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SAPO24 Crónicas

Todos os dias um olhar mais atento a um tema que marca a actualidade. Artigos, análises e crónicas exclusivas no SAPO24.

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Impostos: Você é concorrente. Venha daí jogar

Por: Rute Sousa Vasco

 

Não sou fã de concursos, nunca acreditei na sorte ao jogo e talvez por isso não senti qualquer emoção forte quando, a 6 de fevereiro de 2014, o Governo de Passos Coelho aprovou a criação de um sorteio chamado “Fatura da Sorte” com a finalidade de “valorizar e premiar a cidadania fiscal dos contribuintes”.

 

Mais tarde, nesse mesmo dia, o então ministro da Presidência, Luís Marques Guedes, anunciou que o sorteio fiscal iria ser televisionado e iria ter como prémio um automóvel.

 

Nesta altura, além do meu descrédito no jogo, recordo ter ficado um bocadinho mais amarrotada no meu orgulho enquanto cidadã de um Estado que gere a sua cidadania fiscal na base do jogo, da sorte e da televisão.

 

A verdade é que quem sabe, sabe. Um prémio que passa por juntar cupões por cada dez euros de facturas pedidas e que, no final, promete um carro de topo de gama tocou fundo aos portugueses. É a versão sorte aos impostos no campeonato da sorte ao jogo. E o afã com que, a partir dessa data, vi os cidadãos-contribuintes em cafés, mercearias, cabeleireiros – esses grandes evasores fiscais, com dinheiro nas mais conceituadas off-shores – a solicitar uma factura por aquelas transação de 0,60 cêntimos provou-me que não percebo nada dessa alavanca que move o sentimento de cidadania do povo. Afinal todos queremos ser excêntricos e custa tão pouco, basta uma factura e quem sabe até vou de carrinho dali a uns dias.

 

Parece que não é uma atitude lá muito europeia, mas também, caramba, se não devemos ser carneiros da Europa para umas coisas, também podemos manter as nossas idiossinacrasias noutras. Segundo um estudo da consultora PricewaterhouseCoopers (PwC), divulgado em Abril de 2014, na zona euro apenas a Eslováquia contava também com um sorteio fiscal para estimular a cidadania, atribuindo prémios em dinheiro e automóveis. E com resultados motivadores para os cofres do Estado: nos dois primeiros meses da lotaria, a Eslováquia tinha arrecadado receitas adicionais de IVA na ordem dos 130 milhões. Fora da zona euro, outros países como o Brasil, a Argentina, a Colômbia, Porto Rico ou Taiwan adoptaram soluções idênticas à “Fatura da Sorte” de Portugal.

 

Por cá, segundo dados do ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, citado pelo DN em dezembro do ano passado, a coisa também correu bem. Entre 2013 e 2014, o número de faturas comunicadas ao fisco aumentou 12,3% (passando de 4,28 mil milhões para 4,80 mil milhões) e as faturas com NIF (as relevantes para o sorteio) subiram 36,3 %, ultrapassando 635 milhões.

 

No princípio, a Quercus ainda disse que não era uma medida lá muito sustentável sortear carros de alta cilindrada. E o secretário-geral da Deco criticou um sorteio que considerou uma “versão pimba” do Ministério das Finanças, ou, nas palavras do bastonário da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (OTOC), uma “visão folclórica” pouco dignificante do acto tributário.

 

Quase 100 carros sorteados depois, os factos ficaram à vista: os portugueses são concorrentes ao grande jogo dos impostos e gostam.

 

Até que esta semana aconteceram duas coisas.

 

O portal E-Fatura onde se validam as facturas registadas soluçou por vários dias e bloqueou na recta final do prazo para validação das facturas de 2015. Depois de umas respostas engasgadas e de muita indignação, o Governo anunciou que prolongava o prazo até dia 22 de fevereiro. E, na mesma semana, foi confirmada a substituição dos carros de topo de gama por certificados de aforro. O valor é o mesmo, o aparato é que não.

 

Destas duas ocorrências, ligadas entre si no espírito de cidadania fiscal, há algumas coisas que dão que pensar.

 

A primeira é que os incentivos começam por definir o tipo de políticos que temos mas, no fim do dia, retratam sempre o povo que estes mesmos políticos servem. E explicam muito da perpetuação de tantos vícios e dogmas da governação em Portugal.

 

A segunda é que quando aceitamos ser contribuintes-jogadores, não podemos mudar as regras quando a consola encrava. É aguentar, como dizia alguém, até voltar a jogar.

 

Para mim, que não gosto de sorteios e não acredito em jogos de sorte e azar, resume-se assim: nem jogadores, nem soldados à força do grande exército fiscal. Basta ir ver o Bruno Nogueira e a Manuela Azevedo no espectáculo “Deixem o Pimba em paz” para perceber que o pimba pode ter muita pinta, ser digno e encher salas. A cidadania também.

 

Tenham um bom fim de semana.

 

Sugestões de leitura

 

Agora que estamos oficialmente em contagem decrescente para os Óscares, o Netflix teima em não nos dar sossego. Este Love é mais uma razão para ficar em casa.

 

É um artigo longo do escritor e ex-ministro da Cultura espanhol, César Antonio Molina, mas vale a leitura. É sobre a esperança.

publicado às 11:04

Isso? Já tentámos e não resultou

Por: Paulo Ferreira

 A nossa cultura de despesa, défice e dívida é tão sólida e está-nos tão entranhada que consideramos indigno que alguém nos diga para fazermos aquilo que, à partida, devia partir das nossas instituições, dos nossos governos, de uma generalizada vontade popular: não gastar mais do que se recebe. 

  

“Governo corta mais, Bruxelas diz que não chega”, “Bruxelas pressiona. ‘Mais medidas’ e ‘bom senso’”, “Bruxelas pede medidas adicionais a Portugal”. Nos últimos dois dias os títulos sobre a elaboração do Orçamento do Estado têm andado por aqui. Bruxelas pressiona, Bruxelas exige, Bruxelas pede.

 

Não se sabe como é que esta sessão de “esclarecimento” que o Governo português tem estado a prestar à Comissão Europeia vai terminar. Para já, as mesmas notícias dizem que o “esclarecimento” já vai num aumento dos impostos do selo, dos combustíveis, dos automóveis, das empresas, da banca e do tabaco. Ainda bem que Bruxelas só pediu um esclarecimento. Mau seria que se tratasse da exigência de medidas adicionais para baixar o défice mais do que o esboço de Orçamento previa.

 

O processo não é novo. Durante os quatro anos da troika isto foi uma constante. E se não aconteceu antes, desde os primórdios da nossa participação no euro, foi porque as regras então em vigor não o previam.

 

O que é que isto tem de perverso? Não é a “ingerência”, a “falta de soberania” ou a alegada “chantagem” da Europa. Estamos lá porque quisemos e queremos e porque ganhámos e ganhamos com isso. A perversidade está na nossa absoluta falta de vontade para, de forma voluntária e porque isso é o melhor para nós, equilibrarmos as nossas contas e baixarmos a nossa dívida.

 

Fazer e manter orçamentos equilibrados é um princípio básico de responsabilidade em qualquer lado, ainda que pontual e conscientemente possa haver momentos em que se gasta mais do que se recebe. Mas essas devem ser excepções e não a regra. No Estado e nas empresas, nas instituições e nas famílias.

 

A nossa cultura de despesa, défice e dívida é tão sólida e está-nos tão entranhada que consideramos indigno que alguém nos venha dizer para fazermos aquilo que, à partida, devia partir das nossas instituições, dos nossos governos, de uma generalizada vontade popular.

 

Mas não. Nunca, nem nos momentos das mais gordas vacas gordas conseguimos aproximar-nos durante um mês que fosse desta coisa simples: o Estado gastar apenas tanto quanto cobra de impostos. Ainda que os impostos sejam estratosféricos, como agora acontece, encontramos sempre modo de gastar mais, de fazer défices.

 

Podemos indignar-nos porque a austeridade da troika foi excessiva, cega, recessiva, injusta para muitos. Tudo isso pode ser verdade.

 

Mas o que é que fizemos por nós próprios desde o início dos anos 90? Onde aplicámos as dezenas e milhares de milhões que chegaram de fundos comunitários - pagos pelos contribuintes dos países mais ricos, é bom não esquecer? Onde derretemos a enorme folga orçamental dada pela descida dos juros na segunda metade dessa década, quando os mercados começaram a acreditar que podíamos entrar no euro? E as carradas de dinheiro recebidas pelo Estado com as privatizações nos últimos 30 anos?

 

Isso não nos indigna? Os nossos erros colectivos não nos envergonham? A continuada irresponsabilidade orçamental dos que elegemos para governar não aconteceu? Não fomos nós, no pleno uso da nossa soberania, que criámos o “monstro” que agora não conseguimos sustentar? Alguém nos obrigou a gastar ao ponto de em três décadas e meia precisarmos de três resgates para nos tirar da bancarota?

 

Temos que ter a noção que se alguém falhou fomos nós, antes de mais ninguém. Nós, colectivamente, país independente dotado de instituições, com sectores público e privado, classe política e sociedade civil.

 

Podíamos ter feito de maneira diferente, mas por falta de vontade ou capacidade não conseguimos. Apesar dos avanços nas últimas quatro décadas - o Portugal de 2016 é muito melhor do que o de 1973, apesar do aperto destes dias - temos uma economia pouco produtiva, instituições fracas, uma cultura pouco dada à responsabilidade financeira e orçamental e essa crença entranhada de que podemos gastar à tripa forra porque isso é bom para a economia e garante a nossa prosperidade futura.

 

Não garante, como se vê.

 

Diz agora o novo governo, e muitos o acompanham nisso, que é preciso mudar de política: vamos dar dinheiro às pessoas para elas gastarem e fazer crescer a economia; quanto ao défice, vamos baixá-lo mais devagarinho e mesmo assim só para os “talibãs” de Bruxelas não nos incomodarem demasiado. Mas que óptima ideia. Como é que nunca ninguém se tinha lembrado de tal coisa? Esperem, se calhar já nos tínhamos lembrado e praticado isso. Pois já. Aliás, durante grande parte das útlimas três décadas os governos não fizeram outra coisa senão atirar dinheiro para cima da economia para ver se ela crescia, se se desenvolvia de forma sustentada. Ela cresceu nalguns anos mas depois estagnou, apesar do dinheiro dos contribuintes que continuavam a atirar-lhe para cima.

 

Aqui chegados, já tentámos tudo. Ou quase.

Aumentos de rendimentos sem regra nos sectores público e privado? Já tentámos.

Aumento de subsídios e prestações sociais? Já tentámos.

Corte cego de rendimentos e prestações sociais? Já tentámos.

Nacionalização de bancos falidos? Já tentámos.

Encerramento de bancos falidos? Já tentámos.

Investimento público em betão? Já tentámos.

Corte no investimento público? Já tentámos.

Incentivos ao investimento estrangeiro? Já tentámos.

Choque tecnológico? Já tentámos.

Brutais aumentos de impostos? Já tentámos.

Auto-estradas sem portagens? Já tentámos?

Portagens nas auto-estradas que não as tinham? Já tentámos.

A lista podia seguir.

 

Uma coisa ainda não tentámos com pés e cabeça: dimensionar o Estado a um nível que a economia e os contribuintes possam pagar, permitindo uma descida de impostos para que empresas e particulares não trabalhem maioritariamente para pagar impostos.

 

Ainda não é desta que isso vai acontecer. De quantos resgates precisamos para lá chegar é a questão que sobra. Porque isso vai acontecer. A bem ou a mal.

 

OUTRAS LEITURAS 

  • Por falar em falhanço nas políticas, cá está mais uma à vista. Vamos descer o IVA na restauração mas isso não resolve os problemas do sector, como diz este estudo. E os empresários juram a pés juntos que vão contratar mais pessoas se o IVA baixar, mas temos o volume de negócios mais baixo por empregado da Europa. Faz tudo muito sentido…

  • Não só devíamos saber o custo como saber todos os que recebem a subvenção vitalícia. Não há qualquer razão para que essa informação não seja pública.

 

publicado às 09:17

Boa sorte, Mário Centeno

Por: Paulo Ferreira

 

São 17 os ministros do novo governo e depois ainda virão os secretários de Estado. Mas nem todos têm a mesma importância. Não se trata de desvalorizar uma ou outra área, trata-se apenas de perceber que os danos e as virtudes que ocorram nas várias pastas não têm o mesmo impacto nas nossas vidas.

 

Os ministros indicados para as áreas económicas - Mário Centeno nas Finanças, Manuel Caldeira Cabral na Economia, Vieira da Silva na Segurança Social, Pedro Marques nas Obras Públicas, Maria Manuel Leitão Marques na Modernização Administrativa, Capoulas Santos na Agricultura - são sólidos, com as ideias arrumadas e, em vários casos, com provas dadas noutros governos.

 

Mas, porque continuamos a viver tempos invulgares nas prioridades da governação, entre todos quero destacar Mário Centeno. É dele que vai depender, em grande parte, o sucesso ou insucesso da governação.

 

Este não é mais um governo, na linha dos que se sucederam nas últimas décadas. Não é apenas mais um governo socialista, com as suas virtudes e defeitos, depois de um governo da direita. Este é um governo refém do apoio permanente e expresso de dois partidos que na sua matriz ideológica e programática têm como objectivo a mudança de regime económico, de uma economia de mercado para uma economia controlada pelo Estado.

 

Isso faz toda a diferença e não é preciso ser dotado de poderes adivinhatórios para antecipar que é dessa tensões entre duas formas radicalmente diferentes de olhar para a economia e para o papel do Estado que virão as maiores dificuldades para os governantes e para o país.

 

Mário Centeno estará na primeira linha dessa disputa e é sobre ele que vai recair o encargo de fazer as quadraturas do círculo necessárias para acomodar dentro de um orçamento que cumpra as metas europeias as propostas vindas de quem defende que essas metas europeias não deviam ser cumpridas.

 

Não vai ser fácil, como já se percebeu pelo arranjo que foi necessário para fazer o acordo com o PCP e o BE. Para acomodar o aumento de despesa das medidas exigidas pelos dois partidos mais à esquerda - sobretudo a antecipação do levantamento de medidas de austeridade que, no programa socialista, deviam ocorrer de forma mais faseada - Centeno teve que abdicar de uma medida emblemática no seu plano económico e financeiro: a descida generalizada da Taxa Social Única para a generalidade dos trabalhadores.

 

Os orçamentos exigem que as contas sejam realistas e batam certo, de preferência causando os menores danos possíveis para a economia. Em cima disto, os governos ainda querem fazê-los populares: com distribuição de mais despesa e com menos cobrança de impostos. Actualmente, querer fazer o pleno disto tudo é uma impossibilidade política e aritmética.

 

Mas se fazer orçamentos já é difícil e obriga a decisões duras, pior é executá-os e corrigi-los ao longo do ano. Porque é certo que os desvios vão sempre acontecer e, por regra, são por defeito e não por excesso.

 

Se o PS está mesmo determinado em cumprir aquilo com que se comprometeu e se aprendeu alguma coisa com a sua governação passada, tem que instaurar uma “ditadura das Finanças”. O contexto orçamental já o exigiria mas a natureza dos parceiros de governação obrigam a reforçar o poder do ministro das Finanças. E este tem que ter toda a determinação no uso desse poder.

 

Não foi por acaso que José Sócrates acabou de relações cortadas com o seu ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, que responsavelmente colocou o país à frente dos interesses conjunturais do Governo e do PS e forçou o pedido de ajuda externa. Também não foi uma coincidência que no anterior governo Vítor Gaspar tenha saído a meio do mandato e que a maior crise da coligação tenha ocorrido por causa da política orçamental e da nomeação de Maria Luís Albuquerque em sua substituição.

 

Mário Centeno é tecnicamente sólido e sabe fazer contas. Tem uma abordagem às contas públicas diferente da do governo PSD/CDS mas isso não faz dele um delinquente fiscal. Aliás, se hoje podemos olhar para a política orçamental e perceber alguma margem de manobra para fazer um pouco diferente é porque alguém já fez o trabalho mais “sujo” nos últimos anos, aquele que ninguém gosta de fazer mas que muitas vezes não tem alternativa.

 

Mas o imperativo de um controlo férreo das contas mantém-se e não será uma boa notícia no dia em que esse fusível queimar. Se queimar.

 

 

Outras leituras

 

A Amazon também já é uma empresa de televisão. Das novas, como a Netflix. Para promover uma série espalhou símbolos nazis em Nova Iorque. Claro que causou polémica. Claro que era isso que a Amazom pretendia.

 

Há coisas que só valorizamos devidamente quando as perdemos. A saúde é uma delas. A liberdade é outra. E a tolerância também está nessa lista. Nestes tempos de chumbo é bom que a saibamos manter e valorizar.

publicado às 23:52

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