criatura nos seus 40 e poucos anos, com ares de inflamado guerreiro religioso, que usa o nome de Abu Bakr al Baghdadi, se autoproclamou emir e anunciou a criação de um “Estado Islâmico do Iraque e do Levante”(EI), poucos o terão levado a sério. Muitos até teremos troçado quando ele falou da reconquista do Mediterrâneo, com a intenção de tomar tudo até ao Al-Andalus, portanto com o atual Algarve incluído. O Al-Andalus tinha em Silves, na Taifa de Silves, no século XI, o seu emirato mais ocidental.  

 

Lembro-me de nessa ocasião da proclamação do EI ter lido um livro fascinante sobre o nosso passado árabe há dez séculos. O livro é escrito por uma investigadora em estudos islâmicos, Pilar Lirola, e tem por título Al Mutamid, El Esplendor del Reino de Sevilla (edição do Instituto de Cultura e Artes de Sevilha, de 2012). Trata a figura desse monarca, Al Mutamid, que se tornou um mito, não apenas por conseguir a extensão dos seus domínios, herdados do Califado de Córdova, de Múrcia até Silves, mas sobretudo por converter a sua corte em magnete para sábios, literatos, músicos e, especialmente, poetas. Ele, Al Mutamid, para além de guerreiro que a lenda diz ter sido fino com a espada, também era poeta, chegou a viver em Silves e até lhe dedicou um poema. Eram tempos de esplendor árabe no que é hoje o Algarve. Os relatos sugerem o culto de valores e prazeres muito opostos ao deste tal Baghdadi de agora.

 

Sabemos de Baghdadi que este clérigo guerreiro fez nome em 2010 pelo modo como enfrentou as tropas dos Estados Unidos no Iraque. Era a época em que a Al Qaeda começava a dissolver-se em múltiplos grupos e grupúsculos cujo nome parece ter sido cozinhado numa sopa de letras do terrorismo. Baghdadi tinha chefiado um braço iraquiano da Al Qaeda, mas, como descreve Rania Abouzeid na grande reportagem The Jihad Next Door, os planos dele eram muito mais ambiciosos: emergir como terrorista global em nome do califado e partir do controlo do Iraque e da Síria para fazer realidade a utopia de um vasto estado islâmico.

 

Baghdadi capitalizou, a partir de 2011, a queda das tiranias militares do Médio Oriente (derrube de Saddam e de Kadafi, debilidade de Assad), que instalava a anarquia no vazio de poder. Armado com um exército aguerrido consumou, em maio de 2014, a conquista de Mosul, a segunda maior cidade do Iraque (milhão e meio de habitantes). No mês seguinte tomou Raqqa, na Síria. O mundo compreendeu então, brusca e brutalmente, que a ameaça do EI é mesmo para levar a sério. Estava criado um santuário terrorista num território com tamanho grande como o das ilhas britânicas. A fúria do EI passou a mover-se por um terço do Iraque, talvez mais de metade da Síria e chegou aos confins da Turquia. A Líbia, fogueira de instabilidade, parece à mercê. O EI controla um território com cerca de seis milhões de pessoas que submete à sua doutrina.

 

A campanha mediática é essencial para o êxito de Baghdadi. Ele é hábil a usar tecnologias sofisticadas do século XXI, explora as redes sociais para propagar o seu desejo de nossa regressão arcaica e a sede que tem de poder e de mal. Conquista adesões e amedronta os inimigos ao difundir através da internet as suas atrocidades, sequestros, execuções e decapitações. A ofensiva do líder do EI desenvolve-se em torno de três eixos: para além da comunicação com vídeos eficazes, o controlo do território com abundantes poços de petróleo que lhe asseguram financiamento farto e a progressiva expansão do desafio jiadista para novas frentes, da Nigéria à Tunísia, do Paquistão ao Mali, da Argélia ao Líbano, do Iémen ao Egito ou Somália. E avança no desafio mais perverso, o de incutir o medo em nós, que na Europa nos julgávamos fora da ameaça terrorista. Os últimos dez dias em Paris e Bruxelas despertaram-nos para Bamako e outros lugares onde milícias jiadistas repetem matanças. Milhares de mortos e centenas de escolas fechadas pelo terrorismo na África Central - e nós quase nem ligamos a essas notícias.

 

O “Estado Islâmico” de Baghdadi, embora, como escreve Luis Bassets, não possa ser reconhecido como um Estado nem deva ser considerado islâmico, deseja uma sociedade retornada a um passado asfixiante. Prevalece a leitura anacrónica do Corão desgraçadamente instalada no século XVIII por Mohamed Wahab, o teólogo saudita que aplicou o dogma da sharia e introduziu um islão rígido e integrista. É uma versão que tem praça forte na Arábia Saudita. Vem a propósito olhar para a construção desta sociedade e deste país. Tudo muito bem relatado em vários livros, por exemplo The Rise, Corruption and Coming Fall of the House of Saud ou A Brutal Friendship, ambos de Said K. Aburish (livros publicados por St. Martin’s, NY).  

 

Neste caso da Arábia Saudita tudo começa com Abdelaziz Ibn Saud (1876-1953), definido por Aburish como “um déspota tão brilhante quanto diabólico”. É o chefe que em 1932 fundou, a partir de uma tribo guerreira que esmagou as rivais, um país que, em consonância com a realidade daquele poder, adota o nome da família: Arábia Saudita. Os reis sauditas costumam procriar com fartura – o fundador da dinastia, o tal Ibn Saud teve 44 filhos das 22 esposas oficiais - e assim preservam a continuidade do clã, embora por entre golpes palacianos.

 

A família Saud dirige, geração após geração, os ministérios e empresas principais não só no país como em muito do Ocidente mais rico. A fortuna jorra do dinheiro do petróleo que permite a uma tribo do Médio Oriente ter-se tornado um colosso de riqueza. Imagina-se que Baghdadi aspirará a um destino semelhante para o seu califado. Os sauditas têm gozado a complacência ocidental perante os fundamentalismos supostamente puritanos daquela sociedade que, entre outros abusos, submete as mulheres. Espera-se que a Baghdadi lhe seja barrado o caminho. Obviamente não basta, nem de perto nem de longe, para nos livrar da ameaça terrorista. Mas é um bom avanço para travar uma guerra que veio do deserto para as cidades e que tende a ser longa. Desconstruir a jiad obriga a estabilizar muitas vidas. Vai dar-nos um trabalhão para defender a nossa liberdade plena.

 

Também a ter em conta:

 

A multiplicação do perigo jiadista reforça o alto risco da visita de cinco dias, já a partir de amanhã, do Papa a três países de África: Quénia, Uganda e República Centro-Africana. Neste tempo de incertezas vale ouvir a palavra de um Papa que é um pastor revolucionário.

 

Na Argentina, um novo partido surge e chega ao poder. O liberal Macri está eleito presidente e as forças de oposição na América Latina, da Venezuela ao Brasil rejubilam com a viragem à direita. Estará a começar uma reviravolta conservadora no continente?

 

Há cinco equipas treinadas por portugueses que estão bem colocadas para entrarem no seleto clube das 16 melhores na Champions do futebol europeu. Mérito para André Villas-Boas, Marco Silva, Rui Vitória, José Mourinho e Nuno Espírito Santo.

 

Que guerra será esta? A escolha de hoje entre as primeiras páginas no SAPO JORNAIS.

publicado às 09:03

As seis condições de Cavaco

 Cavaco Silva deu sinais contraditórios nos últimos dias em relação à indigitação de António Costa como primeiro-ministro e agora regressou à casa de partida; foi coerente com as primeiras exigências e quer mais do que uma espécie de acordo. Se lhe chegar o compromisso de Costa, teremos governo já. Se não, a história será outra.

As seis condições de Cavaco Silva estão na linha das preocupações que, de uma forma ou de outra, têm estado nos seus discursos. As moções de confiança, os orçamentos e o cumprimento das regras orçamentais do euro – e são condições que o PS já disse querer cumprir. Mas para Cavaco não basta, é necessário que estejam no dito acordo de forma explícita. Bem.

Depois, o Presidente – que ainda tem dois meses de vida política ativa – quer mais, quer garantias na concertação social, na estabilidade do sistema financeiro e na participação do Estado português na NATO. Percebe-se? Sim, porque já ouvimos o novo dono disto tudo – Arménio Carlos – a dizer que o salário mínimo só depende do governo, sabemos que o PCP e o BE querem a nacionalização da banca e também já percebemos todos que, perante a nova estratégia do Estado Islâmico, a natureza securitária da Europa e do Ocidente vai mudar, e aumentar.

É claro que se o Presidente quiser ‘apenas’ a garantia de António Costa, o governo PS terá o caminho livre. Mas se Cavaco exigir que estas condições passem para o papel, para a posição conjunta, o desfecho não será tão óbvio, porque o PCP e o BE difícilmente darão mais do que o pouco que deram.

Costa tem de responder já, sob pena de mostrar a Cavaco, e sobretudo aos portugueses, que não tem um governo estável, coerente e duradouro.

 

As escolhas:

 

A Europa está sitiada, Bruxelas parece uma cidade-fantasma tomada pelas ameaças e pelo medo. À resposta imediata ao risco de novos atentados terroristas, a Europa e o mundo, que estão do lado certo da história – porque há um lado certo nesta história – têm de dar novos passos. E são difíceis. Mais segurança, mais cooperação internacional com parceiros tantas vezes desavindos, é resposta militar no terreno. Acompanhe, aqui, no SAPO24, as últimas notícias sobre o nosso (novo) mundo.

publicado às 13:29

A culpa não é do relvado. Nem sua, caro adepto

Por: Pedro Fonseca

 

Barulho dos adeptos, relva, iluminação e árbitros podem influenciar o resultado de um jogo de futebol? 

 

 Sporting e Benfica vão encontrar-se para os 16 avos da Taça de Portugal, no Estádio de Alvalade, este sábado, 21 de Novembro. Para os fãs, tanto para os que os ovacionam em campo como para os que acham que jogar em casa é uma vantagem, é melhor desiludirem-se: nada disso está cientificamente comprovado que funcione. Os fãs aos gritos têm pouco impacto no resultado de um jogo, segundo um recente estudo da universidade norte-americana do Nebraska: "gritar insultos ou encorajamentos não tem benefícios ou impactos", sintetizava o Daily Mail

O estudo foi feito com fãs do hóquei norte-americano, analisando quatro jogos da equipa da University of Nebraska-Omaha no Century Link Centre de Omaha entre Novembro de 2014 e Março deste ano. Como o jogo é feito no interior de um espaço, é mais fácil captar o som. Essa análise sonora aos jogos demonstrou que mais ruído não estava relacionado com uma melhor performance de mais golos pela equipa apoiada. Segundo Brenna Boyd, investigadora responsável pelo estudo, "o jogo mais barulhento ocorreu a 12 de Dezembro e ganhámos por um golo, pelo que penso não haver dados suficientes para saber se o barulho está correlacionado com quantos golos eles conseguiram durante o jogo".

Nos inquéritos dados aos jogadores após os jogos, estes também confirmaram que a assistência era barulhenta mas não os distraía do jogo. E o campo onde se joga, pode ser uma vantagem perante o apoio da audiência? Talvez. Num estudo sobre as equipas inglesas, nos anos 80, a equipa que jogava em casa ganhava, em média, 64% dos pontos. Análises posteriores apontavam que as duas "variáveis" com maior preponderância eram "a familiaridade com o estádio" e "o apoio da multidão". No primeiro caso, ajudava estar mais ajustado à relva ou à iluminação do estádio, se o jogo decorre à noite. Os apoiantes também podem "motivar os jogadores a darem o seu melhor e podem também influenciar as decisões do árbitro, levando a uma propensão para favorecer a equipa da casa". No entanto, este forte apoio pode igualmente pressionar demasiado a equipa da casa, além de que "multidões mal comportadas exercem uma influência negativa sobre o desempenho da equipa de casa", pelo menos segundo alguns estudos sobre o basquetebol - que, mais uma vez, é normalmente jogado no interior de uma sala.

Numa análise a equipas que jogam em campos neutros, o referido estudo da Football Perspectives detecta que "o apoio da multidão não é uma pré-condição necessária para a vantagem em casa", ao contrário do conhecimento do campo onde se joga. Há igualmente uma outra explicação, relacionada com o tempo de viagem da equipa visitante, mas os investigadores dizem ter um "pequeno efeito na vantagem" de jogar em casa. Na Alemanha, uma outra análise de 2008 assertava igualmente que os fãs e os estádios não são responsáveis pelas vitórias no futebol. Andreas Heuer e Oliver Rubner, da universidade alemã de Münster, analisaram 12 mil jogos da Bundesliga entre 1965 e 2007. A diferença de golos revelava uma vantagem nos jogos em casa mas era tão pequena por jogo que não se podia considerar relevante em termos estatísticos.

Mas pode esta pressão dos adeptos ter influência, por exemplo, nos árbitros? Aparentemente, isso pode acontecer. 40 árbitros assistiram a um jogo entre o Liverpool e o Leicester da época de 1998-99, com metade a vê-lo com todo o ambiente sonoro do estádio e a outra metade em silêncio. Os primeiros foram "menos propensos a marcar faltas contra a equipa da casa", relativamente aos que viram o jogo em silêncio. "Esta preferência para a equipa da casa coincidiu com as decisões reais do árbitro" no jogo desse dia, explicava o The Guardian. Segundo os investigadores, "os árbitros tendem a evitar marcar faltas contra a equipa da casa como forma de se protegerem dos níveis de stress adicionais que ocorrem com o antagonizar da multidão". Isto sucede não porque os árbitros queiram fazer o que a multidão pede mas para evitarem "o que iria dirigir a fúria da multidão directamente para eles". "Os psicólogos chamam a isso 'prevenção'" (ou "avoidance", no termo em inglês). Em resumo, no futebol - e perante o terreno, o barulho, os adeptos e os árbitros - ganha quem marca mais golos. De resto, é fácil arranjar desculpas de que o chão está torto quando não se sabe dançar...

publicado às 19:21

Uma sexta-feira como outra qualquer

Por: Rute Sousa Vasco

 

 “Quando regressam do Espaço, os astronautas vêm sempre um pouco diferentes porque viram a fragilidade da Terra.”

 

A notícia foi divulgada há exactamente uma semana. O astronauta Thomas Pesquet vai transportar para o espaço, no próximo ano, o texto do eventual acordo sobre as alterações climáticas que saia da cimeira de Paris, em dezembro. Agora é preciso é que haja acordo, porque esse ainda não é certo. Mas, se os líderes dos principais países poluidores conseguirem entender-se e comprometer-se, o presidente francês, Francois Hollande, entregará a Thomas Pesquet a prova do compromisso que ele levará consigo rumo à Estação Espacial Internacional, em novembro de 2016. “O ambiente é algo que sempre esteve próximo do meu coração. Quando regressam do Espaço, os astronautas vêm sempre um pouco diferentes porque viram a fragilidade da Terra”, realçou o francês, de 37 anos.

 

Fez também ontem uma semana que o Argentina-Brasil, da terceira jornada da qualificação sul-americana para o Mundial de Futebol de 2018, foi adiado para o dia seguinte. Choveu forte e feio em Buenos Aires e não houve outra hipótese que não cancelar o jogo.

 

Bem longe dali, e 24 horas depois, o partido de Aung San Suu Kyi, conquistou a maioria no parlamento da Birmânia. Foi um dia histórico! Apesar de um quarto dos assentos estar reservado aos militares, o partido da Nobel da Paz ultrapassou a barreira que lhe permite eleger o Presidente e formar governo. Foram as primeiras eleições livres na Birmânia em mais de 25 anos.

 

Isto aconteceu a 13 de novembro de 2015, um dia em que, aliás, aconteceu muita coisa. A Universidade de Coimbra, por exemplo, anunciou neste dia que conta atualmente com 3.769 estudantes de mais de 80 nacionalidades em regime de mobilidade e através do estatuto de estudante internacional. Também na mesma data, o Centro de Ciências do Mar (CCMAR) da Universidade do Algarve foi selecionado para um projeto europeu que pretende promover o aumento da aquacultura até 2020. E o Campo Arqueológico de Mértola, no Alentejo, recebeu o prémio deste ano das Academias Pontifícias do Vaticano, dedicado aos primeiros séculos do Cristianismo, pelas campanhas arqueológicas dos últimos anos e pelos "extraordinários resultados obtidos".

 

No dia a seguir, 14 de novembro de 2015, soubémos que o arquiteto Eduardo Souto de Moura criou um projeto para construir um auditório junto à sede da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que, a ser aprovado, deverá tornar-se a grande obra do prémio Pritzker na capital do país. Que boa notícia para Lisboa.

 

E soubemos também que um conjunto de marcas de mobiliário, iluminação e decoração portuguesas se juntou para criar uma forma inovadora de promover os seus produtos no mercado britânico. Alugou um apartamento residencial que transformou em espaço de exposição em Londres, o Covet London. Aí estão marcas como as do grupo Menina Design, Boca do Lobo, DelightFULL, BRABBU, Koket, Maison Valentina e Luxxu. Que boa ideia...

 

Em Évora, arrancou um projeto-piloto, o Programa “Mais”, com o objectivo de promover o emprego partilhado de técnicos entre as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e o recrutamento de profissionais desempregados para estas entidades. A iniciativa é da UNITATE – Associação de Desenvolvimento da Economia Social, uma IPSS sediada em Vila Viçosa (Évora), mas de cariz nacional, e dirige-se, nesta fase inicial, às 80 associadas da União Distrital das IPSS de Évora.

 

Quem passou por Lisboa foi Laurie Anderson que veio ao Lisbon & Estoril Film Festival estrear o seu último filme, Heart of a dog. Um filme sobre "liberdade e medo", num mundo criado por palavras. "Pediram-me para fazer um filme sobre a minha filosofia de vida. Disse logo que eu não a tenho e se tivesse não a punha num filme para toda a gente ver. Mas acabei por fazer uma coleção de histórias e, no final, é a minha filosofia de vida. Traiu-me.", contou. Ao longo de pouco mais de uma hora, Heart of a dog gira em torno de Lollabela, a cadela de Laurie Anderson.

 

O tenista português João Sousa subiu esta semana ao 33.º lugar do 'ranking' mundial de ténis, a melhor posição de sempre de um tenista português. E está confidante que "a época de 2016 vai ser ainda melhor".

 

No dia 16 de novembro, começaram os "Dias do Desassossego", uma iniciativa promovida, em Lisboa, pela Casa Fernando Pessoa e pela Fundação José Saramago para celebrar o livro e a leitura, com música, cinema e debates.

 

Mais coisas que aconteceram esta semana. Os 2.500 bilhetes que o Benfica tinha disponíveis para o jogo de sábado com o Sporting para a da Taça de Portugal esgotaram poucas horas depois de terem sido colocados à venda. No próximo dia 21, dez dos melhores pianistas nacionais e internacionais vão estar juntos em palco num concerto no centro cultural de Viana do Castelo, a maior sala de espetáculos do Alto Minho. E a revista médica The Lancet HIV revelou que um medicamento utilizado para tratar o alcoolismo associado a outras substâncias poderá contribuir para eliminar o vírus da sida em seropositivos (uma notícia conhecida no mesmo dia em que o ator Charlie Sheen contou no programa de televisão Today que é portador do vírus da sida).

 

Somos capazes de não ter reparado em várias destas notícias. Estas são as notícias da nossa normalidade.

 

Do direito que conquistámos – porque não foi sempre nosso e não é ainda um direito de todos – de usufruir simplesmente da normalidade. De sair de casa para ir trabalhar, trocar dois dedos de conversa no café da esquina, meter óculos escuros porque faz este fantástico sol de novembro e encontrar um lugar no metro onde possamos ler durante alguns minutos o livro que nos acompanha. Trabalhar, pensar em fazer coisas novas, combinar ‘comes e bebes’ com amigos, ir ao cinema ou simplesmente passear pela cidade.

Tudo isto sem termos de pensar duas vezes.

Isto é ser feliz sem saber.

Isto é aquilo de que não podemos abrir mão. Isto é aquilo que temos de reivindicar para quem não tem ainda. Apesar do medo. Apesar do horror. Apesar.

Todos os dias têm de ser uma sexta feira como outra qualquer. Em Lisboa, em Paris, em Beirute, em Lagos ou em Damasco.

 

Outras coisas sobre o direito à normalidade.

 

Normalidade é também igualdade. A igualdade dos géneros, nomeadamente no que respeita a salário igual para trabalho igual, ainda está longe e é preciso acelerar bastante o passo.

 

O que não é normal é que já se tenham passado 20 anos desde que este filme estreou. O Toy Story já tem 20 anos. O miúdo já está mesmo na faculdade. Mas que bom continua a ser sentarmo-nos no sofá e rever o filme.

publicado às 10:42

Guerra em tempo de paz

Por: Pedro Rolo Duarte

 

 Ontem à noite, enquanto na televisão se mostravam as imagens dos tiroteios em Saint-Denis, e se descrevia a meticulosidade com que os militares franceses foram directos à casa de quem sabiam que tinha qualquer coisa a ver com os ataques de sexta-feira passada (não foi por acaso, certamente, que uma mulher se fez explodir no apartamento cercado…), na tasca onde via aquele Telejornal havia uma voz que se levantava em revolta e dizia:

- Não percebo isto! Os gajos sabem onde estão os terroristas, mas em vez de lá irem antes, vão só depois dos atentados matarem umas dezenas…

 

O desabafo originou discussão - e como de costume, em todos nós há, além de um treinador da selecção nacional de futebol, um primeiro-ministro e um chefe de polícia. Neste caso foi o chefe de policia que veio ao de cima e deu para um debate onde, no limite, as autoridades prendiam todos os muçulmanos que encontrassem na rua - e depois iam-nos libertando à medida que provassem serem inocentes. Tudo ao contrário do que o nosso estado de Direito manda. Enfim, conversa de tasca…

 

Mas, mais a sério, vale a pena reflectir sobre as estratégias que têm sido aplicadas no combate - muitas vezes, tardia e infelizmente, já só na resposta… - a um novo patamar do terrorismo radical islâmico. É que este novo degrau na escalada do terror distingue-se pelo seu lado aleatório, pelo medo imposto pela incerteza, e por uma (provavelmente organizada) desorganização. Ninguém sabe o que vai acontecer daqui a dez minutos - e é com essa venda nos nossos olhos que os terroristas contam. Eles querem-nos vencer pelo medo e pela insegurança. E numa primeira fase estão a conseguir - nem que seja por esta reacção de rua que pede sangue antes, ou em vez, de pedir justiça.

 

Todos sabemos que por cada ataque terrorista bem sucedido há muitos outros que as autoridades conseguem fazer abortar. Nessa medida, pôr em causa o trabalho dos serviços secretos e das forças de segurança, seja qual for o país ou a organização, pode ser tentador, mas não faz sentido. Mas talvez seja razoável seguir os passos firmes de François Hollande e aceitar que efectivamente “estamos em guerra”, e que as regras da guerra são bem diferentes daqueles que dominam a vida em paz democrática, mesmo sob ameaças potenciais. Estar em guerra não é matar a torto e a direito - mas é defender territórios, criar linhas de defesa, atacar com precisão. É responder ao medo sem medo. No limite, até sem medo de errar.

 

Politicamente incorrecto me confesso - mas é humanamente impossível, a quem assistiu aos últimos 14 anos da vida no Ocidente, pensar de outra forma. Se é para vencer, às vezes vamos enganar-nos. Tomemos isso como parte integrante desta guerra. Quer queiramos, quer não, ainda há um lado certo da vida. E é este.

 

COISAS QUE ME DEIXARAM A PENSAR ESTA SEMANA…

 

Esta semana concretizou-se a passagem de testemunho da “Time Out Lisboa” para a casa-mãe inglesa, que até agora só controlava as edições de Londres e Nova Iorque. A mudança não se deve ao fracasso - pelo contrário, deve-se ao sucesso da edição portuguesa da revista e do excelente “negócio” do Mercado da Ribeira, agora rebaptizado “Time Out Market”. É um bom exemplo de um projecto que foi muito além das expectativas iniciais. E traz mais boas noticias: vem aí a Time Out digital…

 

Estamos em plena Semana Global do Empreendedorismo (começou a 16, vai até 22 de Novembro), considerada a “maior celebração do mundo orientada para as pessoas que inovam e geram emprego e dessa forma impulsionam o crescimento económico e aumentam o bem-estar humano”. A coisa envolve 10 milhões de seres humanos em 157 países do mundo. Alinhando nesse movimento gigante, sugiro que passem pelo site Empreendedor.com, onde podem, de forma simples e muito intuitiva, entrar e conhecer este mundo de novas ideias e projectos.

 

A moda/tendência das newsletter que nos escolhem boa informação, a comentam e analisam, não pára de crescer. Mão amiga passou-me este link, que assinei gratuitamente e tenho seguido diariamente. É assinado por Dave Pell, um jornalista que passa parte do dia a escolher, pensar e analisar para nós - e por nós… - notícias que às vezes nem sabíamos que queríamos saber. Experimentem…

 

 

 

publicado às 10:36

Saint Denis

Por: Márcio Alves Candoso

 

"Na catedral dos franceses, ouço as balas repicar. Não se coroa Jeanne D'Arc. Prende-se quem me quer matar".

 

Há oito anos e alguns meses - era princípio de Verão - estive em Paris, por razões profissionais. Já o fizera várias vezes, e pelo menos duas mais, antes e depois, como turista.

 

Se lembro agora essa viagem é porque foi nessa altura que visitei a Catedral de Saint-Denis, nos arredores de Paris. Essa mesmo onde, reza a história bem ou mal contada, Joana D'Arc foi nomeada paladina de uma parte de França, na Guerra dos Cem Anos.

 

Num dia qualquer que não recordo - mas não será difícil situá-lo, já que ao mesmo tempo se disputavam as meias-finais de Rolland Garros, a alguns quilómetros de distância - fui convidado a assistir a um concerto que se realizava na referida catedral.

 

O maestro era Claudio Abbado, dirigindo a Orchestre National de France. O programa era uma chatice qualquer que não recordo, e a sonorização era um engodo terrível, feita de propósito para passar em directo na televisão, estragando todo o efeito que se espera obter quando se está numa catedral daquelas dimensões e época arquitectónica. Parecia que estava no Centro Cultural de Belém...

 

Às tantas saí. Não se sai a meio de um concerto gravado para a televisão. Mas eu não fico onde não gosto de ficar, onde sinto que estou a ser enganado e a ser usado como cenário. Um padre da Opus Dei deu-me uma reprimenda. Arrependeu-se logo de seguida, e esteve à beira de cumprir uma mortificação não ritual e infligida. Iconoclastias minhas...

 

Cá fora - não sei se conhecem - há um grande largo. A toda a volta de um dos símbolos de França, onde estão sepultados reis de mais de um milénio de história, onde as rainhas eram coroadas, numa devoção só interrompida durante a parte selvática da Revolução, estamos em território estrangeiro. Na praça de dimensões olímpicas, fazem-se os 'zidanes' e 'benzemas' do futuro, atrás de uma bola de couro velho.

 

A toda a volta, o kebab, as tajines e o couscous convivem com a Coca-Cola e a Kronenbourg, o cheiro a canela distingue-se e conjuga-se com o açafrão. Uma mulher de véu está parada ao lado de um homem que desfia o rosário que não é rosário, é misbaha, tão perto de mim na invocação de Deus.

 

Sentei-me sozinho na esplanada. Na Tunísia, uma década antes, senti-me mais à vontade. Mais em casa. Ali, o ambiente era hostil, até na cara do patrão da casa. Apeteceu-me voltar para dentro da grande abadia de França. Fui, meia refeição comida, procurar abrigo junto do brasileiro que conduzia o 'mini-bus' que nos tinha trazido, a mim e a mais alguns convidados, desde o hotel de 'charme' do Faubourg de Saint-Honoré até àquele lugar fora de portas.

 

Não me apetecia esperar, e pensei regressar mais cedo à noite de Paris daquele fim-de-semana festivo. Havia qualquer coisa na Pigalle e no Trocadero que eu não queria perder. Perguntei se havia metropolitano para o centro. Haver havia, mas não era aconselhável. De fato e gravata, botões de punho de ouro e lapis-lazuli, sozinho, branquela como vim ao mundo... 'É melhor não, 'monsieur''!

 

Fiquei-me pelo brasileiro, que falava que nem um brasileiro. Recentemente solteiro, lembro-me que se queixava que em Paris não havia uma única casa de passe de jeito... Pensei para comigo: quem precisa disso quando se vive em pleno território da liberdade?

 

Quando acordei do bom sono de terça-feira, Saint Denis apareceu-me no écrã, sem Stade de France que lá fica na memória destes dias. E não havia Claudio Abbado nem bolas de couro velho, e não cheirava a açafrão ou canela. Havia polícias e bombas suicidas. Não me admirei nem um segundo. Lembrei-me apenas que devo ter feito bem em não ter apanhado o metro, nem sequer aquele último de Truffaut, teatro de vida da resistência francesa à ocupação, a outra, a da II Guerra.

 

Junto à Pigalle, ao sul da catedral e a oeste de La République, onde tudo se passou na sexta-feira passada, lembro o Montmartre de Deneuve no filme, quando teve de continuar a ensaiar a peça que o marido judeu deixou a meio, fugindo para a cave do edifício, fugindo da morte certa, fazendo uma pausa na vida. Tem pouco a ver com o tempo que é a nossa nova trova que passa? Tem de ter, creio!

 

Et toi, Jeanne d'Arc, qu'est-ce que tu en penses?

 

Créditos da fotografia: 

Saint-Denis - Basilique - Extérieur façade ouest" by Ordifana75 - Own work. Licensed under CC BY-SA 3.0 via Commons

publicado às 08:28

Pág. 1/3

Arquivo

  1. 2016
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2015
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D