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SAPO24 Crónicas

Todos os dias um olhar mais atento a um tema que marca a actualidade. Artigos, análises e crónicas exclusivas no SAPO24.

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Todos os dias um olhar mais atento a um tema que marca a actualidade. Artigos, análises e crónicas exclusivas no SAPO24.

O naufrágio à nossa frente

 

Por: Francisco Sena Santos

 

É a imagem lancinante que documenta estes dias. É uma fotografia que nos confronta com o naufrágio. Mostra-nos o casco inclinado da barcaça que se vira e vemos muitas dezenas de figuras minúsculas que tentam algum meio para sobreviver, ou atirando-se ao mar ou agarrando-se à madeira do barco que talvez ainda flutue algum tempo mais. Sabemos que são mulheres, homens e crianças que tentam salvar-se no mar imenso. No Mediterrâneo, a quem os antigos romanos chamavam mare nostrum. Podemos seguir como que anestesiados, sem reagir, perante a perturbadora imagem de um naufrágio assim diariamente replicado?

 

É uma fotografia que documenta a queda a pique de tantas, não sabemos quantas, vidas. Muitas escapam ao naufrágio, outras sucumbem e ficam para sempre em lugares de fossa comum, localizados de modo vago como “ao largo da costa líbia”.  A história lembra o modo como Virgílio, há 20 séculos, descreveu o naufrágio da frota troiana de Eneias perante a fúria desencadeada pela poderosa e vingativa deusa Juno. No caso mostrado nesta imagem de agora, um bravo grupo da Guarda Costeira italiana conseguiu evitar a hecatombe e salvar a maior parte destas vidas. Também há gente valente de Portugal nestas operações de socorro. Mas não chega, os naufrágios fatais sucedem-se, todos os dias. O Alto Comissariado da ONU para os Refugiados reportou, a partir do testemunho de sobreviventes, cerca de 700 vidas perdidas só em três dos muitos naufrágios da última semana.

 Sabe-se que há muitos milhares de africanos que, frustrados na terra onde nasceram, dispostos a arriscar, estão nas margens da costa sul do Mediterrâneo na esperança de embarcar. Tendem a ser milhões. Muitos nem terão a noção das escassas perspetivas e dos perigos. São migrantes económicos, não preenchem as condições para serem considerados refugiados e assim obterem acolhimento. Mas são levados a ousar a sorte e estão à mercê da indústria contemporânea do tráfico de seres humanos.

 

No começo do outono, aquela fotografia do pequeno Aylan, vestido e calçado mas inerte pela morte na beira-mar de uma praia na Turquia, conseguiu acender a opinião pública europeia para a tragédia dos refugiados e impôs o debate político. Houve então muitas palavras, comoção de circunstância, mas por pouco, demasiado pouco tempo. A crise dos refugiados segue por tratar.

 

Agora, esta imagem da barcaça que se afunda volta a pôr diante dos nossos olhos um drama que resulta de uma das questões essenciais do nosso tempo, a da emergência migratória: os milhões de pessoas que estão num continente com 30 milhões de quilómetros-quadrados e que aspiram chegar à Europa. É preciso saber reagir e encontrar soluções humanas. Quais? Não sei. É uma tarefa para os políticos. Eles são eleitos com o encargo de encontrarem soluções para os problemas. Sendo que, continuando a desviar o olhar, continuando alheios ao sofrimento dos outros, continuando sem saber resolver com humanidade, continuando a silenciar este abandono, estamos todos a naufragar.

 

 

TAMBÉM A TER EM CONTA:

 

O Prémio Camões vai este ano para o brasileiro de origem libanesa Raduan Nassar, pela “força poética da sua prosa”.  O escritor, que gosta de se dedicar à agricultura, não cultiva aparecer ou protagonizar entrevistas mas levantou a voz contra o afastamento de Dilma. É também autor de explosivos contos eróticos em que “a fricção dos discursos é tão ou mais erótica que a das peles”.

 

Agora é o Ministro da Transparência, apanhado em escutas: em sete dias já caíram dois ministros do governo transitório brasileiro que há 17 dias substitui o de Dilma.

 

Estão a começar as Festas de Lisboa. O programa está aqui.

 

Três primeiras páginas escolhidas hoje: esta, esta e esta.

 

publicado às 08:16

Marcelo muda regime sem mudar Constituição

Por: António Costa 

Marcelo Rebelo de Sousa já não é o mesmo que, ao primeiro dia em funções em Belém, jurava fidelidade a António Costa e garantia a estabilidade política que o suporte parlamentar não lhe confere. Hoje, o Presidente não confia nas contas do Governo, dá sinais de distanciamento e assume ele próprio um papel central na vida política, ao ponto de arriscar uma mudança de regime, mesmo sem mudar a Constituição.

 

Quando António Costa chegou a São Bento depois de perder as eleições para Pedro Passos Coelho, graças a um acordo parlamentar à Esquerda, ficou claro que a leitura dos resultados das legislativas mudaram para sempre. Num ato eleitoral que, formalmente, elege deputados, mas na prática serve para escolher um primeiro-ministro, a jogada de Costa mudou o sistema. Não basta ganhar nos votos, é preciso ganhar no Parlamento. O sistema mudou? Nem tanto como se percebe que está a mudar com Marcelo na Presidência da República.

 

Quando se comemora os seis meses de governo, é em Belém que está a notícia. Marcelo tem uma legitimidade superior à do próprio primeiro-ministro, ganhou sem ‘espinhas’, sem acordos de bastidores, contra todos os adversários e até contra o líder do PSD, Passos Coelho. Isso não lhe chegava, como se vê agora, com cerca de quatro meses em funções. Haverá argumentos para Marcelo ter tido, e dar os sinais de que vai continuar a ter, o papel que teve, desde logo a sua natureza. Outro argumento, bondoso, é o de que sistema centrado no Parlamento é demasiado instável, sobretudo tendo em conta o perfil deste acordo à Esquerda anti-natural em tantas dimensões centrais para o exercício do poder executivo e legislativo. É necessário um estabilizador, mas é Marcelo esse estabilizador?

 

Quando o Presidente funciona como rede de segurança do governo, em primeiro lugar, e como primeiro-ministro ‘sombra’, depois, dificilmente encaixa em Marcelo o fato de estabilizador. Será outra coisa, outras coisas, estabilizador é que não se se olhar para lá do curto prazo. Marcelo quer moldar o regime, a partir da sua posição em Belém. E o quadro político que existe hoje não poderia ser mais propício a tal coisa.

 

O Presidente preferia uma maioria ao centro, mas sabe que tal será impossível com Passos Coelho na liderança do PSD. Não vale a pena, por isso, forçar a nota e fragilizar o primeiro-ministro. Primeiro, enquanto foi possível, foi um apoiante declarado, depois, quando os números e a realidade começaram a ceder, Marcelo iniciou um distanciamento estratégico.

 

O Presidente não dorme, já não dormia quando era professor universitário e comentador, agora dormirá menos ainda. Não para. Intervém, abraça, dá esperança, envolve-se, declara, sugere, aconselha, inaugura. E não só. Também governa. É este o maior risco para Marcelo, e para o sistema como o conhecemos.

 

Marcelo já percebeu que não pode deixar que o confundam com o Governo, mas quando faz saber que se envolve em operações como a crise acionista no BPI, a mediação da guerra do governo com os colégios privados e, agora, como ‘embaixador’ junto de Merkel para evitar possíveis sanções a Portugal, a tradicional linha de atuação presidencial já foi ultrapassada. Há, claro, o que é e o que parece, o que Marcelo diz e o seu efeito prático, mas no mundo das perceções, conta pouca. Sobretudo num contexto em que os resultados da política do Governo estão aí a mostrar o que não deveria ter sido feito.

 

Marcelo é o único que pode mudar o regime, sim, Costa já percebeu, mas para já pelo menos navega à vista. Catarina Martins e Jerónimo de Sousa disfarçam mal o desconforto de quem vê Marcelo a mudar as regras do jogo. Provavelmente, por ironia, vão provar do mesmo veneno que, há seis meses, serviu para chegarem ao Governo.

 

As escolhas

É na educação que está a travar-se o maior confronto ideológico dos últimos anos. Ontem, foi uma manifestação dos colégios privados, como se pode ler pode ler aqui. Juntou cerca de 40 mil, de todo o país. Nas próximas semanas, será organizada outra, com o carimbo da Fenprof, uma espécie de contra-manifestação. O nosso futuro também passa por aqui.

 

Mas não só. Os estivadores ganharam (parcialmente) a guerra com os operadores, contra o país. Conseguiram, por exemplo, que não haja mais contratações, fecharam o mercado. Por isso, hoje, a ‘carga pronta e metida nos contentores’ vai voltar a ser movimentada. 40 dias depois, até à próxima greve. A ler, também aqui.

 

Tenham uma boa semana

 

 

publicado às 10:48

"Os Estados Unidos ficam bloqueados, porque mesmo que Trump ganhe, não ganha o congresso"

Por: Isabel Tavares

 

De malas feitas para os Estados Unidos onde regressa à Universidade do Illinois, Nuno Garoupa prepara-se para acompanhar de perto as eleições americanas. 

 

 

Falemos então de outra corrida, as eleições nos Estados Unidos…

Que também são outro argumento bom para voltar, se Trump ganhar os Estados Unidos fecham, não entra mais ninguém [risos].

 

Acredita que ele ganhe?

Não. Quer dizer, não acredito que ele ganhe, mas já esteve mais longe. Neste momento penso que não ganha, mas depende de um conjunto de factores – por exemplo, de haver mais problemas legais com Hillary [conta privada que usava para enviar e receber emails enquanto secretária de Estado e está a ser investigada pelo FBI e pelo congresso], dos desenvolvimento no terrorismo e na imigração  –, que não dependem dos candidatos. Tudo isto favorece Trump.

 

Se Trump ganhar, como é que isso deixa os Estados Unidos?

Em termos práticos, os Estados Unidos ficam bloqueados, porque mesmo que Trump ganhe, não ganha o congresso, que em princípio será republicano, porque uma larga faixa do partido republicano não o apoia. Até que ponto Trump vai usar isso para ter uma espécie de guerra constante com o congresso ou vai ser um presidente sentado à espera de ver o que acontece, isso é o que se verá. Mas não acredito que as consequências da eleição de Trump sejam tão terríveis como as pessoas pensam.

 

E do ponto de vista externo?

Do ponto de vista externo é uma má imagem e vai alterar a ideia dos Estados Unidos como país aberto, até com vocação imperial, para um país muito mais fechado e voltado para dentro, porque é isso que Trump defende: voltar a um certo isolacionismo, fechar fronteiras.

 

Afirmou que o que estava a abrir espaço para partidos extremistas, na União Europeia, era a perda de soberania. E nos EUA?

Nos Estados Unidos há dois problemas graves desse ponto de vista: a dependência da China - o país está altamente endividado e a China comprou uma parte muito substancial dessa dívida soberana -, e uma espécie de problema imperial - desde a guerra do Iraque, o império alargou-se de tal maneira que não é sustentável economicamente, há que fazer escolhas, coisa que a presidência Obama foi adiando. O que Trump está a fazer é cavalgar uma onda populista em que a solução é fazer uma guerra comercial à China, quando isso não vai resolver o problema, só vai agravá-lo. Mas uma larga faixa do eleitorado, nomeadamente uma classe económica média-baixa, está farta de não ver uma solução e tem agora alguém que lhe diz o que sempre quis ouvir.

 

Passando para outra guerra comercial, o TTIP – Transatlantic Trade and Investment Partnership [Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento] avança?

Do lado americano, se tivermos uma presidência de Trump vejo muito poucas condições para o acordo avançar. Do lado europeu, acredito que vamos ter em 2017 uma viragem à direita em vários países, nomeadamente em França e na Alemanha, o que vai complicar a sua aplicação. O horizonte político para este tratado não é o mais adequado, veio numa época frágil. Porque há uma coisa que é evidente nestes acordos, e sabemos isso na zona europeia, é que há perdedores e vencedores. Que é bom para todos, não é verdade.

publicado às 02:42

"Só há uma pessoa dentro do PSD que pode ter um projecto e uma dinâmica ganhadora a prazo: Carlos Moedas"

Por: Isabel Tavares

 

As autárquicas são o teste de sobrevivência do PSD de Passos Coelho e as perspectivas não lhe são favoráveis. É a análise de Nuno Garoupa que antecipa uma travessia do deserto aos sociais-democratas até uma nova "dinâmica ganhadora". 

 

 

Como vê o desafio das autárquicas?

Aí as coisas estão complicadas para o PSD, que parte de uma posição muito, muito difícil. Aliás, o meu prognóstico é que se Passos aguentar até lá, pode morrer na noite das autárquicas, porque vai ter uma situação muito complicada em Lisboa e no Porto, em Sintra, na Amadora, em Gaia, tudo grandes concelhos. Por mais que ganhe nos pequeninos, o resultado será muito mau. Para o PS, a questão que se coloca é se vai ou não ensaiar coligações com o Bloco e se isso é formalizado. Acredito que o PC queira ir a votos sozinho.

 

Passos Coelho cai nas autárquicas?

Não vejo como é que ultrapassa uma derrota nas autárquicas. O grande problema, e o que está a jogar contra o PSD, foram aqueles 38%. Se o PSD tivesse perdido as eleições taxativamente, Passos já teria saído porque tinha sido derrotado, já teria sido eleito um novo líder, já tinham passado à fase da autocrítica e estavam na fase seguinte. Mas o maldito resultado que não lhes deu para governar mas que, supostamente, lhes deu para ganhar as eleições, é o problema do PSD. É preciso um projecto novo, caras novas e avançar. O CDS fez isso.

 

Quem pode ser o sucessor de Passos Coelho?

O PSD vai atravessar uma fase como atravessou há dez anos – também aconteceu ao PS – e, possivelmente, terá um ou dois líderes antes de chegar àquele que ganha eleições.

 

E quem pode ganhar eleições?

Quanto a mim, só há uma pessoa dentro do PSD que pode ter um projecto e uma dinâmica ganhadora a prazo: Carlos Moedas, que está na Europa [comissário Investigação, Ciência e Inovação]. Até lá vamos andar com lideranças muito fracas, qualquer dos nomes que está em cima da mesa não tem condições para ganhar. E nem vou falar de outros nomes, como o da ex-ministra das Finanças, que isso deve ser para o PSD ficar atrás do CDS nas próximas legislativas. Já estou a ver a campanha do BE, e não vão ser cartazes com Jesus Cristo, vão ser cartazes com umas setas a dizer Arrow. O PS nem tem de se esforçar, o Bloco faz a festa toda.

 

Porquê Moedas?

É de uma geração mais nova e a única pessoa que saiu do governo anterior menos queimada. Também ninguém sabia quem era Passos, as coisas fazem-se. Hoje a comunicação social faz e desfaz.

 

Disse que «a realidade deriva quase sempre do trabalho dos meios de comunicação». Isso quer dizer que é uma realidade manipulada?

Não, é realidade, mas é feita…

 

É transgénica?

É transgénica, é isso, vamos utilizar essa palavra. Mas não é só em Portugal. Trump é um produto da comunicação. Nem ele imaginava. E hoje é difícil encontrar um líder que não seja ele próprio produto da comunicação. A questão é saber se ele tem alguma coisa além disso. Penso que algumas lideranças se esgotam nesse marketing. Mas é a comunicação que faz a realidade, acredito que um novo partido em Portugal só tem hipótese de ultrapassar a barreira dos 3% ou 4% se tiver caras mediáticas.

 

O PAN conseguiu eleger um deputado.

Vamos ver se se aguenta. A sorte é que as pessoas que conseguem faz­er isso têm uma personalidade autodestrutiva. Foi o caso de Marinho Pinto, que conseguiu a obra de passar de 8% para 1%, quando, em Itália, Grilli conseguiu chegar aos 25% e hoje, segundo as sondagens, é o maior partido. Outro erro tático brutal foi o de Paulo Morais. Aqueles 3% ou 3,5% numas eleições legislativas são dois deputados aos berros no Parlamento. Numas presidências, morreu ali.

 

Portugal ainda tem um eleitorado muito bipolarizado?

Sim. Grande parte, cerca de 4 milhões, vota sempre no mesmo partido - até o rato Mikey tinha tido 38%. Há 2 milhões que votam à direita, 1,5 milhões que vota PS e mais os 400 mil do PC. Mas um milhão é volátil e, cada vez mais, decide à última hora, em função da campanha. É aí que entra a realidade mediática, que não é o mesmo que realidade manipulada.

 

E a abstenção, vamos conseguir ver-nos livres dela?

A menos que haja um partido novo, movimentos novos, não vejo como. Há pessoas com 25 anos, 30 anos, que nunca votaram, o que significa que, provavelmente, nunca irão votar na vida.

 

publicado às 02:17

Nuno Garoupa: «Os partidos políticos têm pavor do Ministério Público»

Por: Isabel Tavares

 

 

Saiu da presidência da Fundação Francisco Manuel dos Santos antes do previsto para dar lugar a Jaime Gama e, em Agosto, regressa ao Estados Unidos, à Universidade do Illinois. Antes de deixar Portugal, Nuno Garoupa fala do trauma do PSD e diz que só uma pessoa poderá substituir Passos Coelho e ganhar as eleições - e não é Maria Luís Albuquerque. Professor catedrático – a sua área de investigação é Direito e Economia e Direito Comparado -, aponta o dedo ao Ministério Público. Fala da necessidade de reformar os reguladores e critica uma sociedade pouco exigente. Trump também entrou na conversa: «não acredito que as consequências da sua eleição sejam tão terríveis como as pessoas pensam».

 

Foi dar aulas para os EUA em 2007. Agora que regressa, acha que Portugal está diferente?

O que mais me surpreende é o facto de estarmos estagnados há 15 anos e parece que estamos sempre a começar do zero. Há uma tendência para fazer reset permanente e o país não é capaz de reflectir sobre isso. De quatro em quatro anos, ou de dois em dois (não sei quando é que os governos caem), volta ao princípio. Isso impressiona-me. A sensação que tenho é que o país está à espera de qualquer coisa, mas não sabe de quê. É assustador.

 

Qualquer coisa vinda de onde?

De fora. De dentro já se aceitou que não tem volta a dar. Admito que, dependendo dos lados ideológicos, as expectativas sobre o que pode vir sejam diferentes.

 

Acredita que virá alguma coisa?

Não vai acontecer. Já tivemos dois grandes momentos: o do esforço de adesão à União Europeia e o de adesão ao euro, em que a ideia era que a Europa ia pôr isto na ordem - e não pôs -, e a grande expectativa criada com o Memorando da troika – que não se fez e não mudou nada.

 

Entretanto, a troika “saiu”, mudou o governo, mudou o presidente da República. Consegue adivinhar o que aí vem?

Estamos numa transição, mas não sabemos para onde. Não é claro que esta maioria seja sustentável durante muitos anos, mas também não são claros os actuais alinhamentos à direita. Mudando de estratégia e de liderança o PSD pode repor uma situação política semelhante à que existia antes de 2011. Quanto ao presidente da República, ainda é muito cedo para tirarmos ilações. Tem sido uma presidência de afectos, mas a verdade é que o presidente ainda não foi confrontado com nenhuma situação complicada, em que tenha de desagradar a algumas franjas do eleitorado. E isso vai acontecer.

 

Qual poderá ser o tema da discórdia?

Desde a questão económica – a qualquer momento podemos ter problemas orçamentais ou problemas sérios de resgate da banca -, a uma crise política. Isso vai forçar o presidente a intervir, a favorecer ou a desfavorecer. Além disso há os temas fracturantes; penso que a estratégia do Bloco de Esquerda tem de ser apresentar durante a próxima sessão legislativa uma ou duas leis para se distinguir do Partido Socialista.

 

O governo Zapatero, em Espanha, teve muito mais questões fracturantes, não sei como o BE não foi ainda buscar ali a lista inteira de temas para tentar fazer aqui a mesma coisa.

 

Em que temas se poderá distinguir?

O tema do cartão da cidadania não era fracturante, por isso morreu, mas pode ser o do terceiro género. O governo Zapatero, em Espanha, teve muito mais questões fracturantes, não sei como o BE não foi ainda buscar ali a lista inteira de temas para tentar fazer aqui a mesma coisa. Mas é tudo uma questão de criatividade. Se essa legislação for aprovada na Assembleia da República por uma maioria de esquerda, isso vai acabar nas mãos do presidente da República e a sua decisão vai desagradar a um ou a outro. Por mais popular que seja, o seu eleitorado natural é à direita e, nessa altura, vamos ver como Marcelo se comporta por comparação com Cavaco, que tinha o condão de ficar mal com todos.

 

Sobre o resgate da banca, as comissões de inquérito valem de alguma coisa? Em que medida?

Valem no sentido de trazer alguma informação a público, não toda. Aliás, uma das questões em que a comissão de inquérito do Banif é um bocadinho escandalosa é que a informação não é toda pública quando, de facto, se o Banif foi intervencionado e depois vendido, o contribuinte que pagou tem o direito de exigir acesso à informação toda. Dito isto, estas comissões acabam por não servir para nada, porque estão em função de maiorias políticas.

 

(...) já queimámos 50 ou 60 mil milhões na banca. Esse dinheiro desapareceu e o facto de o sistema judicial não conseguir responsabilizar alguém, é um mistério.

 

Os resultados são, por isso, condicionados?

É evidente que a conclusão final da comissão parlamentar de inquérito do Banif vai ser completamente diferente da do BES, porque a maioria politica é diferente. Além disso, não há consequências. A verdade é que nesta questão da banca levamos mais de dez anos disto, desde o início do caso BPN, e não ainda não há uma condenação. Como é que possível? Porque há um dado objectivo: já queimámos 50 ou 60 mil milhões na banca. Esse dinheiro desapareceu e o facto de o sistema judicial não conseguir responsabilizar alguém, é um mistério.

 

Pergunto-lhe a si, que é professor catedrático, o que falha?

É evidente que temos um problema sério com o nosso sistema judicial. E que não é só uma questão de leis, de falta de legislação, do enriquecimento ilícito. Temos um problema com a prática da própria investigação. Independentemente das considerações que possamos fazer, se ao fim de dez anos o Ministério Público não consegue ter nenhuma condenação, devíamos estar a discutir o funcionamento do Ministério Público. Mas é uma discussão a que toda a gente foge.

 

Porquê?

Porque os partidos políticos têm pavor do Ministério Público. Porque têm medo que no momento em que se abrir uma discussão sobre como mudar o Ministério Público, além das acusações de estarem a tentar interferir politicamente, que vão ser imediatas, surjam algumas capas complicadas no Correio da Manhã.

 

Para si, onde está o problema?

Acredito que é um problema sério de funcionamento. Há um problema de recursos, o Ministério Público não está dimensionado para os recursos limitados que tem, e há questões que têm a ver com legislação: continuo a defender que devíamos ter o princípio da oportunidade, como os americanos ou os espanhóis e outros países europeus, plea bargaining, a denúncia premiada e toda uma série de instrumentos que não há porque um conjunto de sábios portugueses acha que não deve estar na nossa legislação.

 

 

Há casos complexos, mas existem outros sem grande complexidade cuja decisão está presa há anos. Os juízes não têm de dar satisfações sobre o seu trabalho?

O Ministério Público reclama independência e autonomia para fazer as investigações e a gestão processual, mas, depois, não presta contas a ninguém – o Conselho Superior do Ministério Público é uma entropia. Voltando à banca, se em dez anos não há uma condenação, tem de se prestar contas disso, mas, como se nota, quer as nossas instituições políticas, quer a sociedade não forçam essa discussão. Além disso, há uma série de situações e vários processos mediáticos, entre eles o do ex-primeiro-ministro, que se arrastam em nome de uma complexidade que não existe. Ou sabem de onde vem o dinheiro, ou não. Se não sabem, acabou. É diferente de um caso como o BES/GES, que só no Panamá tem 51 veículos, o que demora e exige capital humano, Não sei quantos procuradores têm formação para olhar para 51 veículos e perceber como aquilo funciona.

 

Todos percebemos que, quando há uma aranha de 51 veículos, um leigo olha e não entende.

 

Essa é outra questão, o Ministério Público está preparado para estes casos?

Voltamos ao princípio: como é que ao fim de dez anos não há uma unidade dentro do Ministério Público com formação nesta área? Todos percebemos que, quando há uma aranha de 51 veículos, um leigo olha e não entende. Mas há especialistas que sabem. Porque é que o Ministério Público não pôs um, três, cinco procuradores a ter formação? A agravar, temos uma lei de prescrição extraordinariamente favorável aos arguidos. Há ainda a questão da coordenação com o Banco de Portugal, com as agências de regulação, com as Finanças, que faz com que o Ministério Público se queixe de que está à espera que a outra instituição faça a investigação da parte tributária ou da parte regulatória.

 

Em Portugal, grande parte dos casos transforma-se em megaprocessos. É prático ou útil?

Esta estratégia do Ministério Público é chocante. Em Espanha, o ex-vice-presidente do governo do PP, Rodrigo Rato, que já tinha deduzida a acusação em dois processos, vai a tribunal enquanto outros processos, todos relacionados, continuam a correr. É acusado de gestão danosa num processo, de uso fraudulento de cartões de crédito noutro, de fraude fiscal noutro, mas cada um vai a julgamento na sua fase. A estratégia de querer levar a pessoa a tribunal por tudo ao mesmo tempo faz com que tudo prescreva e acabe por não ser condenação por nada.

 

Quem pode mudar isso?

Terá de ser sempre um acordo entre os partidos. Não há outra forma de mexer no Ministério Público, porque se for uma tentativa de quem está no governo, quem está na oposição vai fazer o discurso habitual de que estão a interferir.

 

O facto de a Assembleia da República ter uma maioria de deputados advogados, é positivo ou negativo?

Isso até poderia ajudar, porque percebem o problema do ponto de vista jurídico e poderiam fazer a ponte entre o que a sociedade observa e a forma como o problema se resolve. Mas falta vontade, há medo de mexer no Ministério Público.

 

Encontrar uma solução é da conveniência dos escritórios de advogados?

Aí temos um problema: também não conseguimos regular o lobbying. Já tivemos tentativas, Pedro Lomba primeiro e agora o governo de António Costa disse que estava entre as reformas a fazer. Mas não é um problema fácil de resolver se os próprios deputados não forem exigentes e aquilo a que temos vindo a assistir é que não há exigência nenhuma.

 

 

Uma das propostas que circula, é que os advogados passem a apresentar ao parlamento a declaração de interesses, incluindo as sociedades de que são sócios ou clientes. É um passo no bom caminho?

Há muitas formas de fugir a isso, desde logo o advogado dizer que não é sócio, apenas associado ou consultor. Isto pode ir ao limite de se começarem a criar veículos para não se perceber quem é cliente de quem. E quando rebentar um escândalo em que se descubra que o advogado X é o tal, ele vai dizer que cumpriu a lei. Estas questões não se resolvem com legislação mais dura, resolvem-se com comportamento éticos.

 

A contratação pelo governo e entidades do Estado de advogados e escritórios de advogados quando têm os seus próprios gabinetes jurídicos faz sentido? Há até pareceres de uns contra os de outros…

No caso particular de Diogo Lacerda Machado, não vejo grande diferença com a contratação que Passos Coelho fez de António Borges, além do valor e do formato do contrato. São pessoas que não estão a tempo completo no Estado, acumulam com actividade privada, mas representam o Estado em processos muito complicados. Evidentemente que se criam todo o tipo de questões de conflito de interesses, de confidencialidade, de defesa dos interesses do Estado. Mas isto radica em várias questões: o Estado, nesta altura, já não tem os melhores recursos humanos na área do mundo jurídico.

 

Porquê?

Porque deixou desfazer-se deles nos últimos 20 anos. Podemos ter a teoria da conspiração, dizer que isso foi feito para favorecer os escritórios. Não sei se foi feito conscientemente, até acredito que não, com muita incompetência e laxismo pelo meio. Mas se o Estado deixar de contratar pareceres tem um problema, porque não tem arsenal jurídico para ganhar processos, para estar bem representado em negociações. Por outro lado, as sociedades de advogados estão numa zona cinzenta, fazem advocacia, mas também fazem lobbying, que não está regulado. Misturam-se as duas coisas e criou-se a palavra facilitador. É muito difícil desmanchar isto, porque é uma prática de negócio instalada.

 

Nos últimos anos, e é escandaloso, já não é só legislação complexa que vai para os escritórios de advogados, são as portarias ministeriais, o que é inconcebível.

 

Os escritórios podem, ou devem poder fazer tudo?

O Estado começou por dizer que há legislação de tal maneira complexa que é melhor pedir a especialistas. Até aí, todos de acordo, os códigos, no tempo do Estado Novo, também foram feitos por ilustres catedráticos de direito penal ou de direito civil. Mas essa legislação hoje é dada aos escritórios sem qualquer obrigação de, por exemplo, estes não exercerem advocacia nessa área durante dois ou três ou quatro anos e começámos a ver que enquanto o sétimo andar faz a legislação, o oitavo já está a aceitar os clientes. Não pode. Nos últimos anos, e é escandaloso, já não é só legislação complexa que vai para os escritórios de advogados, são as portarias ministeriais, o que é inconcebível.

 

Como contrariar esta tendência?

Defendi algumas medidas numa sessão em que estava o actual primeiro-ministro, que espero que tenha ouvido e faça alguma coisa. Uma das primeiras, seria o Estado criar uma unidade central que faz a adjudicação e que começa a filtrar e a dizer o que pode ou não ser feito fora: portarias não, alterações à Lei-orgânica não… Há escritórios a fazer leis orgânicas, que são para ser feitas pelos serviços jurídicos dos ministérios. E a unidade central, se for bem estruturada, também está em condições de negociar os honorários com as sociedades de advogados de maneira mais favorável ao Estado, em vez de serem os vários ministérios, secretarias de Estado, câmaras e governos regionais cada um por si. É por isso que vamos ao portal dos contratos públicos [Portal BASE] e ficamos espantadíssimos com os valores brutais. Mas isto são tudo paliativos.

 

O Banco de Portugal tem os seus serviços jurídicos cheios de gente, fazer as resoluções bancárias nos escritórios de advogados é uma coisa que não se percebe.

 

E a resolução do problema?

A resolução é complicada. O Estado teria de fazer um investimento a dez anos e recuperar quadros jurídicos que acabassem com esta situação. Devo dizer que ter escritórios de advogados praticamente montados nas instituições do Estado não é uma situação comum noutros países europeus. O Banco de Portugal, por exemplo, fazer outsourcing das sociedades de advogados da sua própria litigância, é uma situação que não acontece nos outros países da Europa. O Banco de Portugal tem os seus serviços jurídicos cheios de gente, fazer as resoluções bancárias nos escritórios de advogados é uma coisa que não se percebe. No entanto, não passou pela cabeça de ninguém dizer que os escritórios que fazem resolução bancária estão inibidos de praticar direito bancário durante os próximos cinco anos. Há aqui um conjunto de conflitos de interesse que são óbvios, mas de difícil resolução.

 

Falou em ética. E quando não há ética, ou quando a sua ética é diferente da minha?

Podemos fazer leis mais estreitas em relação aos períodos de nojo, por exemplo, mas se as pessoas quiserem dar a volta à lei continuam a fazê-lo. O problema é que a sociedade portuguesa não é muito exigente. Não vale a pena falar em nomes populares, mas há várias pessoas que publicamente se fazem facilitadores e continuam aí sem qualquer problema social, já nem digo legal ou de outra natureza, em vez de ficarem afastadas durante anos.

 

Provavelmente, Maria Luís estava errada, como esteve Maria de Belém, como esteve Manuela Ferreira Leite

 

Falta-nos maturidade?

Quando se colocou a discussão de Maria Luís Albuquerque ir para a Arrow Global, um dos argumentos do PSD e da direita mediática foi que havia o caso de Maria de Belém na Espírito Santo Saúde e de Manuela Ferreira Leite no Santander. Ou seja, o argumento não foi se pode ou não e por que motivo, mas sim é aceitável porque outro já fez. Isto é um argumento de recreio, da mãe a quem os filhos respondem «o meu irmão bateu-me primeiro». Provavelmente, Maria Luís estava errada, como esteve Maria de Belém, como esteve Manuela Ferreira Leite e esta dinâmica reflecte alguma falta de maturidade da nossa sociedade nestes assuntos.

 

Premiar e punir, os portugueses têm dificuldade em tomar decisões?

Penso que sim, com consequências que, a prazo, podem ser complicadas. Se olharmos para Itália ou para Espanha, e falo nestes países porque têm muitas parecenças com Portugal, há um antes e um depois. No caso italiano há o antes e o depois de 1992 e, apesar de haver muita corrupção, há muita gente punida. Em Espanha, há um antes e um depois de 1996, também com muita corrupção, mas muita gente punida. O nosso problema é que ainda estamos no antes e não há meio de chegar ao depois. Mesmo os processos mediáticos são estranhíssimos porque, em geral, ao contrário do caso italiano e espanhol, são processo pessoais, nunca são partidários.

 

quero perceber como é que um primeiro-ministro pode, segundo o Ministério Público, estar envolvido em branqueamento de capitais e em corrupção sem que isso envolva outros altos cargos do partido

 

Como se alguém pudesse agir sozinho o tempo todo?

Nunca está em causa o financiamento dos partidos, por exemplo. Em relação ao processo do ex-primeiro-ministro, estou com algum interesse em ver como é que vai acabar, porque quero perceber como é que um primeiro-ministro pode, segundo o Ministério Público, estar envolvido em branqueamento de capitais e em corrupção sem que isso envolva outros altos cargos do partido. Isso não foi possível no Partido Popular Espanhol, não foi possível no PSOE, não foi possível em partidos italianos. Em Portugal acontece. O nosso sistema está a dar os primeiros passos, fazem-se acusações a pessoas, mas nunca se põe em causa mais nada e isso mostra, mais uma vez, que não há exigência da sociedade.

 

Ninguém viu…

Ninguém viu, ninguém sabia. Dou um exemplo que descreve o país político: nas suas memórias, o professor Cavaco conta que no princípio dos anos 90, na comissão política do PSD, era Dias Loureiro secretário-geral, quando se falava de financiamentos ele [Cavaco] saía da sala. Ou seja, saiu da sala, não há responsabilidade. E isto é ainda em 2016 a forma de pensar: saí da sala, não vi nada, não sei nada, não sou responsável. Mas toda a gente sabe que alguma coisa se passa ali, toda a gente desconfia.

 

um conjunto de elites que começa a ter um problema (...) como fazem vida meramente partidária, não estão integradas nos grupos mais inovadores da sociedade e, por isso, não há ideias

 

Ainda há elites em Portugal?

Havemos de ter sempre elites, o que temos é umas elites muito depauperadas economicamente e um conjunto de elites que começa a ter um problema – não quero dizer que as elites políticas estão mal preparadas -, que se nota mais à direita do que à esquerda, que é o profundo fosso entre as lideranças partidárias e as elites nas outras áreas do saber. Há 30 anos as pessoas tinham carreiras empresarias, académicas, na cultura ou outras. Havia uma fluidez entre as várias elites que hoje não há. Hoje, como fazem vida meramente partidária, não estão integradas nos grupos mais inovadores da sociedade e, por isso, não há ideias. Não havendo ideias, temos powerpoints de dez folhas sobre a reforma do Estado em que a única coisa que se apresenta são cortes.

 

Não vê ideias à direita. E à esquerda?

A esquerda sempre teve uma atitude diferente. Na minha opinião, tem outro tipo de elites. Também tem as académicas, um pouco à volta do ISCTE, do ISEG, mas sempre teve outro tipo de recrutamento.

 

Para pensar reformas como o cartão da cidadania?

O Bloco de Esquerda e o Partido Socialista são a mesma coisa. O Bloco de Esquerda apoia este governo, portanto, tem um problema: porque é que alguém da esquerda não comunista vai votar no BE em vez de votar António Costa nas próximas eleições? E tem de arranjar argumentos, encontrar questões fracturantes. O cartão da cidadania não lhes correu bem porque é um disparate autêntico. O cartaz de Jesus Cristo também não correu bem, foi outro disparate.

 

O Bloco não tem câmaras, não tem sindicatos, não tem associações, precisa de viver da Comunicação Social. Para isso, precisa de ideias chamativas. Nesse aspecto, é o siamês do CDS.

 

Hão de chegar lá?

Têm de chegar lá. Só o discurso de 'nós somos a favor da renegociação da dívida' não chega para distinguir o BE do PS. A partir de certa altura tem de haver outras propostas para ir buscar eleitorado. O Bloco é um partido especial, as pessoas comparam-no com o Podemos, mas não tem nada a ver. O Podemos é um partido que, tirando Pablo Iglesias e duas ou três pessoas à sua volta, só tem gente vinda de movimentos sociais, de rua, ocupas, antiglobalização, com raízes em áreas sociais importantes e com expressão eleitoral. O Bloco de Esquerda é um partido de elites, fundamentalmente de intelectuais e de académicos, talvez com excepção de Catarina Martins, que é actriz. Isso cria um problema ao BE, que é não ter uma base eleitoral fixa, como tem o Partido Comunista. Bem pode dizer-se que o PC precisa de uma cara feminina, mais bonita ou mais feia, mas tem ali 400 mil votos fixos – as presidenciais não correram bem, mas quando chegarem as legislativas a máquina do PC vai trabalhar a sério, o aparelho vai funcionar. O Bloco não tem câmaras, não tem sindicatos, não tem associações, precisa de viver da Comunicação Social. Para isso, precisa de ideias chamativas. Nesse aspecto, é o siamês do CDS.

 

A história do CDS não é famosa…

Não sei. Portas pegou num partido de 8% e transformou-o num partido de 12% com quatro ou cinco ministros e vários secretários de Estado. O CDS, de cima a baixo, está cheio de lugares no Estado. Para eles foi bem-sucedido. Outra coisa é a mensagem ter ficado pelo caminho, aí o Bloco tem o mesmo problema. A minha ideia é que o Bloco pretende chegar aos 15% nas próximas eleições para poder negociar uma coligação formal de governo com o PS. Nesse caso, o PC não será preciso para nada.

 

(...) o meu prognóstico é que se Passos aguentar até lá, pode morrer na noite das autárquicas, porque vai ter uma situação muito complicada em Lisboa e no Porto, em Sintra, na Amadora, em Gaia, tudo grandes concelhos

 

 

Temos que assumir que as agências de regulação não servem para nada e que, para fazerem o que fazem, mais valia serem direcções gerais

 

Voltando um pouco atrás, quais deviam ser as reformas estruturais do Estado, além da justiça?

Devíamos fazer reformas muito sérias na área da regulação. Temos que assumir que as agências de regulação não servem para nada e que, para fazerem o que fazem, mais valia serem direcções gerais, porque ao menos poupávamos em salários. É preciso pensar para que servem, porque temos uma série de fracassos em sectores das agências de regulação. E, para discutir isto, temos de saber qual é o papel do Estado na economia. Depois, há a questão da reforma do Estado, a reforma da administração pública, das carreiras da administração pública e dos departamentos do Estado, do seu funcionamento.

 

Isso inclui reformar o poder local?

Seria importante pensar a questão das autarquias, fundir e diminuir o número de câmaras. E devíamos deixar-nos de bairrismos e de regionalismos bacocos e pensar que a legislação que governa a Câmara de Lisboa não pode ser a mesma que governa a Câmara de Redondo, porque uma câmara que tem 700 mil habitantes não pode estar sujeita às mesmas leis que uma câmara que tem 3 mil habitantes. Concebo até processos que criem autarquias diferenciadas: municípios de primeira e municípios de segunda. Se é feito com regiões pelo meio, não sei, mas tem de se fazer a discussão e avançar. O mapa de autarquias que temos hoje é do século IX, não faz sentido.

 

Falou na regionalização, é a favor ou contra?

Esta questão liga-se à do discurso politicamente correcto sobre a desertificação do interior. Podíamos pôr a pergunta ao contrário: a despovoação é um problema porquê? O que estamos a fazer agora é investir recursos para fixar populações que não se fixaram, que estão envelhecidas. O conjunto de infra-estrututras disponibilizado à população do interior é muito melhor do que era há 20 anos, mas todas aquelas populações não produzem riqueza para pagar esses equipamentos. Mas alguém vai ter de os pagar. Esta é a discussão que temos de ter, em vez de continuar a fazer paliativos e a discutir subsídios e isenções fiscais. É preciso pensar em qual é o problema e como o queremos resolver.

 

Isso vai bater em outras questões, como a da mobilidade ou até da educação.

Sim, o distrito de Lisboa tem uma taxa de desemprego razoável, o distrito de Leiria está entre os que têm o mais baixo desemprego. Em alguns sectores do distrito de Leiria falta mão-de-obra, mas as pessoas não se deslocam de Lisboa para Leiria, que está a hora e meia de distância. A mobilidade vai entroncar na questão da casa própria, no facto de se ter financiado e beneficiado a aquisição de casa própria – agora as pessoas têm hipotecas e ainda por cima não sabem se as casas valem isso.

 

Os assuntos não são discutidos de forma integrada…

O que acontece é que os partidos políticos, quando estão na oposição, não estudam estas questões. Chegam ao poder, fazem uns grandes anúncios e depois é que começam a estudar. Quando chegam ao fim da legislatura, foi tudo avulso. Agora, temos o país parado a discutir as escolas e os contratos de associação, que se referem apenas a 3% do ensino privado. Parece uma batalha final sobre o ensino público e privado.

 

Sobre desempenho, sobre se os contratos de associação ajudam ou não a equidade, se é verdade que isto favorece as classes médias/altas ou integra as baixas, zero.

 

A questão não é importante?

Cada um muda de lado conforme os interesses. Em 2013, quando os contratos de associação foram discutidos, no tempo de Nuno Crato, era a esquerda que dizia que era o fim do ensino público e a direita que argumentava que era um número mínimo de escolas. Agora, a direita diz que está a ser posto em causa o ensino e o PS e a esquerda dizem que é um número mínimo de escolas. Não há um debate coeso e consequente. Há o relatório do Tribunal de Contas, o relatório da OCDE, existe supostamente um estudo do Ministério da Educação e não há mais nada. E, o que há, tem a ver com custos. Sobre desempenho, sobre se os contratos de associação ajudam ou não a equidade, se é verdade que isto favorece as classes médias/altas ou integra as baixas, zero. É tudo discussão preconceito. Mas é assim na saúde, na segurança social…

 

A FFMS tem tido uma importância crescente na produção de estudos e no lançamento de debates públicos. Deixa a presidência da fundação antes da data prevista. Porquê?

O mandato são cinco anos, terminava em 2019, mas colocou-se a questão de a Universidade querer o meu regresso e essa é a minha carreira prioritária. Mas penso que já fiz o que tinha a fazer, a fundação arrumou a casa e está em boas condições de começar um novo ciclo.

 

Uma fundação não costuma ter tantos presidentes como a esta já teve até aqui…

Esta fundação também é um tanto ou quanto peculiar.

 

É especial de corrida?

Vamos pôr assim, nos múltiplos sentidos de especial de corrida.

 

Ver também:

 

"Só há uma pessoa dentro do PSD que pode ter um projecto e uma dinâmica ganhadora a prazo: Carlos Moedas"

 

"Os Estados Unidos ficam bloqueados, porque mesmo que Trump ganhe, não ganha o congresso"

publicado às 02:06

Fernando Henrique Cardoso: "aos 85 anos, não quero dar pretexto (...) a me usarem para uma imaginária luta 'contra o golpe', um golpe que não houve"

Por: José Couto Nogueira

 

Fernando Henrique Cardoso, um dos nomes mais respeitados dentro e fora do Brasil, pôs fim às dúvidas e pronunciou-se sobre a legitimidade do processo de impeachment à presidente Dilma Roussef. Não é golpe, diz, mas sim um processo que decorre em 'estrita obediência' à Constituição. "Estranho golpe no qual ela continua na residência Presidencial, cercada de colaboradores e sob condições de segurança devidas aos chefes de estado, à espera de decisão do Senado", ironiza mesmo.

 

 

 

Fernando Henrique Cardoso (FHC), ex-presidente do Brasil, continua a ser um nome de enorme prestígio no país, sobretudo pelos créditos que lhe são atribuídos por ter sido, na opinião de muitos, o responsável pela recuperação de uma economia endividada e com alta inflação para um sistema estável e até próspero que entregou a Luís Inácio Lula da Silva em 2003. 

 

Os petistas sempre evitaram tocar-lhe e todos os partidos o tratavam com uma certa deferência. Esta situação mudou no último ano, em grande parte porque FHC tomou uma posição dúbia na avaliação do impeachment/golpe, optando por não apoiar nenhuma das posições. À medida que o tempo foi passando - e o tempo no Brasil está a passar em velocidade acelerada - foi ficando cada vez mais difícil manter a indecisão. O ex-presidente tem estado entre dois fogos com cada uma das facções a acusá-lo de favorecer a outra parte.

 

Finalmente, a situação precipitou-se. Fernando Henrique Cardoso foi convidado para participar de um debate da Associação Latino Americana de Sociologia (LASA) em Nova Iorque, debate esse onde, inevitavelmente, não se falará de mais nada do que da mudança ideológica que já ocorreu na Argentina, está a acontecer no Brasil e se prevê que aconteça no Peru e na Venezuela. A radicalização é tal, e o conflito tão agudo, que o ex-Presidente foi desconvidado no dia seguinte ao convite, e novamente convidado horas depois.

 

Fernando Henrique resolveu não ir, mas acaba de tornar pública a razão da sua ausência, assumindo assim de vez o que acha do impeachment/golpe. Em comunicação enviada à Associação Latino Americana de Sociologia, FHC demarca-se daqueles que consideram o impeachment um golpe de Estado: "na conjuntura brasileira atual, setores políticos querem fazer crer que a Presidente Roussef, ao sofrer processo de impeachment (ainda em curso), procedido na estrita obediência da Constituição e sob a supervisão do Supremo Tribunal Eleitoral (oito dos 11 ministros foram nomeados pelos governos Lula ou Roussef), sofreu um “golpe”. Estranho golpe no qual ela continua na residência Presidencial, cercada de colaboradores e sob condições de segurança devidas aos chefes de estado, à espera de decisão do Senado", escreve.

 

O ex-presidente recorda também nesta missiva os antecedentes do impeachment. "O pano de fundo deste processo foi o desvendamento de uma organização criminosa que desde o mandato do anterior presidente, uniu empresários, funcionários dos governos, políticos e partidos para aumentar o custo dos contratos públicos e desviar parte dos recursos assim ganhos para obterem votos e, eventualmente, riqueza pessoal".

 

Esclarecida a sua posição, FHC sublinha que, na sua opinião, o processo de impeachment decorreu e ainda decorre de acordo com as leis que regem o país. "Nada do acima referido, que motivou minha inclinação a aceitar o impeachment, tem a ver com qualquer questão que arranhasse os princípios democráticos". E para que não subsistam dúvidas sobre o seu curriculo político e democrático, deixa a nota: "fui e sou comprometido com valores democráticos no mundo e na politica brasileira. Exilado pelo golpe militar de 1964, obrigatoriamente afastado da Universidade de São Paulo pelos autoritários brasileiros em 1969, criei centros de resistência intelectual e política no Brasil (como o CEBRAP) e ajudei, quanto possível, a luta contra as ditaduras latino-americanas. Não só perdi a cátedra que tinha por concurso na Universidade de São Paulo, como sofri processos e fui levado a interrogatórios, com capuz na cabeça, em conhecido centro de tortura. (...) Em nenhum momento desonrei nessa trajetória minhas credenciais democráticas".

 

A sua posição, embora não tenha nenhum valor prático, uma vez que não tem qualquer posição oficial na actual estrutura política, é de extrema importância pela influência na opinião pública e terá certamente impacto nos vários quadrantes políticos brasileiros.

 

 

Eis aqui a íntegra do comunicado:

 

"Estimados colegas diretores da LASA:

Reitero meus agradecimentos pelo convite para participar da celebração dos 50 anos de LASA, instituição que acompanho desde seu nascimento e de cujas reuniões participei em algumas ocasiões.

Agradeço também a reafirmação do convite, feita diante de manifestações de pesquisadores e professores que, levados por paixões ideológicas, imaginaram que eu poderia aproveitar o evento para discutir problemas políticos locais, brasileiros. Os que me conhecem sabem que fui treinado como cientista social quando, a despeito de crenças e valores, os intelectuais procuravam manter a objetividade científica como um valor central em seus labores acadêmicos. Não obstante, a vaga ideológica existente em alguns setores universitários parece confundir, nos dias de hoje, a posição de ativistas com a de cientistas.

Fui e sou comprometido com valores democráticos no mundo e na politica brasileira. Exilado pelo golpe militar de 1964, obrigatoriamente afastado da Universidade de São Paulo pelos autoritários brasileiros em 1969, criei centros de resistência intelectual e política no Brasil (como o CEBRAP) e ajudei, quanto possível, a luta contra as ditaduras latino-americanas. Não só perdi a cátedra que tinha por concurso na Universidade de São Paulo, como sofri processos e fui levado a interrogatórios, com capuz na cabeça, em conhecido centro de tortura. Eleito senador na oposição ao regime, mais tarde, em momento de reconstrução democrática, fui relator-adjunto da atual Constituição. Sob ela, fui Chanceler, ministro da Fazenda (na época do Plano Real) e duas vezes eleito, por maioria absoluta, Presidente da República. Em nenhum momento desonrei nessa trajetória minhas credenciais democráticas.

Na conjuntura brasileira atual, setores políticos querem fazer crer que a Presidente Roussef, ao sofrer processo de impeachment (ainda em curso), procedido na estrita obediência da Constituição e sob a supervisão do Supremo Tribunal Eleitoral (oito dos 11 ministros foram nomeados pelos governos Lula ou Roussef), sofreu um “golpe”. Estranho golpe no qual ela continua na residência Presidencial, cercada de colaboradores e sob condições de segurança devidas aos chefes de estado, à espera de decisão do Senado. Este só poderá afastá-la definitivamente se 3/5 dos senadores considerarem que, de fato, incorreu em desrespeito a regras fundamentais da Constituição. Até ao início do processo de impeachment, que pela Constituição depende preliminarmente da aceitação da acusação por 31 da Câmara dos Deputados) o governo Roussef dispunha do voto de cerca de 80% do Senado.

O pano de fundo deste processo foi o desvendamento de uma organização criminosa que desde o mandato do anterior presidente, uniu empresários, funcionários dos governos, políticos e partidos para aumentar o custo dos contratos públicos e desviar parte dos recursos assim ganhos para obterem votos e, eventualmente, riqueza pessoal. Processos objeto de condenação judicial ou que estão em tramitação na Justiça do país. Mais ainda, o desgoverno financeiro dos últimos dois anos levou à perda de oito pontos percentuais do PIB (algo nunca ocorrido na história), e 11 milhões de brasileiros ao desemprego, além de haver gerado uma dívida pública crescente. Os artigos constitucionais que foram feridos dizem respeito, entre outras, à desobediência da Lei de Responsabilidade Fiscal, graças ao que o governo Roussef utilizou recursos não aprovados pelo Congresso e mascarou a verdadeira situação fiscal do país durante o ano eleitoral.

Nada do acima referido, que motivou minha inclinação a aceitar o impeachment, tem a ver com qualquer questão que arranhasse os princípios democráticos.

Dito isso como explicação pessoal aos que me convidaram a aos que me apoiam, não pretenderia, reitero, utilizar a LASA para discutir essas questões, mesmo porque, como já dito, elas nada têm a ver com a questão democrática.

Peço apenas que compreendam que a esta altura da vida, aos 85 anos, não quero dar pretexto a espíritos radicalizados e imbuídos de paixão partidária a me usarem para uma imaginária luta “contra o golpe”, um golpe que não houve.

Agradecendo uma vez mais o convite e desculpando-me por não dever aceitá-lo pelas razões expostas, subscrevo-me",

FHC

publicado às 01:12

Sei como jogaste no Verão passado

Por: Pedro Fonseca

 

O venerável bridge está sob acusações de batota. Análises das jogadas e vídeos permitem detectar as falcatruas - por enquanto. Mas mesmo quem acusa não quer ver este jogo de cartas numa versão mais electrónica.

 

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Créditos da imagem: L Ravenhill "Who doubled No Trumps ?" | http://www.haroldschogger.com/history.htm

 

Como se descobre a batota nos grandes campeonatos profissionais de bridge? A questão teve uma resposta recente: analisando as jogadas e os vídeos da competição. O bridge é um jogo de 52 cartas derimido a quatro, com dois parceiros colocados em posição frontal, sendo semelhante no posicionamento ao mais conhecido jogo nacional da sueca. As regras do bridge têm sido actualizadas desde as primeiras enunciadas em 1928, sem modificações radicais.

 

O "escândalo da batota no mundo do bridge profissional", como lhe chamou a The New Yorker, envolveu os israelitas Lotan Fisher e Ron Schwartz mas, perante este caso, surgiram mais acusados. Em 2010, eles triunfaram no World Junior Teams Championship, seguindo-se no ano seguinte o European Youth Bridge Team Championships e os convites para inúmeros torneios com os melhores jogadores.

 

O bridge é um jogo muito baseado na experiência, explicava Gavin Wolpert, profissional e co-fundador do site Bridgewinners, pelo que não é fácil jogadores jovens ganharem. "Quando se é novo, não se entra e de repente se começa a ganhar qualquer evento", disse. Mas foi isso que sucedeu com Fisher e Schwartz.

 

Boye Brogeland, um jogador da Noruega, desconfiou do par no Verão passado - a 15 de Agosto, quando perdeu para aquela dupla -, e analisou as jogadas dele e do seu parceiro Espen Lindqvist contra a dupla israelita, para considerar que eles faziam batota. "Só não sei como a faziam", disse, enquanto Fisher e Schwartz negaram estas alegações.

 

Brogeland foi "recrutado" em 2013 pelo seu ainda actual patrocinador Richie Schwartz e diz receber 50 mil dólares anuais, bem como despesas e bónus pelo desempenho nos torneios, segundo a revista Vanity Fair. Este jogador já estava na equipa de Richie Schwartz quando este contratou Lotan Fisher e Ron Schwartz, mas ele nunca os tinha defrontado anteriormente, apenas ouvido "rumores" sobre as suas prestações.

 

Entre 2014 e no ano seguinte, a equipa de seis - Brogeland, Lindqvist, Fisher, Schwartz, Allan Graves e Richie Schwartz (o patrocinador também pode jogar) - ganhou vários campeonatos de bridge.

 

"A maior falcatrua na história do bridge"

 

Após a separação no final do Verão de 2015, a Vanity Fair descreve como decorreu um desafio posterior em Chicago, em que os ex-parceiros se defrontaram, e não parece ter sido nada simpático. Brogeland triunfou, mas Fisher contestou essa vitória com base num pormenor técnico, tendo-lhe sido outorgada a vitória. Foi quando Brogeland tentou perceber como tinha perdido e começou a investigar a alegada batota de Fisher e Schwartz. Perante as descobertas, tentou sensibilizar as federações do bridge para o caso, mas sem resultados palpáveis e quando se aproximava um torneio importante (Bermuda Bowl).

 

A acusação era grave e Gavin Wolpert aconselhou Brogeland a não a fazer sem provas. Brad Moss, outro jogador norte-americano e que ajudou a obter provas contra Fisher e Schwartz, também o avisou, devido ao patrocinador da dupla israelita (Pierre Zimmermann, "a pessoa mais poderosa no bridge", segundo ele). Outros jogadores ouvidos pela Vanity Fair consideram que Brogeland não tem razão.

 

Mas este avançou com as acusações, criando o site Bridgecheaters e disponibilizando vídeos de partidas no campeonato europeu de 2014, ganho por Fisher e Schwartz. Ele descreve em várias páginas "a maior falcatrua na história do bridge", apontando algumas jogadas dos seus oponentes como "inexplicáveis".

 

Na Vanity Fair, o profissional norte-americano de bridge Chris Willenken considera o caso como um "perfeito exemplo de desobediência civil", perante um "manto de silêncio" das autoridades do jogo e dos pares. Além de analisar as jogadas e disponibilizar vídeos (ou remeter para o YouTube), o norueguês pediu ajuda para confirmar as suas suspeitas - e os dados começaram a chegar.

 

O par tinha sido repreendido pela Federação de Bridge de Israel em 2003 por "violações éticas em eventos de juniores". Dois anos depois, Fisher foi apanhado com uma folha de papel sobre uma jogada que ainda não tinha sido efectuada à mesa de jogo, e acabou suspenso por vários anos. Na mesma altura, Schwartz também foi suspenso mas, "mesmo antes das penalizações terminarem, eles ressurgiram como um par". No entanto, desde o Verão de 2015, quando surgiram as acusações, não voltaram a jogar em grandes torneios, revelou a revista Rolling Stone.

 

O próprio Fisher diz sobre a dupla que "estamos conscientes de que a nossa forma de [ganhar] parece suspeita" mas "entre parecer suspeito e ter um sistema e enganar/transferir informações entre os dois lados... é como a diferença entre o preto e o branco".

 

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Quem é No Matter?

 

Com a cooperação internacional, o Bridgecheaters permitiu detectar como eles faziam a alegada batota no jogo, mas revelou igualmente outros jogadores que usavam truques pouco éticos no jogo - como o par italiano Fulvio Fantoni e Claudio Nunes, que foram contratados para a equipa do Mónaco e ainda estão em investigação, ou os alemães Josef Piekarek e Alex Smirnov, que confessaram sobre alegações à sua "conduta ética" conterem "alguma verdade", e concordaram não mais jogarem juntos em competições. Também os polacos Cezary Balicki e Adam Zmudzinski foram impedidos de participar no referido Bermuda Bowl do ano passado por alegações de batota e estão sob investigação.

 

Curiosamente, algumas das acusações a estes nomes no site surgiram de um utilizador com o nome No Matter, que se presume ser Lotan Fisher. Brogeland não sabe explicar a razão, excepto se for para afastar o "foco" das suas actividades. Fisher concordou ter ajudado o No Matter para "limpar o jogo" e também que pretendia limpar a sua reputação e a de Ron Schwartz.

 

As acusações estão feitas, mas os processos legais que estão a decorrer vão provar quem tem razão. "Fisher e Schwartz disseram a Brogeland que o não processavam se ele retractasse as acusações e lhes pagasse um milhão de dólares", o que Brogeland recusou. Eles estão igualmente a recorrer da decisão da federação israelita de bridge, tendo sido expulsos da equipa do seu patrocinador.

 

Embora haja prémios em dinheiro para os torneios de topo, a verdadeira atracção para os maiores profissionais do jogo é a oportunidade de estarem em equipas patrocinadas por fãs multimilionários. Por exemplo, Pierre Zimmermann é CEO da Zimmermann Immobilier, uma empresa imobiliária suíça, enquanto Richie Schwartz é um matemático e analista informático que fez fortuna nas corridas de carros nos anos de 1970.

 

Jogadores desse calibre podem ganhar centenas de milhar de dólares por ano a jogar em torneios de alto nível. E, explicava a Rolling Stone, "esse dinheiro, segundo alguns jogadores, incentiva ainda mais os concorrentes a fazerem batota". Willenken é claro: "há bastante dinheiro envolvido pelo que é fácil entender porque nem todos podem ser honestos".

 

"No futuro, apanhar batoteiros será provavelmente mais difícil", considera a The New Yorker (que lista antigos batoteiros, os truques que usavam, de como foram descobertos e o nível de segurança imposto nos torneios para os impedir). Isto porque, à medida que eles entendem o potencial das tecnologias como o vídeo, engendram formas de as contornar.

 

Mesmo Brogeland não considera a evolução do jogo do seu modelo analógico para uma versão mais electrónica, apontando antes um empenho numa maior cultura ética.

publicado às 17:15

Foi ela, a miúda que dançou com Springsteen no Rock in Rio

Por: Isabel Tavares

Foto: Carlos do Carmo

 

Chama-se Andreia, tem 20 anos, vive na margem sul do Tejo e é estudante de Jornalismo. Há uma semana Bruce convidou-a para dançar. Dois dias depois, em Madrid, o Boss parou de tocar quando voltou a vê-la no Santiago de Bernabéu.

 

 

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Era uma no meio de mais de 67 mil espectadores e Springsteen escolheu-a para subir ao palco e dançar “Dancing in the Dark”. É difícil saber quem ficou mais feliz, se Andreia Friaças, 20 anos, se o seu pai, um fã incondicional que segue The Boss para onde quer que ele vá.

 

As surpresas não acabaram aqui. Dois dias depois daquela que parecia a melhor noite de todos os tempos, Bruce Springsteen parou de tocar quando reconheceu Andreia no meio da multidão, desta vez no Estádio Santiago de Bernabéu, em Madrid, Espanha.

 

«Até me disse qualquer coisa, mas não percebi o quê. A verdade é que isso tornou o concerto memorável. Penso que achou piada a ver uma miúda em Lisboa na quinta-feira e, no sábado, voltar a encontrá-la em Madrid», conta. Estava do lado direito do palco, onde Springsteen vai menos, mas a partir daí Bruce regressou tantas vezes que as pessoas começaram a colar-se a ela: «eu não saio daqui, diziam».

 

No Rock in Rio foi tudo uma questão de sorte. Andreia não levava os cartazes da praxe a pedir para dançar com Bruce Springsteen, mas estava num bom lugar, o corredor que atravessa o recinto. «Quando ele passou, apontei para mim mesma para ir para o palco dançar, porque ele costuma dançar com alguém - lembra. Olhou para mim e fez sinal com a mão para eu subir e fui puxada por um segurança que, no final, voltou a colocar-me no a sítio onde eu estava, literamente. Nem sei o que lhe disse, agradeci o momento e penso que disse que o veria em Madrid».

 

«Foi giro, muito giro, e um pouco assustador quando olhei e vi milhares de pessoas. Mas não era uma coisa em que eu pensasse, não estava na minha lista de coisas a fazer. Vou aos concertos, porque gosto, para dançar, para curtir a música. O resto não me passava pela cabeça», garante. E quando diz vou aos concertos, Andreia quer dizer que já foi a «uns dez», só de Bruce Springsteen, o primeiro quando tinha apenas 13 anos.

 

É estudante do segundo ano de Jornalismo, na Escola Superior de Comunicação Social, onde pertence a alguns núcleos, como a rádio da escola, a ESCS FM, onde faz os noticiários das 19h e onde tem também um programa: “A voz dos ismos”.

 

Gosta de Springsteen por influência do pai, um informático fã incondicional de Bruce. Mas rock nem é o estilo preferido de Andreia, que se lembra de, ainda muito pequena, ter sido arrastada para um concerto dos Guns N’ Roses e de não ter gostado. Até hoje. Prefere blues e jazz. Adora Miles Davis.

 

O seu encanto pela rádio não tem nada a ver com a música. «Sou até um pouco hostil à ideia de passar música na rádio, de a rádio ser dominada por música. Mas é lá que oiço os noticiários». Isso e reportagem é o que gosta e gostaria de fazer profissionalmente. A Antena 1 é a sua estação preferida e na TSF ouve “Sinais”, de Fernando Alves.

 

Escolheu jornalismo apesar de todas as mensagens dissuasoras que foi recebendo e hoje não trocava de curso por nada. E recorda o optimismo do falecido Óscar Mascarenhas, que foi seu professor. Fala nele várias vezes, uma delas quando conversamos sobre livros: «O professor Oscar Mascarenhas dizia que tínhamos de ter três livros: um na casa de banho, um para ler nos transportes e outro na mesa de cabeceira. Não cheguei ao ponto da casa de banho, mas gosto de ler dois livros ao mesmo tempo», confessa. Acabou agora de ler O Arranca-Corações, de Boris Vian e tem a ideia de que o último livro que leu é sempre o favorito.

 

Atenta, diz que «estamos rodeados de uma realidade que não inspira confiança e não é apelativa. Todos os dias somos [os jovens] bombardeados com mensagens negativas: sai daqui, sai daqui. Pessoalmente, adoro viajar – este Verão vou fazer o Interrail -, mas não queria sair de Portugal. Não sou nada nacionalista, mas gosto do meu país. E estranho que estejam o tempo todo e dizer-me que devo sair».

 

Andreia é uma optimista. Mesmo vivendo em Portugal, na União Europeia, onde «o panorama não é o mais iluminado. A Europa está completamente fragmentada, precisa de uma reforma gigante, considera. Mas a minha ideia é tentar resistir às dificuldades».

 

Que dificuldades pode ter uma miúda de 20 anos? «A minha mãe é enfermeira e agora trabalha em dois hospitais. Sente-se o esforço acrescido. Ganha tanto agora com quando tinha um só emprego e trabalha o dobro. Coloco-me no lugar dela: às vezes sai de casa às sete da manhã para começar a trabalhar às oito e chega às dez, dez e meia da noite. É brutal. E não temos luxos por aí além; se calhar, um concerto do Bruce aqui e ali».

publicado às 17:40

Acredite se vir no Facebook. Ou se calhar, não

Por: Rute Sousa Vasco

 

Os adolescentes são a verdadeira medida do mundo nos dias que correm. Andam (alguns) adultos tão distraídos que lhes escapam os verdadeiros fenómenos contemporâneos. É possível que estes adultos não saibam quem é Candace Payne e isso só prova que estão mesmo distraídos.

 

O que os salva da total alienação é que, provavelmente, têm filhos, sobrinhos, afilhados ou filhos de amigos que são adolescentes. Eu sou salva diariamente pelos meus adolescentes. É por causa deles que sei coisas como, por exemplo, quem é Candace Payne. Mesmo que tenha demonstrado um desinteresse olímpico pelo tema e até alguma irritação pela sonoridade prolongada que lhe está associada. Claro que tudo isto durou apenas meia dúzia de horas até perceber que aquilo que me tinha sido mostrado através de uma rede social qualquer, era agora tema de notícias. E ainda muito antes de saber que Candace Payne se tornaria uma celebridade instantânea e que por causa de um vídeo de quatro minutos visto por quase 150 milhões de pessoas estaria no The Late Late Show de James Corden e seria apresentada a J.J Abrams e Mark Zuckerberg.

 

Para outros distraídos que ainda não sabem quem é Candace Payne, a história conta-se em poucas linhas. Candice é uma americana de 37 anos que decidiu comprar uma máscara do Chewbacca, o companheiro de Han Solo na Guerra das Estrelas, e experimentá-la no carro. Transmitiu essa “pequena alegria da vida”, como lhe chamou, para a sua rede de Facebook através do botão de “live” e as suas gargalhadas contagiaram pessoas em todo o mundo. O video tornou-se o live mais visto de sempre e Candice entrou nos trending topics da semana.

 

Há nesta nova ordem do mundo uma democratização que a torna, de alguma forma, justa mesmo que parva. Muitos dos conteúdos ‘virais’ são só parvos. Mas são vistos e partilhados por milhões de pessoas que os escolheram, recomendaram e elevaram à categoria de trending topic. Goste-se ou não, isto é democrático. Goste-se ou não, isto fura com o status quo dos suspeitos do costume, aquela meia dúzia que está sempre citada nas notícias, porque desde os tempos imemoriais prevalece entre (alguns) jornalistas o sentido de missão de, dia após dia, relatar que essas pessoas disseram coisas. É o chamado jornalismo do ‘disse que’ em detrimento do jornalismo do ‘fez o quê’.

 

Mas o video de Candice não é uma notícia. É outra coisa qualquer e conseguiu muito mais atenção do que as notícias, em média, conseguem. E essa alocação do nosso tempo disponível é que é um fenómeno que merece a nossa atenção. Numa conferência a que assisti recentemente, a Interact 2016, um dos oradores referiu que o tempo de atenção médio que hoje dedicamos a qualquer coisa que mexa online passou de 12 para 8 segundos. Estamos passos largos a caminho de sermos o peixinho vermelho no aquário redondo.

 

E, na selecção que fazemos, conta cada vez mais o poder da recomendação. As recomendações são uma indústria. Desenvolvem-se algoritmos nas mais diversas esferas para gerar recomendações, sugestões, listar mais populares, etc. Da precursora Amazon ao mais-querido do momento Netflix, este é um dos segredos do sucesso.

 

E, claro, há o Facebook. Essa rede de 1.6 mil milhões de utilizadores que se está a tornar, dia após dia, o editor de notícias favorito. Só que, na realidade, o Facebook não edita, tal como não escreve ou não produz conteúdo no sentido efectivo do tema. O Facebook escolhe, mediante critérios ou parâmetros que os seus engenheiros definem tendo como principal matéria-prima dados dos seus utilizadores, o que lêem, o que partilham, o que publicam. Esta é a parte benigna do processo – tão democrática, vista desta forma, como a possibilidade de Candice Payne se tornar uma celebridade do dia para a noite por causa de um vídeo com uma máscara do Chewbacca.

 

A parte mais obscura é aquela sobre a qual apenas podemos especular, porque certezas absolutas ninguém tem. O site Gizmodo trouxe essa discussão para a primeira linha de debate ao publicar acusações segundo as quais o Facebook omitia artigos com pontos de vista conservadores na sua seleção de histórias mais populares. Mark Zuckerberg percebeu que o assunto era sério e não perdeu tempo. Anunciou uma investigação interna, reuniu com os políticos da ala conservadora nos Estados Unidos e dias depois veio dizer que, mesmo sem qualquer sinal de enviesamento na selecção das notícias, o Facebook iria fazer mudanças para garantir a objectividade política.

 

Tudo isto mostra que o tema é sensível, sobretudo em ano de eleições nos Estados Unidos, sobretudo porque mexe com pessoas com poder de fogo. Mas, na realidade, todos os dias milhões de pessoas deixam-se editar pelas suas redes. Cada vez mais, vemos aquilo que os nossos amigos ou conhecidos nos mostram que estão a ver. Ou, sendo mais precisa, aquilo que as pessoas que gerem redes sociais dizem às máquinas para nos mostrar a partir do que os nossos amigos e conhecidos vêem.

 

Com uma particularidade deliciosa. Quando alguma coisa corre mal pode sempre dizer-se que a culpa é da máquina. Que é preciso ajustar o algoritmo. Esta é a desculpa que faz as delícias dos supremos manipuladores. Poder condicionar a opinião sem assumir qualquer responsabilidade na escolha, sem jornalistas a questionar orientações, sem editores a validarem informação. As acusações veiculadas no Gizmodo tiveram como fonte ex-colaboradores do Facebook, nomeadamente jornalistas ou “news curators”, que é uma forma moderna e, aparentemente, um termo de maior empregabilidade para designar editores.

 

Claro que os problemas tinham de vir daí. Os problemas vêm sempre das pessoas e, sobretudo, pessoas que trabalham com matéria tão sensível quanto a informação. Mas, mesmo que a maior parte da nação Facebook não se aperceba, o que a rede social se quer tornar é num gigantesco portal de notícias e de e-commerce. O maior, o mais influente, à escala global. E para servir notícias não basta apenas mastigar os dados da rede de cada um de nós. É preciso ter pessoas a seleccionar informação, a hierarquizar temas, a avaliar credibilidade de fontes. Deixem lá ver… a fazer jornalismo, mesmo que em modo menos convencional. Porque a alternativa é ter uma lista de “notícias” com muitos Chewbaccas e, infelizmente, para todos os que produzem informação, o Chewbacca até é um rei na selva de parvoíce que os indicadores de mais populares mostram em muitos sites.

 

As máquinas estão a ser ensinadas e estão a ficar melhores a cada dia.

 

As máquinas, tal como o Chewbacca, não têm culpa.

 

Só precisamos de não nos esquecer que, por trás das máquinas, estão homens e esperar que haja por aí uns quantos Han Solos quando os impérios contra-atacam.

 

Tenham um bom fim de semana

 

Outras sugestões de leitura

 

Já que estamos em modo redes sociais, fica aqui uma sugestão de leitura sobre o direito à privacidade assinado pelo Pedro Fonseca.

 

O Márcio Candoso escreveu esta semana sobre touros e óperas e o local onde ambos convergem. Se estão a pensar que nada os liga, leiam a história e vão perceber que não é bem assim.

 

E para rematar, uma daquelas histórias que nos faz sorrir e que já deve ser um trending topic. Sobre uns óculos esquecidos que se transformaram, também eles, numa celebridade. Ou, neste caso, numa obra de arte.

publicado às 11:26

Alívio? Qual alívio?

 Por: Pedro Rolo Duarte

No começo, também suspirei de alívio: um ecologista conseguira vencer a escalada, aparentemente imparável, da extrema-direita nas eleições austríacas, numa segunda volta renhida até ao último minuto. Mas foi só no começo.

 

Quando os números finais apareceram, os títulos dos jornais - Áustria rejeita Presidente de extrema-direita, ou Áustria derrota extremistas - eram mais desejo do que facto. Na verdade, foram apenas 31 mil votos que deram a vitória a Alexander Van der Bellen, numa eleição onde 86% dos operários votaram no extremista Norbert Hofer, permitindo-lhe fracturar ainda mais o país com a ideia de que o povo está com ele, e as elites com o Presidente eleito. Quanto aos partidos clássicos, melhor nem falar…

 

Qualquer que seja o ponto de vista, o caso austríaco veio confirmar a fúria populista, xenófoba e anti-europeia que grassa por toda a Europa, numa vaga de fundo que contraria todos os pressupostos que nos trouxeram até aqui no projecto europeu (com excepção de Portugal e Espanha, que preferem a extrema-esquerda para abrigarem as suas indignações e revoltas…). É um momento triste e lamentável, o que vivemos, por mais que o possamos querer entender.

 

Não me parece que seja uma questão eminentemente política - mas antes, uma revelação da raça tal e qual ela é, quando se sente ameaçada ou acossada por algo cujos contornos desconhece. Pode ser a complexa questão dos refugiados ou a simples aritmética de uma Europa onde os países ricos contribuem para que os países pobres deixem de o ser. Tanto faz. A cultura do individualismo é mais forte do que qualquer boa vontade. A sociologia e a psicologia talvez expliquem melhor a evolução política na Europa, e o estado a que chegámos, do que propriamente a falência dos modelos dos partidos clássicos do centrão, ou o cansaço que todos sentimos de governações mal sucedidas, muitas vezes corruptas, quase sempre ineficazes face às promessas do costume.

 

No Portugal brando e tranquilo, onde a revolução maior é um Governo sustentado numa maioria parlamentar que se parece mais com uma gelatina do que com um bolo, o que se passa no resto da Europa parece interessar pouco. Mas sou obrigado a confessar: não fiquei nada aliviado com os resultados das eleições na Áustria. E apesar de ter nascido bem depois de 1945, já acreditei mais que os europeus tinham aprendido de vez a lição - e, podendo não saber o que queriam, sabiam claramente o que não queriam. Hoje, já não digo nada. Ou digo: aliviado, não estou.

 

Mais leituras para esta semana…

 

É o momento de ouro do humor no Brasil dos dias que correm. Já saltou fronteiras, de tal forma que um dos seus principais autores (e actor), está em Portugal, numa digressão de enorme sucesso por todo país (ver programa e datas aqui…). Mas para conhecer bem a fundo esta equipa da “Porta dos Fundos”, nada como ir ao site oficial do grupo, e depois deixar deslizar o dedo pelos cliques nas dezenas de videos disponíveis no Youtube. Um deles, este, é tão actual que ficou a minha escolha desta semana…

  

O jornal digital Observador fez dois anos de vida e, numa manobra que alguns consideram genial, e outros uma espécie de rendição ao velho papel para efeitos de facturação, publicou uma edição impressa, de grande qualidade, muito bem desenhada por Jorge Silva. Quase todas as matérias constituem um “best of” do jornal, mas há alguns exclusivos (entretanto já disponibilizados online). De todos, destaco a excelente entrevista a Pedro J. Ramirez, o temido ex-director do espanhol El Mundo - e que, uma vez dispensado do cargo com uma indemnização milionária, decidiu investir todo esse dinheiro num novo jornal online, o El Español. Vale a pena ler a entrevista na íntegra.

 

O debate sobre o futuro da imprensa diária, em papel ou online, gratuita ou paga, não acaba. Tem já alguns dias aquela que considero talvez a melhor análise (e argumentação também…) sobre a matéria. Está assinada por Lydian Polgreen, editora do New York Times baseada em Joanesburgo, África do Sul, e pode ler-se aqui

 

 

publicado às 10:59

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