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SAPO24 Crónicas

Todos os dias um olhar mais atento a um tema que marca a actualidade. Artigos, análises e crónicas exclusivas no SAPO24.

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Todos os dias um olhar mais atento a um tema que marca a actualidade. Artigos, análises e crónicas exclusivas no SAPO24.

Isto não é um país, é um campeonato de narrativas

Por: Paulo Ferreira

Nenhum país sobrevive se apenas puder optar entre velhas ilusões e novas privações. Mas é com isso que governo e oposição de direita estão a confrontar o país. 

 

 

Se o povo se alimentasse de narrativas éramos o país mais obeso do mundo. E se as narrativas significassem prosperidade seríamos o farol das civilizações.

 

 

Tudo, hoje, está reduzido a narrativas. Não há confronto de propostas políticas. Há uma guerra de narrativas. Não há governação nem alternativas. Há argumentários que têm como único objectivo sacudir a água do respectivo capote.

 

 

A indigência reinante tem um problema: as narrativas colocam-nos sempre a discutir o passado e não se vê ninguém preocupado com o futuro e com os caminhos que possam resgatar-nos da enrascada permanente em que nos vamos acostumando a viver.

 

 

O mais largo que os agentes políticos conseguem ver são três meses: como vai ser o Orçamento para 2017? Vai ter mais austeridade? Como vai ser apresentado a Bruxelas? Antes ou ao mesmo tempo que entra no Parlamento? E como se convence, de uma assentada, Wolfgang Schauble, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa?

 

 

Certo, certo é que, aconteça o que acontecer, por alturas do Natal teremos em cena duas narrativas alternativas sobre o que entretanto se passar.

 

 

Desde o famosíssimo PEC IV que as narrativas tomaram o centro do palco político. A culpa foi tua. Não, foi tua. A esquerda atirou-nos para o “buraco”. A direita está a escavar o “buraco”. Uns porque chamaram a troika depois de levarem o país à bancarota. Outros porque foram além da troika.

 

 

Não há paciência. Banif, Novo Banco, Caixa Geral de Depósitos, sanções de Bruxelas, crescimento económico, desemprego, investimento, exportações, consumo privado, execução orçamental, défice público, dívida, credibilidade externa, emigração, tudo, mas rigorosamente tudo, está reduzido a longas disputas sobre culpados e graus de culpa.

 

 

Claro que toda a esta discussão é estéril de qualquer proveito para o país. Primeiro porque o rigor dos factos é, por regra, a primeira vítima neste tipo de algazarras. Depois porque a honestidade intelectual de alguns dos principais protagonistas partiu há muito para parte incerta, se é que alguma vez ali habitou.

 

 

E ainda que isto fosse conduzido com o mínimo de elevação, teria apenas o valor de uma autópsia: com o mal irremediavelmente consumado, resta apurar causas. Só para que conste.

 

 

Este ambiente podre tomou conta da prática política porque as coisas estão a correr mal. Correm mal ao governo, herdeiro legítimo da delinquência orçamental socialista. E tudo servirá para justificá-lo. Será culpa da herança, do estado da banca, do Brexit, de Bruxelas, da economia internacional, dos mercados, das agências de rating ou dos empresários que estão contra esta solução política. Será culpa de tudo menos da acção e das opções do próprio governo, claro está.

 

 

Este é mais um projecto de comunicação do que de governação, à procura de criar na generalidade da população uma sensação de melhoria enquanto se esperam eleições.

 

 

Do lado da oposição a prática não é melhor. Tudo também preso a narrativas, uma tentativa de ditar posições apenas para que fiquem registadas em acta. Mas não se vê ali a construção de qualquer alternativa estruturada que vá além do “a culpa é do governo”.

 

 

Nenhum país sobrevive se apenas puder optar entre velhas ilusões e novas privações. Mas é com isso que governo e oposição de direita estão a confrontar o país.

 

 

Isto está a correr mal ao governo mas também à oposição. Mas sobretudo corre mal ao país, que não vê como vamos sair daqui. E não há guionistas que consigam fazer disto uma boa narrativa porque neste campeonato não há vitórias morais.

 

 

 

Outras leituras

 

 

Orban e Trump, ambos muito bem acompanhados um pelo outro. Nada de bom se pode esperar quando o populismo e o radicalismo assumem os comandos.

 

 

Tudo indica que vem aí multa para Portugal, embora relativamente leve. O Governo já anunciou que vai processar a Comissão Europeia. Chegará para mostrar serviço aos parceiros que apoiam o Governo ou o Bloco cumpre a ameaça e propõe formalmente um referendo sobre a Europa?

publicado às 00:35

Um relatório que não serve para (quase) nada

Por: António Costa

O relatório da comissão de inquérito ao Banif, leia-se o projeto assinado pelo deputado socialista Eurico Brilhante Dias, faz um esforço de cronologia de uma falência anunciada e que deveria ter sido definida logo em 2012, de forma organizada, pelo anterior governo e pelo Banco de Portugal. Mas não servirá para nada, porque vai ser usado apenas como instrumento de guerra político-partidária.

 

 

A banca é, neste momento, a arena de confronto entre o Governo e a oposição, e, ironicamente, por responsabilidades partilhadas. Pedro Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque geriram, debaixo do tapete, os problemas dos balanços dos bancos, António Costa e Mário Centeno estão a comportar-se como elefantes numa loja de porcelana. Cada um dos lados, à sua maneira, está a contribuir para fragilizar uma realidade que já é difícil e as conclusões do Banif serão mais uma ‘oportunidade’ para passar responsabilidades.

 

 

O que sabemos, hoje, é que o Estado foi obrigado a ‘meter’ mais de três mil milhões de euros para vender o Banif ao Banco Santander, dinheiro público, dos contribuintes, para evitar um colapso ou, no mínimo, o recurso ao dinheiro dos depositantes. Foi esta a escolha de António Costa, o primeiro-ministro, em resposta à pressão do BCE. Entre os depositantes e os acionistas, escolheu os contribuintes e prometeu que seria a última vez. Já tínhamos ouvido esta promessa antes, de outras figuras, agora é certo num novo contexto de regras europeias.

 

 

A solução final, claro, não foi a melhor, foi a possível, e não foi determinada pela notícia da TVI24, como também fica claro. Nem na resolução, nem no tempo da resolução, nem sequer no valor associado à resolução. Sobra o que (não) foi feito antes, pela administração e acionistas do Banif até 2012, e pelo acionista Estado e pela gestão de Jorge Tomé daquela data até dezembro de 2015. E, neste tempo todo, pela própria supervisão, o Banco de Portugal, que já em 2015 corrigiu as contas do Banif com impacto material nos seus rácios e nas suas necessidades.

 

 

 

Como era previsível, o projeto de relatório não serve a ninguém quando se trata do apuramento das responsabilidades políticas. Faz um esforço de recomendações – 16 – ao legislador e aos supervisores, até aos europeus, mas na verdade são mais umas quantas, depois das que foram feitas nas comissões do BPN e do BES. O que fica?

 

 

 

Para já, fica a discussão política, sem responsabilização efetiva de ninguém. E as achas para a comissão que se segue, a da CGD, que, pelas mesmas razões, não dará em (quase) nada. Mas fica a fragilidade do nosso sistema financeiro, uma história do que não deveria ter sucedido e a convicção de que se o Governo anterior tivesse seguido a solução defendida pela comissão Europeia, que não acreditava no futuro do Banif. Desta vez, pelo menos, Bruxelas não pode ser o bode expiatório, vai ser encontrado outro.

 

 

 

As escolhas

A temperatura subiu, a política ainda mais, como se pode ler aqui. E Marcelo Rebelo de Sousa já percebeu que a estratégia dos afetos não chega. A relação com Passos Coelho não é a melhor – como se percebe pelo facto de não ter comparecido em Belém -, os dados económicos não ajudam e as sondagens começam a dar os sinais a António Costa de que as eleições antecipadas são mesmo uma probabilidade que ganha força.

publicado às 18:25

Angola não é nossa e a banca nunca foi

Por: Rute Sousa Vasco

 

A memória dos 500 anos de colonização portuguesa é preciosa numa semana em que João Salgueiro comparou a actual situação da banca em Portugal às ex-colónias. João Salgueiro, 81 anos, além de um economista reputado, foi Ministro de Estado e das Finanças, vice-governador do Banco de Portugal e presidente da Associação Portuguesa de Bancos. Ou seja, desempenhou papéis nas principais instituições que se relacionam com a banca, além de também ter trabalhado em bancos.

 

 

Hoje é o representante de um grupo de economistas, gestores e promotores do manifesto "Reconfiguração da Banca em Portugal - Desafios e Linhas Vermelhas", documento - ou manifesto, como já foi chamado - que o levou a uma audiência com o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. E foi à saída dessa audiência que João Salgueiro considerou a situação de urgência da banca portuguesa semelhante à que Portugal viveu com as ex-colónias: "Podemos imaginar vários tipos de problemas que existem [na banca] que têm de ser resolvidos a tempo. É uma situação muito semelhante à da descolonização. Se não se encontram as soluções a tempo, vamos pagar o custo durante décadas".

 

Isto acontece na mesma semana em que a Assembleia da República foi palco de mais uma sessão sobre como é que mais um banco, neste caso o Banif, se tornou um problema de 10 milhões de portugueses.

 

E a mesma semana em que foi finalmente agendada para o dia 24 de Maio, as alegações finais do julgamento do processo principal do caso Banco Português de Negócios (BPN). Um julgamento que começou há cinco anos e cinco meses (15 de Dezembro de 2010) e em que se realizaram 401 dias de sessões. Foram ouvidas 170 pessoas, entre as quais 77 testemunhas de acusação, 79 testemunhas de defesa e 35 testemunhas abonatórias. São 15 arguidos.

 

Desde que o BPN implodiu, passaram-se oito anos.

 

Foi também a semana em que foram comunicados os resultados trimestrais do banco de todos nós, a Caixa Geral de Depósitos. Teve um prejuízo de 74,2 milhões de euros e precisa – também com urgência, como tudo o que se passa actualmente com a banca – de um aumento de capital. Estimava-se que fossem necessários dois mil milhões – agora já se considera que poderá ser o dobro.

 

As contas com a banca são, em regra, assim – excelentes níveis de previsibilidade e sem grandes desvios.

 

Para quem ainda não percebeu do que é que João Salgueiro, e seus pares, estão a falar quando assinam manifestos e comparam a crise da banca ao desfecho que Portugal deu à sua presença de 500 anos em África, vale a pena ler Nuno Amado. O presidente do BCP assumiu ontem que o banco que lidera pretende ser “o” banco privado português a sobreviver à concentração no sector. Disse Amado: “É provável que em Portugal passe a existir, a curto prazo, um banco público – a Caixa Geral de Depósitos – e um banco privado, que eu espero que seja o BCP”. Mas disse mais coisas: “Estamos cientes de que os clientes mudaram, que a procura do crédito baixou e que as opções pelo digital são crescentes (…)”. Tudo isto num cenário em que existem 120 bancos sob supervisão do BCE e quatro deles são bem conhecidos e só os “nossos” maiores bancos: CGD, BCP, Novo Banco e BPI.

 

Sobre o papel da banca na economia já muito se escreveu. Está nos livros de economia e, na realidade, só mesmo aí se trata de um papel perfeito. Na vida real é tão imperfeito quanto a natureza humana e quanto os homens e mulheres concretos que os gerem. Podemos pensar, simplesmente, que Portugal tem tido um enorme azar com os “banqueiros” que nos calham. Como já aqui escrevi, não acredito que seja disso que se trata. Não são melhores ou piores que outros banqueiros noutros locais da Europa e do mundo. Quanto muito vivem numa sociedade com mais vícios, maiores reverências e clientelismos do que outras, porventura, mais transparentes. E isso sim faz alguma diferença.

 

Mas o problema real é o da banca e o da circulação do dinheiro na economia na era da Uber ou do Airbnb ou de outro novo player num mercado que todos os dias se redesenha. E o mercado do dinheiro não é excepção nesta era da desmaterialização e da democratização do acesso a mercados e negócios.

 

O pensamento convencional sobre estes temas converge para preocupações de soberania – as mais elevadas – e de privilégios – as mais corriqueiras. Haver menos bancos em Portugal significa menos poder e menos poderes. Menos administradores, menos ‘clusters’ de agências, escritórios de advogados, consultores alocados a cada um destes ditos ‘centros de decisão’.

 

Certamente é um problema que tira o sono a muitos, nomeadamente aos visados, mas, para a esmagadora maioria dos portugueses, a vida continua igual. Não se passa nada agora, porque também não se passou nada antes. A esmagadora maioria dos portugueses não tem qualquer sentimento de profunda gratidão ou saudosismo com aqueles bons tempos em que os bancos eram nossos amigos, nos ajudavam a construir um negócio ou simplesmente a começar a nossa casa de família. Porque simplesmente nada disto foi verdade para a maioria dos portugueses, apenas foi verdade para aquela minoria amiga de banqueiros, colega de partido e de negócios . Aquelas belas amizades que permitiram financiar grupos falidos e sessões em hóteis de luxo e espaços emblemáticos (ainda se lembram do Compromisso Portugal?).

 

É por todas estas razões e ainda mais algumas que aqui não cabem que é infeliz comparar a banca com as ex-colónias.

 

Não fomos os melhores colonizadores nem descolonizadores mas deixámos laços. Ou como diz o nosso presidente, afectos. Angola não é nossa, mas lá, como em Moçambique, Timor ou outras geografias em que portugueses se cruzaram com outros povos, ficou uma história comum, uma língua comum e vidas entrelaçadas.

 

Portugal veio embora de África tarde, a más horas e com uma consciência de culpa que, mais de 40 anos depois, ainda não está sanada.

 

A banca foi-se embora de Portugal sem remorso e deixou uma conta pesada.

 

Tenham um bom fim de semana

 

 

Outras leituras:

 

Há quatro anos assisti em casa a um excerto de um concerto extraordinário de um senhor que foi dos primeiros músicos que ouvi ao vivo. Se ontem não foram ouvir Bruce Springsteen, é quase uma maldade sugerir que leiam o que perderam. Mas ontem eu fui e este artigo do Público é um retrato muito fiel do que por lá se passou.

 

Ainda sobre a América, fica esta sugestão: As sondagens preferem Sanders, mas a luta é entre os "desonestos" Trump e Clinton. Acho que não é preciso dizer mais nada. 

 

"Morley foi um dos mais importantes jornalistas de qualquer meio, de sempre". Foi assim que o patrão da CBS se referiu à “voz” do 60 Minutes, que esta semana morreu aos 84 anos, poucos dias depois de se ter reformado. "Ele era também um cavalheiro, estudioso, um grande contador de histórias …".

publicado às 15:12

Andamos todos aos papéis

Por: Rute Sousa Vasco

 

A culpa é dos papéis. Os malditos dos papéis. O Panamá tem os seus, e nós temos os nossos.

 

Maria Luís Albuquerque garante que só soube que o Estado podia ter de gastar 2,2 milhões de euros no Banif a 12 de novembro de 2015. Diz ela que foi isto que disse ao seu successor, Mário Centeno, ainda que continuasse completamente imbuída da esperança de “uma venda vantajosa do banco”.

 

Mário Centeno garante que soube dos graves problemas do Banif exactamente um mês antes, a 12 de outubro, oito dias depois das eleições ganhas pelo PSD/CDS. E, nessa altura, Maria Luís terá comunicado a gravidade da situação e duas soluções possíveis, a resolução ou a liquidação. Segundo Centeno, além dele, António Costa e Passos Coelho também participaram na mesma conversa.

 

Tenham conversado todos em outubro, tenha Maria Luís Albuquerque apenas em novembro tomado consciência do cenário de resolução do Banif, o facto é que em dezembro estavam três soluções em cima da mesa: a fusão do Banif com a Caixa Geral de Depósitos, uma nova recapitalização pública, ou a criação de um "banco de transição", para ganhar tempo e vender depois melhor.

 

A 15 de Dezembro, Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, e António Varela, responsável pela supervisão do Banco de Portugal, foram para Frankfurt para uma reunião do Banco Central Europeu (BCE). Segundo António Varela contou aos deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Banif, pela parte que lhe tocava ia convencido de um cenário de ‘banco de transição’ – a tal solução para poder vender melhor.

 

Só que aqui entram os malditos dos papéis. O Panamá tem os seus, e nós temos os nossos. E os nossos papéis são emails trocados entre o BCE, a Comissão Europeia, o Governo português e o Banco de Portugal e não deixam margem para grandes lapsos de memória ou estados de alma. A Comissão Europeia informou as pessoas que achamos que mandam em Portugal que não autorizava a fusão do Banif com a Caixa Geral de Depósitos, nem a uma recapitalização do banco. E António Varela até podia estar, como Maria Luís, esperançoso, numa solução para o Banif que passasse por criar um banco de transição. A esperança é a última a morrer – mas que não seja por falta de informação.

 

E António Varela, o português que representa a supervisão dos bancos portugueses no BCE, já tinha sido devidamente informado, ainda antes da reunião de Frankfurt começar, que o Banco Central Europeu estava “inteiramente contra”. Disse-lho, por email, José Ramalho, seu colega no Banco de Portugal e em inglês: o Banif é para vender “with all means available”. Na realidade, a expressão não é sequer dele – recebeu-a de Jukka Vesala, o director-geral finlandês da supervisão no BCE que deu instruções de como tudo se deveria passar.

 

E é assim que três dias depois, 19 de dezembro, Danièle Nouy, presidente do Conselho de Supervisão do BCE, apresenta ao Governo português o ‘comprador’ do Banif, um noivo que encanta especialmente a matriarca Comissão Europeia, educado, competente e com futuro promissor como se pretende. A alegria pela escolha é tanta que nem vale a pena olhar para outros noivos: "A Comissão Europeia foi muito clara neste aspecto, por isso, recomendo que nem percam tempo a tentar fazer passar essas propostas.", disse Nouy ao nosso primeiro-ministro António Costa, segundo relato do jornal Público.

 

E assim foi como na história da Carochinha e do João Ratão. Lá caímos no caldeirão, sem honra nem glória, com um dote para lá de generoso pago pela família da noiva encalhada (que somos todos nós) mas deixando pessoas da Finlândia, França, Alemanha, Bruxelas felizes com a boda. Na Comissão Parlamentar de Inquérito ao Banif, João Almeida, deputado do CDS, resumiu assim: "o processo acabou com a imposição de um comprador único: o Santander. (…) O banco foi entregue. Desculpem, mas não consigo dizer vendido." 

 

Este é o relato de uma história que alguns deputados se têm esforçado por apurar e que vários jornalistas, com destaque para o trabalho do Público, têm procurado não apenas esclarecer como também manter viva. Porquê manter viva? Porque é difícil reter a atenção das pessoas, mobilizar a vontade das pessoas, interessar as pessoas por serem parte da solução – e não apenas por se indignarem com as soluções que lhes são impostas. Valdemar Cruz, jornalista do Expresso, perguntava esta semana isso mesmo, a propósito dos Panama Papers ou de outro escândalo qualquer.

 

Este escândalo, da banca, do Banif, da opacidade da democracia europeia, do dinheiro que alguém decide em nosso nome usar, é um escândalo nosso. Não é apenas nosso – mas este, do Banif, como antes do BES, como antes do BPN, como antes do BPP, é mesmo nosso. É o nosso dinheiro, são os nossos votos, é, no limite, o nosso orgulho ou a falta dele.

 

Esta semana, Pedro Passos Coelho disse numa entrevista à Antena 1, que, em 2011, o Banco de Portugal estimava que os bancos portugueses precisavam de 40 a 50 mil milhões de euros. Três vezes mais do que os 12 mil milhões previstos no memorando assinado com a Troika.

 

Esperem, talvez seja melhor assim: 50 mil milhões é um terço de toda a riqueza produzida em Portugal.

 

Ou ainda: são cinco vezes as despesas com a saúde em Portugal.

 

Ou seis vezes as despesas com a educação.

 

Isto é o nosso problema – depois deste, vem o inferno que são os outros, a Europa, e esse é um problema de 500 milhões de europeus.

 

Tenham um bom fim de semana

 

Outras sugestões:

 

Como se preparam para o mundo do trabalho os jovens que não querem ir para a universidade? Um estudo realizado na Grã-Bretanha demonstra que há uma cultura de desigualdade que penaliza os jovens que não querem estudar mais e que limita a mobilidade social. Um problema que não é só britânico.

 

A cobertura do grande tema da semana, os Panama Papers, levou o jornal Guardian a um novo recorde de audiência mediante uma cobertura intensa. Só na segunda-feira, dia 4 de abril, primeiro dia das revelações trazidas a público pelo consórcio internacional de jornalistas, o jornal inglês registou 10,4 milhões de visitantes únicos face a uma média de 8,5 milhões.

publicado às 11:23

Não é mau – é péssimo. E isto é piners!

 

 

Por: Rute Sousa Vasco

 

Era uma vez um banco muito, muito mau, um banco tão mau, tão mau, que, na realidade, era um banco péssimo. Depois veio um Estado, tão comprometido, tão comprometido, que, na realidade, era um Estado incapaz. E depois chegaram os cavaleiros da resolução que em três tempos decidiram que o Estado incapaz ia vender o banco péssimo porque queriam ir de férias de Natal.

 

Foi revigorante ouvir o relato que o ex-administrador do Banif em representação do Estado e ex-administrador do Banco de Portugal, António Varela, fez da situação que conduziu à venda do banco. Não porque tivesse revelado informação efectivamente nova – mas pela extraordinária coloquialidade do relato. Varela disse que o Banif que encontrou em 2012, aquando da injeccção de 1100 milhões de ajuda pública pelo Estado português, "era um banco muito, muito mau, era um banco péssimo". Este banco que apelidou de péssimo tinha tudo para correr mal: "O que se escusava era que tivesse corrido tão mal”. Falou ainda de Governos “de mãos atadas” – tanto o do PSD/CDS que validou a ajuda pública, como o do PS/Coligação de Esquerda que aprovou a venda no final de 2015. Mãos atadas porque bancos e contribuintes portugueses são uma gota de água no grande poço europeu – ou, como diz Varela, “estamos a falar de peanuts para essas entidades". E já agora porque é que tudo aconteceu tão rápido (além da razão imperativa decorrente da mudança de regras no que respeita às resoluções de bancos a partir de 1 de janeiro de 2016)? Porque tudo aconteceu em Dezembro, lá fora nevava e as lareiras tornavam-se acolhedoras, e as instituições europeias queriam – naturalmente – “prolongar as férias de Natal".

Este relato é uma espécie de história dos últimos 20 anos da Europa, da banca, e já agora da democracia num minuto. Só faltam os bonecos para ser um formato perfeito, tão ao gosto desta vaga de explicações do mundo para totós. Não será um relato exacto, é certamente tão parcial quanto aquele que qualquer outro participante neste filme contará, mas temos de convir que há uma grande probabilidade de bater certo numa série de factos.

Ainda há menos de duas semanas, o país dos políticos, empresários e comentadores andou entretido a discutir manifestos contra a espanholização da banca portuguesa. Os prós e contras eram, na realidade, cara e coroa da mesma moeda. Contra a espanholização porque precisamos de centros de decisão nacionais (pausa para suspirar). Contra os que estão contra a espanholização, porque o problema são os bancos portugueses, geridos por portugueses, falidos por portugueses (pausa para suspirar de novo). Aparentemente, uns e outros, não vêem qualquer padrão no que tem acontecido nos bancos Europa fora e mundo fora. Os Estados não conseguem dinheiro dos “seus” bancos nacionais, porque os “seus bancos nacionais simplesmente não existem, mesmo que sejam liderados por banqueiros com cartão de cidadão do país. Ah, e essa ideia de ‘dinheiro nacional’? também não existe, nomeadamente ou principalmente em países cronicamente endividados como é o caso de Portugal. Mas, também para que conste, e é verdade que temos um certo sentido de competição mesmo em coisas patetas, os portugueses não são especialmente melhores a falir bancos e a fazer desaparecer dinheiro do que os seus congéneres ingleses, espanhóis, franceses ou mesmo americanos. Damos conta do recado, como os casos BPN, BES e agora Banif exemplificam, mas parece que a virtude está no jogo e não nos jogadores.

O dinheiro não tem pátria e vai para onde é melhor tratado, lembram-se? É um dos mantras dos defensores do “deixem lá os mercados funcionar” e da tal “mão invisível” dos mesmos mercados (perdoa-os, Adam Smith), que tudo resolve, que tudo corrige. O dinheiro não tem pátria, mas tem donos. E quanto mais invisíveis são os donos disto tudo, mais em risco estão bancos, Estados e pessoas (e não necessariamente por esta ordem). Numa Europa cada vez mais opaca para os cidadãos, e com Estados cada vez mais reféns de funcionários e de dinheiro, ambos sem rosto, é difícil que não corra mal, como diz Varela.

Podemos é ainda tentar evitar que corra assim tão mal.

 

Tenham um bom fim-de-semana

 

Outras sugestões:

Começa hoje o congresso do PSD e, como a Eunice Lourenço, assinala neste artigo da Renascença, a data não foi escolhida ao acaso. O congresso começa hoje e na próxima segunda-feira, dia 4, é o primeiro dia em que o Presidente da República pode dissolver o Parlamento. Há uns meses parecia boa ideia – marcava-se o congresso, preparava-se uma vaga de fundo e acabava-se em Belém a pressionar por eleições que pusessem fim a um “governo ilegítimo”. Um plano que, ao dia de hoje, a uns dará vontade de rir e a outros de chorar.

 

Os jornais britânicos The Times e The Sunday Times anunciaram um novo modelo editorial que passa pelo abandono da cobertura noticiosa ao minuto e pela aposta no tratamento aprofundado das histórias do dia. A edição online passa a ser actualizada em apenas três momentos diários: às 9h da manhã, ao meio-dia e às 17h. De repente, pode ser uma boa ideia simplesmente deixar de correr pelo minuto seguinte e tentar recuperar o papel principal do jornalismo e que não é, de todo, o de quem é mais rápido no gatilho ou na tecla. Até porque hoje, todos dão a notícia primeiro – os que a conseguem e os que a copiam.

 

E para fechar, este é um tema de missão para quem é missionário nesta causa. Entre 2009 e 2013, fecharam 4500 pubs na Grã-Bretanha. No último semestre de 2015, a tendência confirmou-se, tendo sido atingido o número mais baixo da década de pubs abertos. Bebe-se mais, nomeadamente mais cerveja, mas a crise toca a todos e no supermercado é mais barato do que no pub. Não é só disso que se trata, como conta a BBC, mas o que importa mesmo é garantir que os pubs não terão uma ‘last order’.

 

 

publicado às 10:31

Não se consegue controlar estas pessoas. Ou um filme que já todos vimos.

O telefone tocou, a taxista activou a opção "alta voz" e eu, no banco de trás, fui espectadora do que se seguiu. “Muito bom dia, tenho o prazer de estar a falar com a senhora fulana de tal?”. A taxista confirma, enquanto continua a driblar o trânsito de Lisboa. “Senhora fulana de tal, fala do Banco X e estou a ligar-lhe para lhe oferecer um novo cartão de crédito que estamos a disponibilizar a clientes seleccionados por nós. O cartão permite …”.

 

A frase é interrompida pela minha condutora, que atalha imediatamente caminho: “Não estou interessada”. Do outro lado da linha, não se desarma. “Senhora fulana de tal, mas não tem vontade de fazer aquela viagem com que tanto sonhou ou mesmo apenas ter mais alguma liberdade nas compras deste Natal?”. A taxista começa a ficar francamente irritada. “Só faço viagens quando tenho dinheiro para as pagar e não faço uso de dinheiro que não é meu”. A voz do outro lado acusa um ligeiríssimo requebro, mas recupera. “Mas o que estamos a propor é apenas que tenha mais folga com o seu dinheiro, afinal de contas dá sempre jeito”.

 

Silêncio. “Ouça, não estou interessada. Eu sei como vocês funcionam. Por causa das vossas ofertas, o meu filho meteu-se em grandes problemas e foi uma trabalheira para se livrar deles. Já lhe disse que não quero dinheiro que não tenho e não vale a pena continuarmos com esta conversa”. Pensei que tudo terminaria aqui. Enganei-me. Nova investida: “Mas acha que os bancos é que foram a causa dos problemas do seu filho? Ou não terá sido ele que não soube gerir o seu dinheiro e por isso teve problemas?”. A este ponto, acreditei que a mãe taxista iria meter travão a fundo e partir para a ignorância. Não o fez. Apenas respondeu, em voz firme: “É porque os problemas são nossos e não vossos que não estou interessada. E agora tenho de desligar porque estou a trabalhar”.

 

Este episódio ocorreu antes do Natal de 2015, nos dias que se seguiram ao que agora denominamos “caso Banif”. O banco que se estima ir custar mais uns valentes milhões a todos nós, contribuintes e accionistas do Estado. Alguém escreve os guiões para estes raids dos call centers. Mas isso não é o que realmente importa. O mais relevante é que alguém autoriza, nas administrações dos bancos, que sejam feitas propostas desta natureza suportadas em diálogos como aquele a que assisti. Nas mesmas administrações que em almoços, conferências, ou sempre que os bancos são convocados para participar em iniciativas que possam ajudar a sociedade e a economia, se lamentam do garrote com que vivem nos últimos anos. Do quão difícil é, hoje em dia, ser banqueiro e gerir um banco.

 

São as mesmas pessoas. Podem até ter outros nomes, mas são as mesmíssimas pessoas que lá estavam há oito anos quando a bolha estourou do outro lado do Atlântico e arrastou tudo e todos. Uma mesma classe, com os mesmos vícios e tiques, em que as excepções – que existem – não conseguem domar a regra. Não conseguem mudar a regra.

 

Até Outubro de 2015, o crédito à habitação tinha disparado cerca de 70%. Até Junho do ano passado, o crédito ao consumo tinha também crescido 21,5%. No mesmo ano, em que a economia portuguesa cresce 1,5% e o desemprego, apesar de ter diminuído, ainda é de 12,4% (dados de novembro 2015).

 

Ontem estreou o filme The Big Short – A queda de Wall Street, baseado no livro do jornalista americano Michael Lewis, autor reincidente nos relatos sobre a tribo financeira. Em entrevista ao Expresso, em Outubro de 2014, Lewis dizia, “Coletivamente, comportaram-se como idiotas totais. O problema é que não se consegue controlar as pessoas: esta gente de Wall Street não é leal ao sistema e à empresa, eles são leais a si próprios e ao próprio lucro".

 

Ainda não vi The Big Short no cinema. Mas tenho a certeza de que já todos vimos este filme.

 

 

OUTRAS LEITURAS E DEBATES

 

O ano de 2016 começa sob a égide das mulheres na política portuguesa. Duas candidatas à Presidência da República, Maria de Belém e Marisa Matias, e uma candidata à liderança do CDS-PP, Assunção Cristas. Inevitavelmente, regressaram também as discussões sobre o género na política. Um tema a acompanhar, fazendo desde já votos para que este não se transforme, como também costuma acontecer, num debate das quotas.

 

E porque foi uma semana triste no mundo do espectáculo, apesar de balizada por dois grandes eventos/momentos, os Globos de Ouro e as nomeações para os Óscares, deixo-vos com uma polémica à Tarantino: usar a palavra ghetto é ou não um acto racista?

 

E para nos deixar com os olhos nas estrelas, aqui fica uma descoberta chamada ASASSN15lh. A supernova mais brilhante da história.

 

Tenham um bom fim de semana!

publicado às 10:49

À espera do comboio na paragem do autocarro

Por: Rute Sousa Vasco

 

Desmonta-se a árvore de Natal, empacotam-se as bolas e as luzes, guardam-se as passas e o champanhe que possam ter sobrado do réveillon. Acabou-se o bolo-rei, mas a festa talvez ainda não.

 

Não há como evitar. Dos mais sobriamente intelectuais aos mais levemente disponíveis, todos nós somos atingidos pela síndrome dos primeiros dias de janeiro. Passámos da fase dos desejos ao bater das 12 badaladas do dia 1 de janeiro para a agenda das resoluções. Que, como se sabe, é muito mais impiedosa e menos romântica.

 

A coisa está estudada e comprovada. Há pedidos que se renovam com a mesma garantia com que a Primavera sobrevem ao Inverno. Queremos ler mais, correr mais, comer melhor, deitar mais cedo, passar mais tempo com a família, fazer aquela viagem.

 

Claro que isto somos nós, as pessoas comuns.

 

Para as outras pessoas, aquelas que nos governam, janeiro é o primeiro mês de um calendário sempre difícil que obriga a conciliar ciclos eleitorais, do país e dos partidos e de Bruxelas, com o dinheiro que existe para gastar. Este ano, na realidade, vai ser janeiro em março, porque face ao calendário politico dos últimos meses, só neste mês, na melhor das hipóteses, chegará ao Parlamento a proposta de orçamento do governo liderado por António Costa. O que significa que só em março estará provavelmente em execução.

 

E se os cínicos estiverem certos, politicamente o Natal pode mesmo ser enquanto um homem, António Costa, quiser. Ou seja, as boas notícias, natalícias quase se diria, que foram dadas nas primeiras semanas de governação podem conhecer uma extensão por mais alguns meses. Diz-se que em Outubro é que é. Que a partir do segundo orçamento, desta vez já em prazo regulamentar, António Costa já poderá decidir quando acaba o Natal, pelo menos no que respeita ao espírito de boa vontade entre os homens (e mulheres) que são seus parceiros de coligação.

 

Ou seja, tendo o país satisfeito – os funcionários públicos a ganhar mais, os contribuintes a pagar menos sobretaxa, os reformados a ganhar (!) mais pensões – aí, sim, António Costa poderá decretar o novo calendário do Advento.

 

Esta é a visão de uma parte do país que analisa e comenta. Mas, como sabemos, até Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente-pescada, admite hoje perante as câmaras que quando disse que o Banif estava bem (onde é que já ouvimos isto?) apenas o fez “como analista”. O que reduz a análise a um papel de entretenimento, o que talvez não seja mau.

 

O pior continua a ser mesmo o mundo lá fora. Um mundo cada vez mais complexo e onde anda tudo ligado. Um mundo onde, sem margem para dúvidas, já não é Natal, pelo menos desde segunda-feira, dia 4 de janeiro. As primeiras quatro sessões nos mercados norte-americanos (Dow Jones e Nasdaq), onde se decide psicologicamente o estado de espírito do dinheiro em todo o mundo, registaram o pior arranque em 100 anos. Um século é mesmo muito tempo – houve duas grandes guerras, invasões, atentados, falências gigantescas. É por causa da China, é por causa do petróleo, e se hoje ainda não percebemos porque é que isto tende a correr mal é mesmo porque andamos distraídos.

 

No próximo domingo começa a campanha para as eleições presidenciais.

Duas semanas depois, Cavavo Silva sai de cena.

No mês seguinte teremos um novo Orçamento de Estado.

 

Tudo diria que é um tempo de renovação. Mas algo me diz que poderá ser mais como canta Sérgio Godinho. Podemos estar à espera do comboio na paragem do autocarro.

 

Seja como for, temos doze meses inteirinhos para acertar na linha, ainda com o bonus track de mais um dia, que o ano é bissexto. Tenham um feliz 2016!

 

Leituras e audições para um fim de semana de chuva

 

Começemos pelo mais difícil de digerir, para nós todos que em Dezembro acabámos de comprar mais um banco. Este trabalho da Cristina Ferreira, no Público, conta como o Banco de Portugal descartou uma proposta de compra do Banif que permitiria uma solução menos penalizante para os contribuintes. O Diário Económico mostra-nos também uma outra faceta do negócio: quando o Santander comprou o Banif por 150 milhões de euros, não levou só a parte do negócio do banco que foi considerada saudável, mas também a possibilidade de reclamar do Estado português um crédito fiscal num valor que rondará os 289 milhões de euros.

Na banca e no seu impacto no bolso dos contribuintes, ano novo só mesmo no calendário.

 

Acabei o meu artigo de hoje com uma expressão cunhada de um dos nossos cantautores e a realidade é que a cantiga é uma arma em qualquer parte do mundo. A Coreia do Sul, por exemplo, responde aos testes nucleares do vizinho do lado com as K-pop. Ah pois é, ora ouçam.

 

E se depois da K-Pop quiserem simplesmente deliciar-se com o prazer da música, passem por aqui. É sobre o novo trabalho de David Bowie, para ouvir em dias de chuva e não só.

 Rui Maia (X-Wife, Mirror People) já ouviu o 25.º álbum de David Bowie. É fã de longa data. O álbum, editado esta sexta-feira, dia em que Bowie completa 69 anos de vida, lança o inglês para as águas livres do jazz e da música experimental. "Ele soube sempre reinventar-se", diz Maia. 

publicado às 09:45

Costa quer aterragem forçada na TAP

Por: António Costa

 

Qual foi o acontecimento económico do ano de 2015? Apesar do choque-Banif, a marca do ano que termina esta semana é a privatização da TAP, uma operação que começou há 19 anos e foi, finalmente, fechada na 25ª hora, no limite das forças financeiras da companhia. E António Costa parece querer voltar a pôr a TAP na lista do próximo ano.

A privatização da TAP nunca foi uma questão ideológica: passou sucessivos governos, do PS e do PSD, e ainda mais ministros. Começou, aliás, pela mão de Jorge Coelho, mas a falência da Swissair acabou com um negocio antes de o ser. De então para cá, a situação financeira da TAP degradou-se de tal forma que chegou a Novembro deste ano em rutura de tesouraria. Em risco de não pagar salários se não fosse fechada a privatização assinada em Junho, a venda a Humberto Pedrosa e David Neeleman, e se não entrasse dinheiro fresco na empresa. Entraram 180 milhões de euros de um total de 320 milhões previstos até ao final de 2016. E pela primeira vez em anos, a TAP tem um dono ativo, faz investimentos e tem estratégia.

A privatização da TAP deveria ter sido feita mais cedo, sim, os últimos contratos com a banca foram assinados no dia seguinte a o governo de coligação PAF ficar em gestão e com um novo governo pré-anunciado. E isso é terreno fértil para a demagogia e para o populismo. António Costa queria manter a maioria do capital da empresa em mãos do Estado, mas isso era uma proposta inverosímil, simplesmente porque nenhum investidor estaria disposto a pagar para o Estado mandar. E era preciso pagar muito. Agora, depois do negocio feito, essa promessa é ainda mais deslocada, mas o primeiro-ministro assumiu a estratégia do ‘a bem ou a mal’. Só pode correr mal, claro, como se não bastassem os problemas que o país tem, nomeadamente os dos bancos.

Afinal, que perguntas faz Costa para justificar a possibilidade de reversão do negócio? Há mitos criados pelos sindicatos da companhia, que alimentam a associação liderada por António-Pedro Vasconcellos, que não correspondem à verdade, como a exigência de visto prévio do Tribunal de Contas, por exemplo. Mas, em entrevista ao JN, fez três perguntas: Como, quanto e quem investiu na TAP? Costa sabe, mas podemos aqui esclarecer os nossos leitores.

Como, quanto e quem? A reputação de David Neelman no setor da aviação permitiu que a TAP deixasse cair a encomenda de aviões A350 por 53 aviões A321 e A330, mais adequados à nova estratégia da companhia e, com isso, a Airbus libertou um crédito antecipado de 150 milhões de dólares que já entrou na empresa. Será isto que o primeiro-ministro quer pôr em causa? A que propósito?

Foi esta credibilidade que permitiu fazer o que o Estado – como acionista – e a gestão de Fernando Pinto não conseguiram, até porque a Airbus já temia, pelo contrário, o incumprimento dos compromissos financeiros assumidos anteriormente.

Há, depois, a palavra dos reguladores, a última, particularmente da ANAC, que tem de apurar se a privatização respeita a lei e se isso permite a concessão da licença aérea à TAP (e à Portugália, que faz parte do grupo TAP). Também aqui, há mitos – leia-se mentiras – no ar. A ANAC nunca chumbou o acordo, deu um parecer prévio positivo e pediu alterações aos estatutos da empresa de acordo com a nova estrutura acionista. E mais de 50% do capital tem de estar nas mãos de acionistas europeus, coisa que explica, claro, o aparecimento de Humberto Pedrosa no consórcio. Mas então, o problema é que o consórcio respeita a lei?

A posição de força de António Costa só pode ser explicada por despeito, por não aceitar que os novos donos, legítimos, tenham dito aos emissários do Governo que não estavam disponíveis para negociar, apenas para cumprir o que estava assinado com o Estado português. A posição de força deveria resultar do incumprimento dos compromissos do acionista privado, do fecho de rotas, da diminuição de voos, da mudança do hub de Lisboa. Ora, se Pedrosa e Neeleman estão a fazer o que assinaram, Costa deveria agradecer.

 

ESCOLHAS

 

A história do Banif ainda não está toda contada, e Jorge Tomé, o antigo presidente executivo do banco, fez acusações duras a Carlos Costa, o governador. Já sabemos que o contribuinte vai pagar muito, até 3,6 mil milhões de euros, para salvar um banco que não valia 3% do mercado, um valor astronómico. E vamos ver o que sucede ao Novo Banco, outro caso que se arrasta e que, como se sabe, precisa de mais de 1,4 mil milhões de euros de capital. O pesadelo financeiro ainda não acabou. Até quando?

 

Enquanto a banca tenta resolver os seus problemas, o mundo dos conteúdos anda em sentido contrário. Depois do acordo da NOS com o Benfica, a PT Portugal/Altice chega a acordo com o Porto por 457 milhões de euros, incluindo os direito televisivos, a distribuição do Porto Canal e a publicidade na camisola. O que acontece, agora, aos clubes mais pequenos? Leia o artigo do Público aqui no SAPO24.

 

Boas entradas em 2016, volto para a semana com as previsões para o próximo ano.

 

 

publicado às 10:44

E se fossem todos dar uma volta?

Por: Paulo Ferreira

 

A sorte de Santiago Nasar estava traçada e muitos sabiam disso. Mas do padre ao comissário de polícia, da cozinheira da família à acusadora, ninguém fez o que devia e podia para impedir o assassinato cometido pelos irmãos Vicario. Uns por interesse, outros por desinteresse, deixaram correr os acontecimentos até à tragédia. “Crónica de uma Morte Anunciada”, de Gabriel García Márquez, assenta na perfeição ao caso Banif e ao processo que nos conduziu até este desfecho escandaloso: um custo potencial para os contribuintes estimado em cerca de 3.000 milhões de euros, quase metade do montante de depósitos que o banco tinha. Isso mesmo, quase metade dos depósitos, que eram de 6.300 milhões de euros.

 

É chocante, como disse António Horta Osório esta terça-feira.

 

É chocante a resolução e é chocante o que ela nos custa.

 

É chocante que num banco intervencionado há quase três anos, onde o Estado tinha metido 1.100 milhões de euros, onde detinha 60% do capital e assento na administração, não tenha sido posível encontrar outra solução menos onerosa durante tanto tempo. Se as leis europeias não o permitiam houve mais do que tempo para o demonstrar e para se alterarem as regras.

 

É chocante que o Governo anterior não tenha cuidado do assunto. Se foi em nome de uma saída limpa do programa de assistência da troika, então tratou-se de um trabalho sujo.

 

É chocante que em nome da salvação do Banif se tenha aberto a porta da CPLP ao regime da Guiné-Equatorial e ao seu dinheiro, que tanto suja quem o oferece como quem o aceita. Para tudo acabar assim.

 

É chocante que nem o facto de o administrador do Banco de Portugal com o pelouro da supervisão ter transitado directamente da administração do Banif onde era, precisamente, o representante do Estado, tenha servido para alguma coisa. A perversidade das portas giratórias entre reguladores e regulados, um dos grandes problemas que o país tem para resolver, é que nunca funcionam a favor dos cidadãos contribuintes. É um grande azar, de facto.

 

É chocante que administradores e gestores do banco, Banco de Portugal e Governo anterior não tenham feito, não o possível mas o necessário para que este desfecho não acontecesse.

 

O Banif era, por toda esta circunstância, o banco mais vigiado e acompanhado do país. A sua fragilidade era conhecida há muito. Não é um caso extremo de polícia como o BPN nem de ocultação de contas como o BES. No Banif tudo foi, ou devia ser, muito transparente a partir do momento em que o doente foi dado como tal e as equipas clínicas se ocuparam do caso, seguras de que o resolveriam. Afinal o paciente morreu nas suas mãos e a factura que apresentam é pornográfica.

 

Já sabemos que todos actuaram zelosamente dentro das suas funções, que cumpriram todos os parágrafos e alíneas das leis nacionais e regulamentos comunitários, que elaboraram tantos planos de reestruturação quantos Bruxelas exigiu e chumbou, que devem ter feito imensas reuniões, preparado toda a documentação e preenchido todas as folhas de Excel necessárias. Tudo tão necessário e tudo tão inútil.

 

Desta vez nem sequer há, tanto quanto se sabe, banqueiros para meter na cadeia por terem praticado crimes, feito gestão fraudulenta ou desviado dinheiro. Se todos, de Lisboa a Bruxelas e do Funchal a Frankfurt, seguiram as regras e executaram o manual de emergência e o resultado é este, temos que ir à procura dos arquitectos e engenheiros que desenharam o projecto.

 

O que não podemos é olhar para isto como um azar, uma inevitabilidade.

 

Venham as auditorias externas e a PGR. Venham os deputados e a Comissão Parlamentar de Inquérito. Deixem-se de baixa política e apurem responsabilidades com seriedade. Responsabilidades políticas, regulatórias, legislativas, financeiras. O que é que a administração do Banif podia e devia ter feito e não fez? O que é que Pedro Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque deviam ter feito e não fizeram? O que é que Carlos Costa devia ter feito e não fez? E a Comissão Europeia? Esta solução de resolução e venda é a que melhor defende os interesses dos contribuintes? Para onde se evaporou o dinheiro?

 

Já chega. Estamos fartos de ser feitos reféns da banca e sermos obrigados a pagar o resgate.

 

Outras leituras

 

  • Eis a casta, a elite da excelência, a profissão onde a mediocridade não entra. Segundo a avaliação do Conselho Superior de Magistratura, dos 362 juízes que temos nenhum, sublinho, nenhum é considerado “medíocre”. Nem uma excepção que confirme a regra. E apenas 20 são "suficientes”. O resto, a imensa maioria, é entre “bom” e “muito bom”. Nunca a expressão “juíz em causa própria” foi tão apropriada.

 

publicado às 02:02

Radicalismo ideológico. Ou pior

Por: António Costa

 

António Costa entrou numa lógica de destruição criativa difícil de perceber, pelas consequências da destruição, pela incerteza da criatividade. Anuncia que o Estado vai passar a controlar 51% da TAP “a bem ou a mal” e faz saber, anonimamente, que vai acabar com o Banco de Fomento que está finalmente em condições de começar a financiar a economia. São apenas dois exemplos, há mais, de radicalismo que só pode ser ideológico. Ou pior.

 

Não deixa de ser uma ironia que o primeiro-ministro que assentou a sua estratégia eleitoral no discurso do radicalismo da coligação PSD/PP faça da sua atuação um manual de intervenção radical. E por vontade própria, porque o BE e o PCP também têm as costas largas. Num caso e noutro, só por ideologia se pode entender a estratégia do Governo, em nenhum deles há um fundamento económico, financeiro ou sequer estratégico, simplesmente porque ninguém sabe o que Costa quer fazer a seguir, desconfio, nem sequer o próprio.

 

A TAP tem finalmente um acionista que gere a empresa, define um caminho e, sobretudo, investe na companhia. Já meteu 180 milhões de euros e no próximo ano tem de pôr mais 180 milhões. A dupla Pedrosa/Neelman já fez mais pela TAP em semanas do que o acionista Estado em anos e anos. E a TAP que tem um acionista privado maioritário pode fazer mais pelo país do que fez em décadas de controlo público a 100%.

 

Então, porque é que Costa faz uma ameaça venezuelana como fez, ao dizer que o Estado vai ficar com o controlo maioritário a bem ou a mal? Se o primeiro-ministro tem alguma informação que não revelou publicamente, nomeadamente sobre a legalidade do negócio que foi feito, não poderia sentar-se à mesma mesa com Pedrosa e Neelman, teria simplesmente de requerer a anulação do negócio. Como tentou a negociação, disse-o publicamente, a resposta só pode ser de uma de duas, despeito ou ideologia. O despeito passa, a ideologia não, sobretudo porque, depois, é preciso pôr dinheiro em cima da mesa, para a TAP devolver o dinheiro que já recebeu e, sobretudo, para capitalizar uma empresa que tem 580 milhões de euros de capitais próprios negativos. Como se o Estado não tivesse problemas (financeiros) que cheguem.

 

Agora, o caso do banco de fomento não é menos problemático. Ainda não houve uma palavra pública, mas também não houve qualquer clarificação ou desmentido à notícia do Expresso sobre o fim da Instituição Financeira de Desenvolvimento. Mal ou bem, e considerei desde o primeiro dia que o banco de fomento não era a melhor solução, o Estado investiu mais de um ano de negociações com a Direção Geral da Concorrência europeia para ter uma instituição grossista – leia-se, que contratualiza apoios às empresas através dos bancos – de financiamento da economia.

 

Depois de muitos avanços e recuos – alguns difíceis de entender -, de trabalho de casa que ainda não estava feito, o presidente José Fernando Figueiredo já tem finalmente condições para carregar no botão. Só falta o mais importante, o ‘ok’ do novo governo que, pelos vistos, não vai surgir. Mesmo do ponto de vista puramente político, acabar agora com o banco de fomento é um erro, porque qualquer novo caminho de uso dos fundos comunitários exige tempo de negociação com Bruxelas. Dito de outra forma, o acesso a financiamento e sobretudo a capital vai demorar. Mais. E sem alternativa.

 

Na TAP, como no banco de fomento, Costa muda por más razões, destrói o que está sem construir uma alternativa melhor, afeta a imagem do país junto dos investidores internacionais e coloca pressão sobre o Estado e as empresas desnecessariamente. Radicalismo ideológico. Ou pior.

 

As escolhas

 

Se na TAP e no banco de fomento, António Costa está a fazer escolhas, a única escolha possível no Banif era saber quem pagaria a fatura, os contribuintes ou os depositantes e obrigacionistas. E o primeiro-ministro escolheu os primeiros e poupou os segundos, a menos má. O Estado já tinha metido 700 milhões de euros de capital e emprestado 400 milhões, dos quais 125 milhões ainda não tinham sido devolvidos. Agora, por 150 milhões de euros, o Estado vende ao Santander o que de melhor tinha o Banif – depósitos e créditos – e o que o banco tinha de pior – os ativos tóxicos – fica num veículo autónomo, debaixo do controlo do Estado. Foi uma venda com resolução, só que as contas não ficam por aqui.

 

Para que isto fosse possível, o Estado tem de meter mais 2,255 milhões de euros, dos quais 487 milhões do Fundo de Resolução, para capitalizar a parte que vai para o Santander. É preciso acrescentar que os acionistas perdem tudo, até ao último cêntimo. O Banif morreu, os clientes e a estabilidade do sistema estão vivos, António Costa deu a cara, ao contrário de Passos e Maria Luís. Vão dar agora, numa comissão de inquérito, para explicarem porque é que um banco que não tinha problemas de supervisão, de rácios, de almofadas financeiras, acaba a ser vendido assim, à pressa.

 

E em Espanha, pode acompanhar aqui no SAPO24, a grande confusão. O PP ganhou, mas sem maioria absoluta, o PSOE e o Podemos perderam, mas juntos têm mais deputados. Onde é que já vimos isto?

publicado às 10:23

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