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SAPO24 Crónicas

Todos os dias um olhar mais atento a um tema que marca a actualidade. Artigos, análises e crónicas exclusivas no SAPO24.

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Os tostões do Tondela no negócio dos milhões

Por: Miguel Morgado

 

O melhor contrato é o MEO, ouve-se a norte. NOS é que conseguimos um acordo histórico, bradou Bruno de Carvalho. A Águia não quer ficar de bico calado e já se fala em cláusula de salvaguarda. Os “Três Grandes” do futebol português venderam jogos, camisolas, publicidade no estádio, televisões dos clubes e sabe-se lá mais o quê. Cada qual reclama que fez o melhor no negócio do século. Tal como no número de sócios e adeptos, a “galinha da vizinha” é sempre inferior à minha, agora transformada no meu contrato é maior que o teu. As operadoras agradecem. Porque o jogo é agora deles. Até 2030. E a “Liga dos Pequenos” está aí: “on sale”.

 

No mundo financeiro português os Bancos caem uns atrás dos outros. Contribuintes e investidores institucionais são chamados a garantir a sua sobrevivência. No mundo da bola, em ano de crise e com falta de liquidez, do banco das presidências das SAD parecem sair soluções miraculosas para o futuro do futebol nacional. Com a ajuda das empresas que começaram por vender telefones, telemóveis e que evoluíram para internet e televisão, a batalha pelo apetitoso conteúdo futebol trouxe para a mesa das negociações números nunca antes vistos: milhões, muitos milhões por jogos de futebol, que a partir de agora podem ser vistos nas múltiplas plataformas: tv’s, computadores, tablets, telemóveis e smartphones.  

O Sport Lisboa e Benfica foi o primeiro a abrir caminho. Luís Filipe Vieira preparava-se para desfilar na passadeira de figura do Ano com o mega-contrato de venda dos direitos televisivos dos jogos (em casa) do clube da Luz e com os direitos da exclusividade da Benfica TV. Um “kit” que deixa de parte as já patrocinadas camisolas e o estádio. As manchetes dos jornais cobriram-se de vermelho de reconhecimento.

 

Com a serenidade que se lhe reconhece, Pinto da Costa calou o vento suão que soprava e disse com pronúncia do norte: é MEO o melhor contrato. Os valores milionários oferecidos pela Altice/PT (dona do MEO) não mentiam e ultrapassam os dos encarnados. Para tal incluiu no pacote, para além dos jogos caseiros dos azuis e brancos e da televisão do clube, Porto Canal, o patrocínio nas camisolas e no estádio durante uma década.

 

Bruno de Carvalho tem dito (e mostrado) que o Sporting Clube de Portugal está na luta. No campo, nas palavras e na(s) exigência(s). Beneficiando de “outras guerras” ou pela audácia de saber esperar, o terceiro a fechar negócio surge como o primeiro em valores. Históricos no bolo final. Que é o que afinal conta para os adeptos. Nem que nesta espécie de Bolo Rei caiba lá muita fruta: as imagens de Slimani, JJ e companhia em Alvalade, a TV, a publicidade estática e virtual do estádio, camisolas, renegociações e sabe-se lá mais o quê. Afinal não estavam mesmo a saldo. NOS é que fizemos o acordo do século, gritam os leões. Será mesmo assim?

 

Uma década de bola numa operadora perto de si

 

Os três contratos não são comparáveis entre si porque em cima da mesa estão pacotes diferentes. Agora, o povo português, pouco sabichão na matemática, gosta muito, no entanto, de puxar pelo tamanho dos números. Avulso, sem interpretações e com muita emoção e pouca razão, o que interessa são os milhões que entram: os 400 de Benfica, os 457 do Porto ou os 515 dos leões (que reduzem-se a 446 milhões se falarmos só de vendas dos direitos televisivos). Juntos somam uma “pipa” de massa: mais de 1300 mil milhões de euros. Uma verba que, no entanto, não chega para a recapitalização do Novo Banco. Mas isso dos bancos foi chão que já deu uvas aos clubes de futebol. Agora é, como se vê, a vez das operadoras de telecomunicações entrarem em campo comprando e lutando pelo melhor conteúdo dos clubes: a bola e os craques.   

 

Sobre o que se assinou pouco ou nada sabemos. Todos os contratos têm cláusulas de confidencialidade. O do Benfica até parece permitir uma renegociação que o pode recolocar na liderança, numa espécie de vitória na secretaria. Da clareza dos números em bruto partimos para a certeza da duração: vão dos 10 aos 12,5 anos, entre imagens dos jogos e venda das televisões e exploração comercial. Uns a contar a partir de janeiro 2016, outros só em 2018. Ou seja até 2026, 2018 e 2030, respectivamente, mais ano ou menos ano, mais euro ou menos euros, os dois players do mercado das telecomunicações são agora também eles, e por muitos anos, os “donos da bola”. Os telespetadores agradecem, assim como os (aflitos) clubes, que ganham a curto prazo, embora desta enorme injeção de dinheiro nada se saiba quer quanto ao “quando”, quer quanto ao “montante” que entra durante o período definido, e se sairá para comprar craques ou pagar as contas. A certeza que existe por agora é que os clubes, à eterna discussão de quem tem mais adeptos, mais títulos ou melhor academia, somam agora uma nova sobre quem “fechou” hoje o mais alto valor neste negócio do século. 

 

A “Liga dos Pequenos” mostra o que vale

 

Fechado que está o assunto dos “Três Grandes” as atenções viram-se para a “Liga dos Pequenos”. A NOS deu ontem, penúltimo dia do ano, o pontapé de saída. Meteu mais oito clubes no pacote. A começar em 2019 e a terminar até dez anos depois. A bola está agora do lado da MEO. Porque o campeonato tem 34 jornadas e porque os “grandes” também jogam fora, o negócio é apetitoso. Pelo que o Tondela ou o União da Madeira ainda podem reclamar que fizeram o negócio de uma vida... medido em tostões.  

 

Hoje operadoras, clubes e telespetadores regozijam de contentamento. Daqui a 10 ou mais anos faz-se o balanço. E... bom, aí é “fazer a conta”, uma frase celebrizada por um ex-primeiro ministro, engenheiro de profissão, mas que se atrapalhou com tanto milhão. Logo se vê, dirão os clubes que vendem uma década de receitas de uma vez só. E, já agora, ninguém sabe como será a evolução do mercado, o das telecomunicações, das transmissões e do futebol. Mas como se diz na gíria, prognósticos só depois... do fim dos contratos. Até lá, caro leitor, toca a sintonizar o clube do seu coração, abram espaço aos artistas e deixem a bola rolar.

publicado às 19:26

O Bom Ano

Por: Márcio Alves Candoso (nota: alguns dos lugares, instituições e factos narrados são meras fantasias do autor; outros são verdadeiros)

  

Chegou apressada, só com tempo para mudar a cara, cheia da areia do Sahara que lhe ficara do ano e meio que passou no sul do Sudão. Mafalda não mudou. Mandou às malvas o curso de Nutricionismo, onde ninguém a convenceu das virtualidades dietéticas da sopa, e embrenhou-se na 'Feed the World', uma ONG que passa a vida a dar comida aos desafortunados que insistem em se cruzar com ela. Desencantada do mundo, já não precisa de fita métrica para medir o globo terrestre, e constatar que a redonda face do planeta, pegue-se-lhe ao trópico ou ao meridiano, dá sempre o mesmo resultado: 'contigo não há regime que resulte'. Um gordo cheio de fome, suspira.

 

Quando recebeu o telefonema de Calvin, velho amor-ódio de vida, levou o regresso a sério. Calvin tinha acabado de cumprir serviço à comunidade no Grande Estado da Pensilvânia, única forma de se safar da cadeia depois do desfalque em que foi enrolado na 'Michaels & Douglas', a casa de investimento nova-iorquina em que trabalhara, e que faliu depois da bolha imobiliária. Calvin tinha jurado fazer dinheiro, esse mesmo que Bill Waterson, seu pai adoptivo, não quisera ganhar. Ganhou juízo. Ou não, pensava Mafalda.

 

A ideia era passarem o ano novo juntos. Havia a hipótese de uma revolução na Argentina, mas era mesmo com o regresso a casa que Mafalda sonhara todos estes anos fora – antes do Sudão, do Ruanda e antes ainda da Angola mais profunda. Para Calvin, Buenos Aires ou Singapura tanto se lhe dava. A Argentina tinha mudado de presidente, e um pouco por toda a América Latina havia história, da brava, em cada momento que corria. Dos Andes à Amazónia, quem não pecou que atire a primeira pedra! E foguetes impróprios por todo o Orenoco cercado de Bolívar.

 

Não era por isso, contudo, que Calvin ia deixar de se meter com as miúdas que tinha conhecido uns anos antes numas férias em São Domingo. Na festa do 'Piso Compartido', na noite de 31 de Dezembro, a sua revolução ia mais pela 'tequilla' que pelos tangos de Piazzola ou as armas de Roberto Perdia e dos 'Montoneros'. Mafalda, enamorada dos pantomineiros rotos da rua, sentia-se confortável nas festas de esquina de Puerto Madero. Mas o que ela queria era ver as pessoas que lhe faltavam, lá na areia que ainda trazia agarrada na parte da Alma que partira.

Raimundo Fagner, por sua vez, tinha acabado de chegar de Lisboa, onde encontrara mais poemas de Florbela Espanca para musicar as musas que já tinha. Depois de 'Fanatismo', passara uns dias na biblioteca de Vila Viçosa, enamorando-se do Alentejo. 'Minh'alma de sonhar-te anda perdida, meus olhos andam cegos de te ver'... Daí partira para as 'asas no ar', as raparigas 'flores desabrochadas em canteiros', que 'mostram por entre o ouro das espigas, os perfis delicados e trigueiros'. Geraldo Vandré, o que não queria que dissessem que não falou das flores, compreenderia? Ia perguntar a Vinicius, quando o encontrasse no Caminito, repousado em wisky puro.

 

Trouxera também Natália e Ionesco, que o romeno das soluções imaginárias passara lá no 'Botequim' da Graça, onde 'tudo é de todos e não é de ninguém'. Como a triste Ângela Maria, que nunca foi mãe, e que tinha o destino da lua, 'a todos encanta, não é de ninguém'.

 

O grupo brasileiro atravessara os rios que os separam, por uma vez sem ódio pela cauda argentina, e ao passar o Paraguai tentara convencer Graham Greene a despojar-se do corpo de Clara, naquele quarto à beira da fronteira onde se lembrava da infância às vezes, do barulho do ar condicionado outras tantas. O ar condicionado... Mafalda acordou do sonho africano. Graham Greene não viria. 'Mas isso não evitava o que Vinicius escrevia, num qualquer ano que findava. 'A tristeza está no fundo de todos os sentimentos como a lágrima no fundo de todos os olhos. Sejamos graves e prodigiosos, e sejamos também irmãos e amigos'.

 

Mafalda penteou a 'rai's que parta da trunfa rebelde' e calçou os sapatos de boa sola que tinham ficado lá em casa, à espera de melhor estrada que a da terra onde gastou as botas que Bob Geldof lhe tinha trazido de Itália. Um sonho que ia para lá de Homero e do Mar Mediterrâneo, de onde partira tanto futuro argentino no século que passara, tantos como as mentiras que hoje o atravessavam, rumo ao paraíso que não havia. A morte perseguia mesmo os que se isolavam, e disso tinha fugido Mafalda quando leu Ellery Queen, chamado Deus num vale perdido da Califórnia, antes do assassínio da profecia que ele não inventara, mas que acabava no fim da curta história.

 

Calvin ainda lá não estava, à espera dela. Atrasava-se, como tantos defeitos que tinha. A maldade não era bem a sua praia, era mais algo que o perseguia, como o nome que trazia, fruto de uma perversa interpretação de um cristão suíço quinhentista, que se esqueceu da alegria quando leu a Bíblia. O Calvin e o Hobbes, o de má memória, cinismo intacto de má filosofia, e que não passa pelo simples crivo da sapiência de um tigre de peluche. O ar aquecia, naquele fim-de-tarde, de fim-de-ano de Buenos Aires, e Calvin não viu as miúdas giras de São Domingo. Deu antes de caras com um edifício de tijolos vermelhos, onde se lia:

 

'Ver en el día o en el año un símbolo

de los días del hombre y de sus años,

convertir el ultraje de los años

en una música, un rumor y un símbolo,

ver en la muerte el sueño, en el ocaso

un triste oro, tal es la poesía

que es inmortal y pobre. La poesía

vuelve como la aurora y el ocaso'.

 

Borges. Um cavalheiro de Buenos Aires, à altura da dignidade de uma bengala e absorto na sua cegueira e biblioteca, a quem nada acontecia, mas tudo ao outro, o que escrevia o que ele imaginava. A seu lado estava agora Natália e mais atrás Florbela, de braço dado com o irmão que nesse dia, por encanto, não morria. Calvin demorava a olhar este mundo que não conhecia - Natália era tudo o que não havia no 'Beckett's' ou no 'Ulysses', na Pearl St., três quarteirões acima de Wall Street, onde os rapazes da NYSE afogavam as comissões de bolsa e as comichões nas bolas. E Natália ria só com metade da boca, mas com alma e meia e com boquilha.

 

Quando Mafalda chegou, já noite escura no hemisfério onde o sol bate em Dezembro, as notícias abriam o olhar daqueles que tinham começado cedo a saga de partir à aventura das ruas electrizadas de La Boca ao Puerto Madero. Não se divisava agora se eram os reflexos das estrelas que Gardel cantava, os estoiros coloridos dos foguetes de ano novo ou as bombardas no rio da vida toda de que Borges falara, esse Rio de La Plata ou de Homero em Ítaca, 'el arte es essa Ítaca de verde eternidad, no de prodigios. También es como el rio interminable que pasa y queda y es el cristal de un mismo Heráclito inconstante, que es el mismo e es otro, como un rio interminable'.

Pedia-se um panteísmo aos revolucionários argentinos, num ano novo que nunca escolhe o tempo em que se mostra ao povo, em aceno de varanda descamisada. Mátria por um momento de Eva, Florbela e Natália num mesmo tempo fora de época e de assunto, fora da história que a segunda não compreendia e a terceira acertava ao passo de um tango ou de um pézinho de gaúcho emigrado. Numa orgia contida. Num poema amado. Numa 'batalha pelo passado imortal'.

 

Chove em Buenos Aires, cidade da luz que falta nos olhos do seu maior. Diz a BBC que esta noite é de 'El Niño', mas o coração 'porteño' não se acaba antes da conquista de la Bombonera. Mafalda está lá, coração de Quino, coração tamanho do Mundo que Calvin traz no fundo do rio sem retorno. Os brasileiros sambam no outro Rio e Vinicius senta-se ao som de um banho na Catarata de Iguaçu. A revolução é do tamanho do amor e de um operário que construiu Ipanema.

 

No 'Maduro Tango' toca Piazzola, 'Libertango'. Dançam na rua raros rapazes e raparigas que ainda não perceberam. Ouve-se do outro lado da avenida, onde a rádio já consuma a revolta, a 'milonga' vária das mulheres deixadas pela claque violenta que nunca dorme, os 'LA 12' da Bombonera. Clark Kent chega de Nova York – que digo eu, de Metropolis – e 'El Niño' treme ao vê-lo na noite 'caminera'. O jornalista antecipa-lhe a destrutiva emenda dos erros humanos, e salva a pátria num teclado a mil batidas por minuto. É tudo sonho, é tudo fruto de um bom ano que se quer novo.

 

No topo sul do estádio, há uma janela larga no restaurante alvo, o '1905' construido pelo amor do povo de Evita e pela ideia de um 'Crónico', construtor igual ao de um qualquer terceiro anel luzidio. Ionesco resume a azáfama das pernas soltas na dança apaixonada, os navios armados no Rio de la Plata, os relâmpagos e a pirotecnia por uma vez abraçados. 'Não é a resposta que nos ilumina, mas sim a pergunta'. Dormita Mafalda, já cansada da jornada, mas ainda assim atenta ao rumo da revolta. Sorri para Calvin e parece ver-lhe nos braços um tigre de peluche. Vão para casa. Borges apalpa o relógio na parede da biblioteca. O ponteiro salta um minuto, e o passado cede o passo a um futuro incessante de desejos. 

publicado às 15:13

Ano novo, o mesmo planeta: comemorações da chegada de 2016 em todo o mundo

Há uma coisa que nunca muda, ano após ano: os australianos são sempre os primeiros a chegar ao ano novo... Os australianos e as ilha do Pacífico Sul. Mas as comemorações não perdem por esperar - e muitas começam mesmo antes da noite de 31 de dezembro. Aqui ficam algumas imagens para começar 2016 em beleza.

 

Ao longo dos dias de hoje e de amanhã iremos atualizando esta galeria.

publicado às 14:05

Se o conteúdo é rei o futebol é imperador

Por: Paulo Ferreira

Nestes dias finais do ano vai uma animação entre os principais clubes de futebol e os principais distribuidores de televisão com a sucessão de contratos sobre os direitos de transmissão dos jogos, cedências de canais de tv próprios, publicidade no estádio e outras ferramentas de comunicação.

Os contratos que estão a ser divulgados são relativamente semelhantes, embora com perímetros suficientemente variáveis para não permitirem a comparação directa entre os três clubes. Não se podem comprar montantes globais de cada acordo porque o que está dentro de cada “frasco” é diferente - nuns casos há patrocínio principal para aparecer nas camisolas, noutros não, por exemplo - e os prazos são também diferenciados. É preciso fazer muitas contas e ler as letras mais pequenas dos acordos para que se possa chegar a uma conclusão sobre ganhadores e perdedores.

 

O menos importante é mesmo essa lógica de “o meu é melhor do que o teu” em que as tribos do futebol são doutoradas, tudo discutido, obviamente, com a mesma objectividade e honestidade intelectual com que avaliam o penalti que se marcou ou o que ficou por marcar.

 

O interessante é olhar para o que estes acordos nos dizem sobre o sector dos media e da distribuição de conteúdos, sejam eles de informação, entretenimento, grandes espectáculos desportivos, ficção ou o que quer que seja.

 

Eles confirmam, se é que isso ainda é necessário, que o conteúdo é rei. As plataformas de distribuição são cada vez mais e tecnologicamente mais diversas mas a principal batalha está nos conteúdos. A questão não é tanto saber como se distribui mas sim o que se distribui. Porque já está tudo em todo o lado, graças à convergência tecnológica. Temos canais de televisão acessíveis através do computador, dos tablet ou smartphones que podemos ver em qualquer lado. E temos televisores com acesso à internet através dos quais podemos ver o Youtube, os vídeos do SAPO ou de qualquer outra plataforma web. Os adolescentes cá de casa são quem passa mais tempo em frente ao aparelho de televisão mas para fazer tudo menos aquilo a que se convencionou chamar televisão: canais formais, com uma grelha pré-estabelecida. Sabemos que é isto que se passa na generalidade das casas, em Portugal ou em qualquer outro país desenvolvido.

 

Se os conteúdos reinam, dentro destes o futebol é imperador. As audiências confirmam-no há muitos anos e não há razão para pensar que vai deixar de ser assim nos próximos anos. Podem aparecer entretanto outros formatos vencedores, como há década e meia apareceram os “reality shows” e depois se impuseram os concursos de talentos. Mas há espaço para todos, sem que uns anulem o impacto dos outros.

 

Outro sinal importante é a diferenciação das ofertas dos quatro operadores que nos levam televisão a casa: MEO, NOS, Vodafone e Cabovisão (além destes há a plataforma TDT para o serviço básico dos quatro canais chamados aereais e ARTV). É uma tendência relativamente recente mas que está a acentuar-se. No início, as ofertas de canais de televisão de cada operador eram relativamente semelhantes e a escolha entre um ou outro era feita sobretudo pelo preço - também ele muito alinhado -, pelo pacote de serviços ou pela percepção das funcionalidades tecnológicas: a net é fiável e veloz? conseguimos recuar quantos dias para ver os programas que não vimos quando foram transmitidos? quantos cartões de telemóvel e com que tarifários estão no pacote?

 

Depois começaram a aparecer alguns canais em exclusivo num ou noutro operador. Mas poucos conteúdos têm o poder do futebol para fazer, só por si, muitos clientes mudar de operador. Essa tendência vai agora acentuar-se. Os exclusivos pagam-se e no futebol os exclusivos pagam-se caros. E se se pagam caros, têm depois que ser rentabilizados pelos operadores, com pacotes tambem diferenciados e canais fechados com assinatura própria.

 

Nesta lógica, esta corrida aos direitos de transmissão do futebol não surpreende.

 

O que pode surpreender nestes negócios feitos entre o MEO e a NOS, por um lado, com o Benfica, Porto e Sporting, por outro, é o prazo de extensão dos contratos. Para os clubes, estes contratos a 10 e 12 anos dão uma garantia de estabilidade de receita num horizonte temporal longo, o que é bom para qualquer gestão.

 

Mas numa área em permanente evolução e onde a revolução é frequente, não sabemos se daqui a cinco anos aquilo que hoje parece ser um bom negócio não se tornará num fardo para uma das partes. No caso do FCPorto e do Sporting, os acordos de direitos televisivos estendem-se até 2028, o que é uma eternidade.

 

Basta recordar que há uma década e meia não havia Youtube nem Facebook e a Netflix não era sequer uma promessa. Que o iPhone só apareceu há oito anos e os tablet depois disso. Em cerca de uma década mudámos profundamente a forma como vemos televisão - é mais correcto dizer vídeo - e acedemos ao que queremos ver. Paralelamente, os modelos de negócio com os conteúdos também mudaram e a mudança não vai ficar por aqui. 

 

É fácil prever que em 2028 o futebol vai continuar a ser um espectáculo de massas mas poucos arriscarão apostar como é que vamos ver os jogos: em que aparelhos? e como vamos pagar por isso?

 

Era interessante conhecer com detalhe os contratos que estão a ser assinados, sobretudo que cláusulas de revisão contêm e em que condições, para perceber como uns e outros salvaguardam a necessária evolução.

 

 

OUTRAS LEITURAS 

  • A banca como poço sem fundo. Sabemos como começa o resgate de um banco mas nunca sabemos como acaba. São urgentes mudanças estruturais na gestão, a supervisão, na regulação e na própria actividade dos bancos. De que é que estamos à espera?

 

  • Temos um planeta lindo, que só melhora visto de longe. E a NASA não se cansa de nos provar isso mesmo. Espreitem aqui.

 

 

publicado às 11:12

Bruno de Carvalho acena com milhões para tapar desaires desportivos e judiciais

Por: José Amaro (jornalista)

 

Quando o céu parecia estar a desabar-lhe sobre a cabeça, eis que o presidente do Sporting, Bruno de Carvalho, dá à luz um negócio que, pelos números envolvidos, é o mais gigantesco de sempre envolvendo instituições desportivas portuguesas. São 515 milhões de euros distribuídos pela NOS ao longo de 12,6 anos e que servem para pagar as transmissões televisas dos jogos do clube e, também, a cedência dos direitos de exploração de publicidade. Os milhões da plataforma televisiva pagam ainda o direito de publicitar nos equipamentos dos “leões”. São milhões que parecem cair como água sobre o fogo que estava a alastrar por Alvalade, depois de uma catadupa de inêxitos desportivos, negociais e judiciais.

 

Horas antes de ser anunciado o acordo com a NOS o presidente do Sporting viu-se publicamente desmerecido por um grupo de associados contestatários, os quais mandaram colocar dois enormes placards nas imediações do estádio questionando a sua gestão, ao ponto de a apelidarem de mentirosa. Com os milhões entretanto anunciados (que são mais 100 do que os obtidos pelo Benfica, embora num acordo muito diferente, e mais 50 do que os conseguidos pelo FC Porto), Bruno de Carvalho parece ter conseguido desviar os holofotes para um cenário que, aparentemente e só aparentemente, lhe é mais favorável.

 

A vaga de contestação começou a engrossar após o jogo em Braga para a Taça de Portugal. A equipa até jogou bem e viu ser-lhe mal invalidado um golo. Na ressaca da derrota, Bruno de Carvalho saltou qual fera acossada e insinuou que o prejuizo resultante da arbitragem desse jogo fora consequência directa das queixas feitas, dias antes, por dirigentes do rival Benfica. Acusou sem provas e, pior, revelou falta de senso ao apelidar os rivais de “idiotas”. Não pensou que as suas palavras, para além de não agradarem aos rivais, também não colhem a simpatia de muitos associados do seu próprio clube, os quais já por diversas vezes afirmaram não se reverem no estilo popularucho e trauliteiro imposto e praticado pelo presidente. 

 

Dias depois, e como agora relembram os cartazes espalhados na Segunda Circular, Bruno de Carvalho, sofreu aquele que será, até ao momento, o mais forte revés da sua presidência. O Tribunal Arbitral Desportivo condenou o Sporting a pagar mais de 17 milhões de euros à Doyen Sports, empresa que antes havia financiado o clube numa transacção mas que, no momento de recolher os proveitos previstos num contrato escrito, se viu arredada do que estava acordado. Como seria de prever o Sporting perdeu a acção e, conforme foi desde logo explicado, são quase nulas as possibilidades de haver volte-face na sentença. Mas Bruno de Carvalho, por desconhecimento ou apenas por conveniência, logo se aprestou a correr para a imprensa (a mesma que em duas ocasiões, e contrariando as regras do jornalismo isento, já fez outras tantas manchetes com artigos de opinião assinados pelo presidente sportinguista) dizendo que nada estava decidido e que o caso só então começara a ser derimido. Enfim…

 

E como um mal nunca vem só, eis que a equipa de futebol, tão sabiamente conduzida por Jorge de Jesus, encontrou novo escolho, perdendo na Madeira, perante a União local, e deixando desse modo o primeiro lugar da classificação geral ao alcance do FC Porto, que naturalmente agradeceu e rejubilou.

Os milhões da NOS podem (e supostamente vão fazê-lo) atenuar parte da contestação interna. Mas não a extinguem. Aos olhos dos adeptos em geral e dos sportinguistas em particular o modelo de Bruno de Carvalho não colhe simpatias. Aos inêxitos desportivos recentes (e esses são sempre os que ficam na retina e na memória), às condenações judiciais e ao não atendimento das reclamações e queixas apresentadas contra rivais, junta-se ainda uma inenarrável política de defesa do clube que consiste, à semelhança do que outros também fazem, em mandar para os programas desportivos televisivos comentadores cuja credibilidade ou é nula ou apenas anedótica. Enfiar na casa de milhões de telespectadores um indivíduo de semblante medieval e voz teatral, bramindo de pé uma espada de plástico e proferindo ameaças contra um comentador de um clube diferente, não pode nunca significar credibilidade. Humor é uma coisa. Palhaçada é outra completamente diferente. Ao enveredar pela segunda via, perde Bruno de Carvalho e perde, sobretudo, o Sporting.

 

publicado às 16:39

12 perguntas de 2015 para 2016

Por: Francisco Sena Santos 

 

Estamos a sair de um ano que fica marcado por alguns episódios que dão fôlego à esperança mas também pela proliferação do medo. Um 2015 que começou e terminou com as atrocidades em Paris, em que a organização com o nome mais pronunciado é a do autodesignado estado islâmico, e um ano que nos deixa num areal de inferno da nossa memória a imagem atroz do pequeno Aylan Kurdi, naufragado quando julgava fugir do calvário na Síria - retrato para nossa vergonha, e que resume todo o pesadelo dos que buscam refúgio com a aspiração de se livrarem da guerra e da pobreza. Mais de um milhão de refugiados nas portas da Europa. A solidariedade europeia de muitos chocou com a indiferença de tantos e até a vil perseguição pretendida por outros. Jóias arqueológicas como as de Palmira foram devastadas por mãos jiadistas.

 

É o ano em que com a chacina no centro social de San Bernardino subiu para 355 o número de matanças com armas de fogo num mesmo ano nos Estados Unidos da América – causaram mais mortes do que o número de baixas de soldados americanos nas guerras na frente externa. É o ano com temperaturas mais quentes desde que há registos, mas em que pela primeira vez há um acordo universal para proteger o clima do planeta. E tivemos a NASA Curiosity a mostrar-nos selfies de Marte que revelaram indícios de água líquida no planeta vermelho, portanto a possibilidade de algumas formas de vida. Temos um Papa, o mais revolucionário no topo da igreja católica, e uma referência moral neste nosso tempo. A Europa segue incapaz de dar boas soluções mas o espaço público está repolitizado. As eleições estão a virar a governação, tanto na Europa do Sul como na América do Sul. Cuba ficou menos ilha e o Irão volta a ser parceiro global. Em Portugal, os prejuízos da má banca continuam a ser socializados e pagos pelos contribuintes enquanto o lucro é privatizado. Os jornais, como as rádios e as televisões, precisam de excelência editorial e gente culta e inovadora para conquistar mais leitores que passem mais tempo a desfrutar informação com o contexto indispensável à compreensão do que está a acontecer, mas o que sai deste 2015 é o enfraquecimento das redações.

Os tempos que vivemos estão cheios de histórias dramáticas, em muitos casos trágicas, mas há que não desesperar, há que lutar por melhor. É assim que ficam 12 perguntas de 2015 para 2016

  1. Vamos continuar a confrontar-nos com a ameaça de atrocidades terroristas? Provavelmente, quase de certeza, sim. As organizações terroristas associadas ao chamado estado islâmico(EI) ainda estão a ampliar táticas e recursos para o ataque em curso: da guerra convencional ao terrorismo urbano, passando por operações de guerrilha. Por mais intelligence que seja envolvida é muito difícil que possamos ter, nos próximos meses, um escudo que nos defenda com eficácia e elimine o risco desses ataques.
  2. Há fim à vista para a guerra na Síria? Ainda vai demorar. A entrada em ação, em 30 de setembro, dos caça-bombardeiros russos alterou o mapa da guerra e ajuda as tropas sírias a recuperar algum terreno perante o EI. Mas o exército sírio apenas controla cerca de 25% do território do país, que é em grande parte de deserto. A Rússia está a dar a mão ao presidente Assad e a barrar a transição política que o Ocidente pretende, embora, neste momento, a prioridade seja eliminar o EI. Por agora, Moscovo está ao lado dos EUA, França e outros europeus contra a tomada de território da Síria pelo EI. Quando a mudança de regime voltar ao centro da discussão, Moscovo terá a chave. Até lá, muita vida vai continuar a ser perdida neste país que, há cinco anos, quando a guerra começou, tinha 23 milhões de habitantes. Com o êxodo de refugiados, agora, tem cerca de 16 milhões. Mas do Iraque vem, com a reconquista de Ramadi, um outro exemplo de como é possível fazer recuar o EI.
  3. Que resposta vai dar a Europa aos que aqui buscam refúgio? Tem sido e tende para continuar a ser um fracasso. Já está perdida a possibilidade de pôr a funcionar um sistema de asilo e refúgio eficaz conforme aos valores europeus. A Alemanha chegou-se à frente com atitude solidária e isso deu crédito a Merkel, mas não foi capaz de fazer valer uma resposta unificada europeia. A União Europeia está fragmentada, com países abertos à integração e outros a levantarem muros. Não é uma Europa à altura do Nobel da Paz que a distinguiu em 2012. E a Europa ainda tem pela frente a ameaça de crise grave com o referendo sobre a permanência britânica na União. A discussão sobre a União Europeia é fulcral e está estupidamente ausente no debate político português. A Europa, para que seja uma potência global neste século XXI, precisa de se impor como estado único, estado federal. Não se vê nas atuais elites dirigentes europeias alguém capaz para conduzir a renúncia necessária a uma quota de soberania nacional preservando o essencial na independência de cada nação.
  4. O preço da gasolina vai continuar por baixo? A revolução das fontes não tradicionais, liderada pelos EUA nos últimos seis anos, fez duplicar as alternativas energéticas norte-americanas. Má notícia para as oligarquias do Golfo, para a Rússia, Venezuela, Nigéria, México e outros grandes produtores. O barril de petróleo era negociado a 115 dólares no verão de 2014. Neste natal de 2015 vale à volta de 45 dólares. A retirada do embargo ao Irão vai alagar a oferta com mais um milhão de barris por dia. Há quem fale de barril de petróleo a 10/15 euros neste 2016. O mercado de futuros aponta para o barril a 60 dólares em 2020. Mas a queda do preço do petróleo ainda não está a ter um efeito tão estimulante sobre a economia dos países compradores quanto o efeito depressivo nos produtores. 
  5. O táxi tradicional vai sobreviver à entrada em cena da Uber? Vai ser difícil travar a coexistência. De certo modo, a Uber está para o táxi como as low cost para as companhias de aviação tradicionais. Embora a oferta Uber até contemple o padrão luxo. A sociedade Uber, nascida em Silicon Valley, propõe aos utilizadores de transporte público em automóvel uma alternativa, frequentemente mais barata, assente numa aplicação móvel. A chave para a operação rápida está na geolocalização dos nossos smartphones. O telemóvel está a mudar tudo na vida das pessoas. Há 7,3 mil milhões da assinaturas de telemóvel pelo planeta. Ainda estamos no começo da revolução smartphone que vai repercutir-se em todos os domínios. No século XVII, Christian Huygens inventou um motor para puxar água para a rega dos jardins do palácio de Versalhes. O desenvolvimento desse conceito de motor mudou a velocidade do mundo. O avanço da tecnologia do telefone móvel tem um impacto que não fica atrás do que foi gerado pela invenção do motor. A UBER tende a funcionar para o transporte em automóvel tal como a Airbnb para o aluguer de apartamentos. Ou a Amazon com os livros e tudo o mais.
  6. A TAP vai voltar a ter controlo acionista pelo Estado português? Há que esperar para saber. A determinação exibida por António Costa leva a crer que assim vai ser. A operação de reversão do negócio é mais um teste, também crucial, ao engenho negociador do primeiro-ministro. Costa vai conseguir envolver Neeleman (com Pedrosa) e mantê-lo como parceiro, embora minoritário? Negociação de alto voo.
  7. O governo do PS, suportado pelas esquerdas, vai atravessar todo o ano de 2016? Provavelmente, sim. O PCP, mesmo que proteste muitas vezes, vai cumprir o que ficou acordado. E nem PCP nem Bloco de Esquerda terão algum interesse, por agora, em novas eleições. De resto, a nova presidência da República (Marcelo, anunciam todas as sondagens) tenderá a ajudar.
  8. Com a saída, parece que agora mesmo irrevogável, de Paulo Portas da liderança do CDS/PP, com a coligação PàF onde o PP diluiu muito da sua identidade agora desfeita, que rumo vai tomar este partido? Mais PP com Nuno Melo ou mais CDS com Assunção Cristas ou Pedro Mota Soares? Vale ler esta análise. E também esta.
  9. Depois de um negro, uma mulher: Hillary Clinton vai ser eleita em 8 de novembro para suceder a Obama como presidente dos EUA? Salvo qualquer surpresa, sim. Sobretudo se o rival republicano tiver o absurdo folclore de Donald Trump. O multimilionário lidera as sondagens republicanas com 36 a 39% dos votos. Mas o sobrante eleitorado republicano não-Trump (60%) tende a unir-se em torno de uma alternativa: Marco Rubio, por seduzir o voto latino, poderia ser um adversário difícil para Hillary. Tal como Ted Cruz, tribuno poderoso e chefe da nova versão do tea party. Mas há que não negligenciar Trump. Em 1980, Jimmy Carter, candidato à reeleição, celebrou na sala oval quando soube que o rival seria um velho ator de Hollywood. Mas Ronald Reagan ganhou com 50,7% dos votos; campeão na comunicação, tornou-se uma figura marcante e ficou oito anos na Casa Branca.
  10. Há algum António Costa em Espanha? Há alguém que tenha engenho para juntar apoio parlamentar suficiente para formar governo numa Espanha política de pernas para o ar? Vários barões regionais socialistas estão a barrar opções ao seu líder, Pedro Sanchez. Parece mais provável que os espanhóis voltem a eleições que poderão conduzir ao mesmo impasse. Também impasse em volta da governação da Catalunha. Tudo bem explicado aqui. E aqui.
  11. Vamos ficar em 2016 com menos jornais que cultivem um serviço jornalístico de qualidade, pertinente e que nos lancem luz sobre o que é obscuro? É de recear que sim. Esta análise (artigo exclusivo para assinantes) é preciosa para entendermos o que está em causa.
  12. O que é que nos vai entreter, divertir ou fazer rir em 2016? Vamos vibrar com alguns jogos do Europeu de futebol (em França, de 10 de junho a 10 de julho) e com o espetáculo dos Jogos Olímpicos (Rio de Janeiro, 5 a 21 de agosto). No futebol português, o campeonato promete luta cerrada até ao fim. Federer e Djokovic vão continuar a encher os courts com o melhor ténis de sempre e Nadal talvez ressurja. Para ler, entre tanta coisa, é muito esperado Zero K de Don de Lillo. Já aí está a História das Terras e dos Lugares Lendários, de Umberto Eco. Será que vamos poder ler em português o regresso de Gay Talese a The Bridge? Ou Zona de Obras, de Leila Guerriero? Nos cinemas, Silence, de Scorsese, Julieta, de Almodovar, Ave Cesare, dos irmãos Coen, BFG, de Spielberg, e Hateful Eight, de Tarantino. Vai apetecer ver o que o cineasta Pedro Costa prepara para apresentar na Gulbenkian, juntando música e cinema. Há para ver em Serralves os 85 Mirós que antes do furacão da crise eram do BPN. Nas músicas há os Muse em maio, U2 em julho, e há Rock in Rio Lisboa que promete o pop de Taylor Swift. E quando será que o génio Chico Buarque volta a Portugal?

 

 

TAMBÉM A TER EM CONTA

 

O relatório anual de Repórteres sem Fronteiras revela que 110 repórteres foram mortos em 2015. Mortos pelo seu trabalho. Dois em cada três não estavam em teatro de guerra declarada, o que induz que foram mortos em lugares onde a criminalidade, seja de que tipo for, teme a imprensa. Altíssimo número de jornalistas sequestrados (54) e na prisão (153).

 

Quatro primeiras páginas escolhidas hoje no SAPO JORNAIS: esta, esta e também esta, que nos remete para o smog que está a deixar Milão (e também Roma) sem carros. Já agora, também esta que vê Mourinho, algum dia, de volta ao Real Madrid.

publicado às 09:47

Lembra-se da última vez que jantou sem que houvesse um telemóvel à mesa?

Por: Helena Oliveira


Um passeio com os seus filhos em que tenha resistido a dar um olhinho ao Facebook. Ir para a cama com a sua cara-metade, resistindo a espreitar o que de tão importante se estaria a discutir no Twitter. Ou passar uma hora a olhar o pôr-do-sol e a pensar só com os seus botões, resistindo a tocar nos ditos homólogos do smartphone. Lembra-se quando foi a última vez?

 

Se respondeu que sim a mais do que uma destas perguntas, parabéns. Tal significa que controla a tecnologia e ela não o controla a si. Mas se não resiste a seguir as histórias ininterruptas que o universo digital nos oferece e prefere teclar em vez de conversar face a face, é uma boa oportunidade para perceber por que motivo Sherry Turkle, uma das mais reconhecidas especialistas do mundo em interações entre humanos e máquinas, lançou um livro em que faz um apelo coletivo à recuperação da conversa olhos nos olhos… sim, as que costumávamos ter antes de sermos silenciados pela tecnologias que nos oferecem comunicação e interação ilimitadas.

 

“Os nossos smartphones [e companhia limitada] não são meros acessórios, mas sim poderosos dispositivos psicológicos que alteram não só o que fazemos, como o que somos”. A frase é de Sherry Turkle, do MIT, doutorada em sociologia e psicologia da personalidade por Harvard e investigadora, há mais de 30 anos, da forma como os humanos interagem com os computadores e com a inteligência artificial.

 

 Sherry Turkle, imagem de jeanbaptisteparis, licença CC-SA 2.0, via Wikimedia Commons

 

Mas, e ao contrário de vários especialistas em tecnologia que, de pioneiros evangelistas e otimistas da Internet, se transformaram em acérrimos críticos da mesma, como é o caso de Jaron Lanier, autor do livro “You Are Not a Gadget”, ou do ainda mais reconhecido Nicholas Carr, cujo manifesto “ The Glass Cage” se tornou num case study obrigatório e num retumbante sucesso de vendas, ou ainda de Andrew Keene, que no seu livro “The Internet Is Not the Answer”,Turkle opta por uma abordagem empírica dos vários problemas que identifica no mundo “netcêntrico” da atualidade. Além disso, tem o dom de ser uma “moderada” no que à diabolização das tecnologias diz respeito. Crente dos inegáveis benefícios que o progresso tecnológico propicia, mas cética q.b. dos admiráveis mundos novos que nos são ofertados pela magia digital, Turkle tem, contudo, o enorme poder de nos inquietar. Porque nos obriga a olhar para nós. E para além de nós.

 

A viagem que a fundadora e diretora do programa do MIT Technology and Self iniciou há mais de três décadas, com pleno otimismo, tem vindo a sofrer alguns revezes menores, em conjunto com abalos profundos, os quais foram devidamente registados numa trilogia de livros que lhe conferiram um reconhecimento ímpar e o estatuto de ser considerada como uma espécie de “consciência” para o mundo tecnológico, como a apelidou o The New York Times.

 

Em termos muitos gerais e, em particular na última década, Turkle tem vindo a alertar para o facto de cada vez esperarmos e exigirmos mais da tecnologia e, em simultâneo, sermos cada vez menos exigentes no que respeita aos nossos relacionamentos, aqueles que são “reais e humanos”. Mas antes de mergulharmos na sua mais recente obra –  publicada em Outubro último e intitulada “Reclaiming Conversation: The Power of Talk in a Digital Age” - , vale toda a pena fazer um breve rewind e ter uma ideia da evolução do seu trabalho, na medida em que o mesmo conta uma história em que o elenco, e sem fazermos muito esforço, é composto por todos nós.

 

 O primeiro livro de Sherry Turkle, sobre “computadores e pessoas” foi publicado em 1984 e intitulava-se “The Second Self. Nestes anos idos do século passado e uma década antes de nos rendermos ao poder mais do que sedutor da Internet que viria a mudar o mundo, já a autora encarava a tecnologia não somente como uma ferramenta, mas como parte (ainda que futura) das nossas vidas sociais e psicológicas. Ao longo dos vários anos da sua investigação, Turkle foi alterando o seu enfoque de pesquisa, substituindo o relacionamento “um-para-um” existente entre os computadores e os indivíduos, pelo papel que os primeiros tinham em moldar os relacionamentos entre as pessoas.

E é assim que surge, em 1995, o livro Life on the Screen: Identity in the Age of the Internet” que se debruçava sobre “as novas oportunidades de explorar as identidades online”. Nessa altura, Turkle era admiradora confessa dos espaços fornecidos pelos ambientes virtuais, especialmente aos jovens, que serviam de terreno para experimentação de outras identidades e, segundo acreditava, ajudariam no processo de se definir aquela que seria a “mais verdadeira” de todas.

Finalmente, em 2011, publica em livro o resultado do seu estudo etnográfico, feito ao longo de 15 anos e com base em largas centenas de entrevistas e experiências com crianças, jovens e adultos, o qual viria a ser intitulado Alone Together: Why We Expect More from Technology and Less from Each Other. Neste, que está muito perto de constituir um tratado por excelência sobre as relações humanas na era digital, é expressa a preocupação crescente de que os computadores (e demais dispositivos), em vez de se tornarem catalisadores para se repensar a nossa identidade, surgem antes como os responsáveis por abalar, de forma significativa, a capacidade de nos relacionarmos, com significado, uns com os outros. Mas também connosco próprios.

 

Afinal, todos sabemos que usamos a tecnologia para controlar e não para sermos controlados por ela.

 

Estamos a ser silenciados pela tecnologia

 

“Blá, blá”, poderemos todos afirmar se esta aparente filosofia da treta surgir numa jantarada de amigos, enquanto cada um de nós, às claras ou sub-repticiamente, vai dando um olhinho ao que se passa no Facebook, envia um tweet inadiável ou googla como vai estar o tempo amanhã. Afinal, todos sabemos que usamos a tecnologia para controlar e não para sermos controlados por ela. Mesmo que ela seja omnipresente, na mão ou à mão, esteja sempre em cima da mesa onde jantamos, na cama onde nos deitamos com a nossa cara-metade, nos passeios que damos com os nossos filhos, nas reuniões de trabalho em que colegas com gosto por se ouvirem a si mesmos nos obrigariam a morrer de tédio – se não existisse a “bela altura para ver a campanha da La Redoute” – ou enquanto fingimos que ouvimos a nossa mãe a contar a sua última incursão pelos descontos do Continente e estamos a ver o que se publicou, nos últimos minutos, no Instagram.

Sim, vivemos no mundo da conexão incessante e da comunicação constante. Mas para a investigadora há um senão: “estamos a ser silenciados pelas tecnologias”, numa espécie de “cura para a conversa”, e em que “este silêncio significa que a nossa capacidade para nos relacionarmos com os outros está também a desaparecer”. E com ela, a aptidão para a introspeção, para a empatia e para a autorreflexão.

 

Exagero? Talvez não. Se não, vejamos.

 

A lâmpada de Aladino e os 3+1 desejos

Quando, em Alone Together, observou as interações das pessoas com os robots, e as entrevistou sobre a sua relação com os computadores e telemóveis, Turkle traçaria os caminhos através dos quais as novas tecnologias transformam os velhos valores em obsolescência. “Quando substituímos os cuidadores humanos por robots ou um animal de estimação por uma versão robótica do mesmo começamos por argumentar que estas substituições são ‘melhor do que nada’ mas, no final, acabamos por as considerar ‘melhor do que qualquer outra coisa’ – mais limpas, menos arriscadas e menos exigentes”, escreve.

 

As interações observadas por Turkle entre as pessoas e a inteligência artificial patente nestes novos robots remetem para a questão do “vivo o suficiente”. Como alerta, e no que respeita aos mais novos, “esta geração de crianças tem algo especifico em mente quando afirma que as ‘coisas estão suficientemente vivas’”, afirmou, em entrevista à revista Time, aquando do lançamento de Alone Together. “O robot é suficientemente vivo para ser meu amigo” é uma expressão recorrente por parte das crianças entrevistadas por Turkle. Ou seja, o que significa que algo é suficientemente vivo para ser, por exemplo, um professor? Ou suficientemente vivo para fazer companhia a um idoso?

O que Turkle considera é que, cada vez mais, vivemos num mundo em que os relacionamentos são medidos como “melhor do que nada”. Se uma criança é alérgica a animais, então ter um robô de estimação é melhor do que não ter nenhum, mais ainda porque não morre e pode ser desligado para não nos incomodar. Ou seja, um animal de estimação robot é melhor do que um real, porque nos oferece coisas que um ser vivo nunca poderia oferecer: uma espécie de controlo total, sem surpresas e uma relação feita à medida na qual as coisas acontecem exatamente como nós queremos. E esta premissa serve também para a forma como nos relacionamos com as nossas identidades online. O controlo dos relacionamentos é, para a investigadora do MIT, um tema fulcral na era da comunicação digital.

 

E basta pensarmos um bocadinho para admitir que, muitas vezes, a preferência pelo virtual em detrimento do real acaba por ser uma opção consciente de muitos de nós. Tal como ao escolher um robot para fazer companhia a uma criança, quantos de nós optam pelo tão necessário sentimento de pertença oferecido pelos media sociais, na medida em que “ali” não existem os perigos e os compromissos que as interações numa comunidade “real” encerram? E a autora sabe do que fala porque nas centenas de entrevistas que tem feito observa, mais vezes do que seria normal, um profundo desapontamento com os seres humanos, que têm falhas e são distraídos, carentes e imprevisíveis, ao contrário das máquinas que foram concebidas para não “serem” nenhuma destas coisas.

 

texting, os tweets, os emails, as mensagens instantâneas ou os snapchats – uma espécie de torpedos vertiginosamente rápidos próprios da comunicação online – substituíram as conversas face a face

 

Assim, a talvez maior novidade que salta à vista no novo livro de Turkle – que, desta feita, não tem robots como personagens – é o surgimento de uma insatisfação, crescente, com a tecnologia, a qual foi confessada por muitos dos entrevistados, crianças e jovens incluídos, os quais, ao longo dos últimos cinco anos, serviram de “material humano” para esta sua mais recente investigação, e que a autora interpreta como um “sinal de esperança”.

 

Escrevendo que o texting, os tweets, os emails, as mensagens instantâneas ou os snapchats – uma espécie de torpedos vertiginosamente rápidos próprios da comunicação online – substituíram as conversas face a face, a especialista em tecnologia e relações humanas afirma também que, talvez pela primeira vez, as pessoas começam a ter alguma noção das suas consequências. “O excesso de confiança nos dispositivos está a danificar a nossa capacidade de termos conversas com valor uns com os outros – a coisa mais ‘humana’ que fazemos – porque o universo digital fragmenta a nossa atenção e diminui a nossa capacidade para a empatia”, pode ler-se revista The Atlantic. De certa forma, o seu mais recente livro pode ser considerado como um alerta para o facto de que “a submissão extasiante às tecnologias digitais conduziu ao atrofio das capacidades humanas, em particular da empatia e da autorreflexão, e que chegou o tempo de nos reafirmarmos, comportarmo-nos como adultos e colocar a tecnologia no seu devido lugar”.

 

Todavia, o problema é que, para a esmagadora maioria das pessoas, a vida já não faz sentido sem uma ligação ilimitada e contínua aos dispositivos digitais. E tal deve-se ao facto de, aparentemente, tal como uma espécie de lâmpada de Aladino, que nem precisa de ser esfregada, mas apenas ligada, a tecnologia concede, de mão beijada, pelo menos três irresistíveis desejos. “O primeiro é o de que seremos sempre ouvidos; o segundo é o de termos o poder de colocar a nossa atenção ao serviço de qualquer coisa que desejemos e o terceiro, é o de que nunca estaremos sozinhos”, escreve.

 

A tecnologia oferece-nos ainda um extra: para além de nos servir de consolo, de refúgio, funciona como um amigo que está sempre presente ou como uma apólice de seguro contra o aborrecimento.

 

Complementarmente e mais generosa do que o próprio Aladino, a tecnologia oferece-nos ainda um extra: para além de nos servir de consolo, de refúgio, funciona como um amigo que está sempre presente ou como uma apólice de seguro contra o aborrecimento. Para além de nos ofertar, basta que o queiramos, uma versão melhor de nós mesmos – aquela que escolhemos mostrar aos nossos seguidores e em que o enfoque pelo que realmente somos é substituído por uma autorrepresentação ideal e pela ânsia do feedback instantâneo. E o que esquecemos, ou em que nem sequer reparamos, é que estes “eus” que idealizamos acabam por deixar os outros, os verdadeiros, completamente sozinhos. Os eus ideais digitais comunicam sem cessar, mas cada vez sentem maior receio em comunicar face a face. “Optamos pelos nossos telefones em vez de escolhermos estar com os outros”, afirma Turkle, e isso acontece nas amizades, nas famílias, nos relacionamentos amorosos e no local de trabalho. E se acontece com os adultos, mais facilmente acontece com os jovens e com as crianças que estão a crescer num ambiente em que os olhos nos olhos estão a ser largamente ultrapassados pelos olhos nos ecrãs.

 

Mais preocupante ainda é o facto de que muitas das coisas que constituem a essência da humanidade começam a estar seriamente ameaçadas quando optamos por as substituir pela comunicação eletrónica. “Se não nos conseguimos separar dos nossos smartphones, acabamos por ‘consumir’ os outros em ‘bits e pedacinhos’ e é como se os usássemos como peças sobressalentes que suportam os nossos egos frágeis e vulneráveis”, acrescenta ainda. Mas o problema é que “estarmos sozinhos com os nossos telefones é, também, a nova forma de estarmos juntos”, acrescenta ainda Turkle.

 

Shame on us!?

 

À primeira vista, e talvez à segunda também, o discurso de Turkle pode parecer meio apocalíptico e até moralista. Afinal, todos nós sabemos que a vida que é exposta, por exemplo, no Facebook - desde os relatos de férias fantásticas, aos feitos individuais que partilhamos com resultados sempre excelentes, às festas a que vamos e onde nos divertimos imenso, entre outras maravilhas similares –é cor-de-rosa demais para ser verdade. Mas, talvez o mais surpreendente, como afirma a investigadora, é que “na ânsia de sermos ouvidos [ou lidos] pelos que estão “longe”, corremos o sério risco de perdermos aqueles que mais perto de nós estão”. Ou seja, publicar fotografias dos nossos lindos filhos, por exemplo, não substitui a nossa presença “verdadeira” nas suas vidas. “Que disparate”, apressamo-nos nós a ripostar. Mas não existirá aqui um fundo de, pelo menos, alguma verdade?

 

Existe um ciclo, vicioso e que se perpetua, que é preciso quebrar: os pais oferecem telemóveis aos filhos; os filhos aprendem que a batalha da atenção que desejam dos pais não pode ser vencida pois estão a competir com os seus smartphones sofisticados e interessantíssimos, acabando por se refugiarem nos seus próprios telemóveis

 

No seu livro, Turkle examina todos e cada um dos aspetos da conversação – seja aquela que temos com nós mesmos, com a família e com os amigos, com os professores e parceiros românticos, com colegas e clientes ou com a ‘coisa pública’ alargada – fazendo um excelente trabalho a demonstrar que todos eles sofrem de uma “erosão eletrónica”. E o que mais inquieta na leitura – e que é comprovado por várias entrevistas e experiências que a autora levou a cabo com adultos, mas também com muitas crianças e jovens – é o afastamento e desresponsabilização que muitos pais têm em relação aos seus filhos exatamente porque com tanta coisa “importante” para partilhar, comentar, gostar, com emails de trabalho para responder, com apps a apitar, o smartphone tem, tal como os membros da família que connosco vivem, o seu “prato” à mesa ou o seu lugar nos supostos momentos de lazer em que nos devíamos “contentar” com a mera presença de quem gostamos.

 

Esta “morte” das conversas em família é uma das secções do livro de Turkle que, pelo menos para os que são pais, obrigará (ou assim se espera) a parar por uns instantes – sem existir necessidade de irem a correr googlar sobre possíveis traumas que estejam a infligir nos seus rebentos – e a ver o filme – não no Netflix, mas na sua própria cabeça – dos que se reúnem todos os dias com os que vivem lá em casa, mas também com os que vivem nas redes sociais.

 

Para Turkle, existe um ciclo, vicioso e que se perpetua, que é preciso quebrar: “os pais oferecem telemóveis aos filhos; os filhos aprendem que a batalha da atenção que desejam dos pais não pode ser vencida pois estão a competir com os seus smartphones sofisticados e interessantíssimos, acabando por se refugiarem nos seus próprios telemóveis. De seguida, os pais utilizam a absorção dos filhos como permissão para usarem os seus smartphones tanto quanto desejam (…)”.

 

Razão alguma teria Steve Jobs quando fez saber ao mundo que, em sua casa, o iPad era fruto proibido nas mãos dos filhos.

 

De acordo com as inúmeras experiências, entrevistas e estudos que tem feito, Turkle não tem pruridos em afirmar que “são muitas as crianças e jovens que estão a crescer sem nunca terem tido uma conversa com os seus pais que não tivesse sido interrompida por um dispositivo digital”. E, mais grave ainda, ao aprenderem que, independentemente do que façam, nunca conseguirão competir com estes “seres tecnológicos preferidos”, as crianças crescem num ambiente não só privado de palavras por parte dos adultos, mas também de contactos visuais duradouros. O mesmo vale para a era dos tablets que, de forma fantástica, conseguem entreter as crianças à hora do jantar e até substituem os pais à cabeceira dos filhos contando-lhes histórias para adormecer. Razão alguma teria Steve Jobs quando fez saber ao mundo que, em sua casa, o iPad era fruto proibido nas mãos dos filhos.

 

Colocando todo o ónus nos ombros dos pais – conseguindo que muitos destes se sintam realmente culpados - Turkle afirma que a única forma de quebrar este ciclo é responsabilizar os adultos e recordar-lhes que são eles os mentores dos filhos. Mas, e em simultâneo, a autora também reconhece a dificuldade da adoção de novos comportamentos. “Os (ou pelo menos alguns) pais temem ficar para trás na mestria tecnológica face aos filhos; as conversas com os mais novos exigem tempo e paciência e é muito mais fácil e cómodo demonstrar o amor parental através da publicação de fotos ou ‘gracinhas’ dos filhos nas redes sociais”, ironiza. Mas o que estas atitudes representarão na vida de uns e outros pode vir a não ser facilmente apagado no futuro. Na vida não há “undo” ou “unsubscribe”. E se é para nos sentirmos culpados, que seja mais tarde do que nunca.

 

Uma app que alerte para um “DO NOT DISTURB”?

 

Compreender o que está em jogo nesta submissão e utilização viciante dos dispositivos digitais poderá ajudar a alterar os nossos comportamentos, não só para o bem dos nossos descendentes, mas para o nosso próprio bem. Autoestima, capacidade para estarmos sós, confiança, empatia, pensamento crítico e monotasking. No final do livro de Turkle, estas são as mais-valias que poderiam resultar se existisse um dispositivo que nos encorajasse a não estarmos constantemente ligados. Mas um interface desta natureza, escreve, iria ameaçar a esmagadora maioria dos modelos de negócio da indústria tecnológica, cujos lucros gigantescos derivam, diretamente, da força de (a)tração cada vez mais forte que nos mantém colados aos nossos mais fiéis amigos tecnológicos.

 

Entre inúmeras experiências narradas ao longo de livro, uma delas conta o que aconteceu, num campo de férias, com jovens divididos em dois grupos: aos que era permitido utilizar telemóveis e tablets “normalmente”, e um outro, no qual qualquer dispositivo eletrónico era proibido. Este grupo “device-free” começou por apresentar sintomas próprios de uma “cura para um vício”, com amuos e irritações a pautar os comportamentos dos miúdos nos primeiros dias. Até que, rendendo-se às evidências, acabaram por descobrir que era possível, e muito divertido, conversarem e brincarem entre si sem recurso à tecnologia.

 

Assim, a especialista em psicologia humana oferece argumentos sólidos que ajudam a compreender a importância de existirem “espaços sagrados” livres de dispositivos digitais – em que a única atividade permitida é a velha conversa, com nós próprios e/ou com os outros, a leitura de histórias em conjunto, um simples jantar sem talher para o telemóvel ou uma sala de estudo com apenas livros e cadernos –, em conjunto com o abandono do mito que nos faz acreditar que o multitasking é imperativo no dias que correm no que respeita à boa produtividade, substituindo-o pelo “unitasking”, o qual nos obriga a concentrar numa tarefa de cada vez e resistir à urgência de endeusarmos o smartphone como a ferramenta universal que tudo consegue substituir.

 

Em 2014, uma pesquisa realizada pelo Pew Research Center, comprovou que as pessoas são menos propensas a expressar as suas opiniões nos medias sociais quando temem que os seus seguidores possam discordar delas

 

E por várias e importantes razões.

 

Se nos habituámos a acreditar que o tempo em que estamos sós, connosco mesmos, podia ser “curado” e resolvido pela presença da tecnologia, está na altura de nos lembrarmos que essa capacidade para a solidão nos ensina a concentrar, a imaginar e a criar, a ouvirmo-nos a nós próprios e a desenvolvermos o nosso “eu” verdadeiro, competências cruciais para as conversas que mantemos face a face.

 

Quando falamos com alguém em pessoa somos forçados a reconhecer a sua humanidade ou, por outras palavras, a recuperar a empatia perdida – que nada mais é do que a capacidade de nos colocarmos na pele dos outros e de os reconhecermos como humanos que são, com virtudes e defeitos, e não como seres virtuais que “são muito mais felizes do que nós” e que, por exemplo no Facebook, nos fazem temer contrariar ou discordar dos seus pontos de vista legitimados por um sem número de likes (em 2014, uma pesquisa realizada pelo Pew Research Center comprovou que as pessoas são menos propensas a expressar as suas opiniões nos medias sociais quando temem que os seus seguidores possam discordar delas).

 

Por outro lado, porque se as tecnologias digitais representam a cura para o aborrecimento, está também comprovado que é nas alturas de tédio que mais desenvolvemos a nossa criatividade e imaginação. E porque a lista já vai longa, a autora sugere veementemente o abandono do multitasking pela concentração numa tarefa só, de cada vez, resistindo à dispersão e fragmentação promovidas constantemente pelos apelos sedutores do universo digital – o “uni” ou “monotasking” é, para a autora, a “the nex big thing”.

 

“Recuperar a conversação” é a proposta de Sherry Turkle. Em conjunto com a promessa de que, se usarmos a tecnologia com parcimónia, as nossas crianças terão um melhor desenvolvimento, os nossos estudantes aprenderão melhor e os colaboradores terão uma melhor performance, se os seus “mentores” optarem por uma substituição das “salas de chat” por salas de conversas face a face.

 

Para Turkle, ainda vamos a tempo de corrigir alguns erros e de nos lembrarmos de quem somos – criaturas com história(s), psicologicamente ricas, capazes de terem relacionamentos complexos, de exporem os seus pontos de vista sem temor de serem criticados, que gostam de arriscar e que compreendem que a melhor forma de nos relacionarmos com aqueles de quem gostamos é olhá-los nos olhos.

 

P.S. para os que chegaram ao fim, sem terem tweetadosnapchatado ou googlado: é favor partilhar este artigo no Facebook. Mas só depois de terem deitado os filhos e lhes terem contado uma história…

 

 

publicado às 15:15

Costa quer aterragem forçada na TAP

Por: António Costa

 

Qual foi o acontecimento económico do ano de 2015? Apesar do choque-Banif, a marca do ano que termina esta semana é a privatização da TAP, uma operação que começou há 19 anos e foi, finalmente, fechada na 25ª hora, no limite das forças financeiras da companhia. E António Costa parece querer voltar a pôr a TAP na lista do próximo ano.

A privatização da TAP nunca foi uma questão ideológica: passou sucessivos governos, do PS e do PSD, e ainda mais ministros. Começou, aliás, pela mão de Jorge Coelho, mas a falência da Swissair acabou com um negocio antes de o ser. De então para cá, a situação financeira da TAP degradou-se de tal forma que chegou a Novembro deste ano em rutura de tesouraria. Em risco de não pagar salários se não fosse fechada a privatização assinada em Junho, a venda a Humberto Pedrosa e David Neeleman, e se não entrasse dinheiro fresco na empresa. Entraram 180 milhões de euros de um total de 320 milhões previstos até ao final de 2016. E pela primeira vez em anos, a TAP tem um dono ativo, faz investimentos e tem estratégia.

A privatização da TAP deveria ter sido feita mais cedo, sim, os últimos contratos com a banca foram assinados no dia seguinte a o governo de coligação PAF ficar em gestão e com um novo governo pré-anunciado. E isso é terreno fértil para a demagogia e para o populismo. António Costa queria manter a maioria do capital da empresa em mãos do Estado, mas isso era uma proposta inverosímil, simplesmente porque nenhum investidor estaria disposto a pagar para o Estado mandar. E era preciso pagar muito. Agora, depois do negocio feito, essa promessa é ainda mais deslocada, mas o primeiro-ministro assumiu a estratégia do ‘a bem ou a mal’. Só pode correr mal, claro, como se não bastassem os problemas que o país tem, nomeadamente os dos bancos.

Afinal, que perguntas faz Costa para justificar a possibilidade de reversão do negócio? Há mitos criados pelos sindicatos da companhia, que alimentam a associação liderada por António-Pedro Vasconcellos, que não correspondem à verdade, como a exigência de visto prévio do Tribunal de Contas, por exemplo. Mas, em entrevista ao JN, fez três perguntas: Como, quanto e quem investiu na TAP? Costa sabe, mas podemos aqui esclarecer os nossos leitores.

Como, quanto e quem? A reputação de David Neelman no setor da aviação permitiu que a TAP deixasse cair a encomenda de aviões A350 por 53 aviões A321 e A330, mais adequados à nova estratégia da companhia e, com isso, a Airbus libertou um crédito antecipado de 150 milhões de dólares que já entrou na empresa. Será isto que o primeiro-ministro quer pôr em causa? A que propósito?

Foi esta credibilidade que permitiu fazer o que o Estado – como acionista – e a gestão de Fernando Pinto não conseguiram, até porque a Airbus já temia, pelo contrário, o incumprimento dos compromissos financeiros assumidos anteriormente.

Há, depois, a palavra dos reguladores, a última, particularmente da ANAC, que tem de apurar se a privatização respeita a lei e se isso permite a concessão da licença aérea à TAP (e à Portugália, que faz parte do grupo TAP). Também aqui, há mitos – leia-se mentiras – no ar. A ANAC nunca chumbou o acordo, deu um parecer prévio positivo e pediu alterações aos estatutos da empresa de acordo com a nova estrutura acionista. E mais de 50% do capital tem de estar nas mãos de acionistas europeus, coisa que explica, claro, o aparecimento de Humberto Pedrosa no consórcio. Mas então, o problema é que o consórcio respeita a lei?

A posição de força de António Costa só pode ser explicada por despeito, por não aceitar que os novos donos, legítimos, tenham dito aos emissários do Governo que não estavam disponíveis para negociar, apenas para cumprir o que estava assinado com o Estado português. A posição de força deveria resultar do incumprimento dos compromissos do acionista privado, do fecho de rotas, da diminuição de voos, da mudança do hub de Lisboa. Ora, se Pedrosa e Neeleman estão a fazer o que assinaram, Costa deveria agradecer.

 

ESCOLHAS

 

A história do Banif ainda não está toda contada, e Jorge Tomé, o antigo presidente executivo do banco, fez acusações duras a Carlos Costa, o governador. Já sabemos que o contribuinte vai pagar muito, até 3,6 mil milhões de euros, para salvar um banco que não valia 3% do mercado, um valor astronómico. E vamos ver o que sucede ao Novo Banco, outro caso que se arrasta e que, como se sabe, precisa de mais de 1,4 mil milhões de euros de capital. O pesadelo financeiro ainda não acabou. Até quando?

 

Enquanto a banca tenta resolver os seus problemas, o mundo dos conteúdos anda em sentido contrário. Depois do acordo da NOS com o Benfica, a PT Portugal/Altice chega a acordo com o Porto por 457 milhões de euros, incluindo os direito televisivos, a distribuição do Porto Canal e a publicidade na camisola. O que acontece, agora, aos clubes mais pequenos? Leia o artigo do Público aqui no SAPO24.

 

Boas entradas em 2016, volto para a semana com as previsões para o próximo ano.

 

 

publicado às 10:44

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