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SAPO24 Crónicas

Todos os dias um olhar mais atento a um tema que marca a actualidade. Artigos, análises e crónicas exclusivas no SAPO24.

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A medida orçamental mais estúpida do ano

Por: Paulo Ferreira

 Não se entende como se vai discriminar positivamente um sector como o da restauração que, nos últimos anos, tem mostrado uma dinâmica invulgar quando a generalidade das outras actividades está carregada de impostos

 

Chegam a ser comoventes o amor e dedicação demonstrados pelo primeiro-ministro ao sector da restauração, materializados na anunciada descida do IVA aplicado ao sector, que deverá passar de 23% para 13% a partir de Julho.

 

Dir-se-á que se trata do cumprimento de uma promessa eleitoral, só por isso um acto meritório. É verdade. Tão habituados estamos a ver a generalidade das promessas ir parar à gaveta entre o dia das eleições e a tomada de posse dos governos que até estranhamos quando elas são cumpridas.

 

No caso presente, o que se estranha é a sobrevivência desta promessa quando tantas outras foram já arquivadas. Primeiro foi a descida da Taxa Social Única para todos os trabalhadores que ficou pelo caminho. Igual destino teve a mesma medida depois de mitigada pelo acordo à esquerda, quando passou a prever aplicar-se apenas aos trabalhadores com ordenados até aos 600 euros. Esta medida custava 327 milhões de euros por ano. Era cara e, quando Bruxelas obrigou a baixar o défice previsto, foi também colocada na gaveta.

 

Mas o IVA na restauração, que custa 350 milhões por ano, sobreviveu. Primeiro porque iria contribuir para a descida de preços, aumentar o volume de negócios do sector e, assim, criar emprego.

 

Mas a corporação sectorial apressou-se a desenganar os mais incautos: que não esperassem uma descida de preços, alegando que eles não subiram quando o IVA subiu. Não é verdade, como mostram os dados do INE. O IVA subiu em Janeiro de 2012. Pois entre Dezembro de 2011 e Janeiro de 2016, os preços no sector subiram 8,5% - uma subida verificada em grande parte logo no início de 2012. No mesmo período, os preços médios de produtos e serviços em toda a economia aumentaram apenas 1%. Portanto, o sector fez-se pagar pelo aumento do IVA, transferindo quase todo o custo fiscal para os consumidores, como é, aliás, natural.

 

Então o argumentário passou a ser apenas o da criação de emprego. Mas como e porquê? Se os preços não baixarem com a redução de IVA, que aumento da procura virá daí? E sem mais procura por motivos fiscais, para quê mais empregados? E se o sector português já é o que tem o volume de facturação por empregado mais baixo da Europa, o caminho é aumentar a mão de obra?

 

Alguém se anda a enganar nas contas. Ou a enganar-nos nas contas.

 

É normal que um sector que durante anos se habituou em larga medida a viver na “informalidade” - o eufemismo que nos salões bem frequentados se utiliza para dizer “fuga aos impostos” - esteja a conviver mal com os sistemas electrónicos que dificultam a sub-facturação e com o e-factura, que transformou cada cliente num fiscal das finanças.

 

Mas essa é uma adaptação que o sector tem que fazer nas suas práticas. É um mau sinal político colocar a generalidade dos contribuintes a pagar as dificuldades que agora sentem no cumprimento das obrigações fiscais.

 

Que pagamos impostos demasiado elevados, é um facto. Mas isso é verdade na restauração e no vestuário e calçado. Nos electrodomésticos e nos imóveis. Nos combustíveis e nos rendimentos do trabalho.

 

Não se entende como se vai discriminar positivamente um sector que, nos últimos anos, tem mostrado uma dinâmica invulgar quando a generalidade de todas as outras actividades está carregada de impostos.

 

Neste contexto, de austeridade continuada e com aumentos inferiores a um euro para as pensões mais baixas por falta de margem, dar 350 milhões de margem comercial adicional à restauração é, provavelmente, a medida orçamental mais estúpida do ano.

 

Esta é uma promessa que devia estar na primeira linha das que caem por manifesta falta de racionalidade económica e financeira. Só por teimosia política se insiste no erro.

 

OUTRAS LEITURAS 

publicado às 01:28

Há mais vida para além do défice

Por: Paulo Ferreira

Fruto dos necessários entendimentos para chegar ao poder, António Costa trocou a sua “visão para a década” pelo orçamento possível para os próximos nove meses. Pouco ou nada resta dos planos iniciais dos socialistas, que eram um guião consistente, independentemente de se concordar ou não com a sua bondade.

 

Independentemente das motivações de cada partido, esta terça-feira foi, sem dúvida, um dia histórico. Ter um Orçamento do Estado aprovado com os votos favoráveis do Bloco de Esquerda e do PCP é coisa inédita. Não o perfilharam, acham que o documento é modesto para as suas políticas mas não deixaram de o aplaudir de pé quando chegou o momento.

 

Não deixa de ser irónico que os dois partidos que não valorizam a redução do défice - acham mesmo que se ele foi criado é para ser grande - e que sempre criticaram o que chamam de obsessão com esse indicador tenham decidido apoiar o Orçamento que prevê o défice mais baixo da democracia - Bruxelas e mercados “obligent”.

 

É claro que nas contas que os dois partidos fazem há certamente mais vida para além do défice. Há, sobretudo, um governo do PS visto como um mal menor quando a alternativa seria um novo governo PSD/CDS. É sobretudo isso que move a esquerda, o que é absolutamente legítimo.

 

Este Orçamento já foi criticado por tudo e pelo seu contrário, como disse Mário Centeno na semana passada na conferência organizada na semana passada pela Conceito e pelo ISCTE. O ministro das Finanças tem razão. Este orçamento é, ao mesmo tempo, visto como austeritário e despesista. Como irrealista e pouco ambicioso. Como eleitoralista e penalizador dos contribuintes.

 

Provavelmente conseguimos encontrar todos esses traços num documento que teve que ser negociado em dois tabuleiros distintos e com visões opostas do que deve ser o Orçamento do Estado português nesta altura.

 

Primeiro, tivemos a negociação interna à esquerda, que o carregou de despesa e devolução de rendimentos. Depois, foi submetido ao crivo de Bruxelas, que obrigou a uma redução do défice que o Governo resolveu carregando em impostos sobre o consumo.

 

Pelo caminho ficou a estratégia económica que o PS tinha desenhado durante a pré-campanha, de que a política orçamental era um elemento central. Fruto dos necessários entendimentos para chegar ao poder, António Costa trocou a sua “visão para a década” pelo orçamento possível para os próximos nove meses. Pouco ou nada resta dos planos iniciais dos socialistas que eram um guião consistente, independentemente de se concordar ou não com a sua bondade.

 

O orçamento a que chegámos - não se esperam alterações de monta na discussão na especialidade - pode ser, de facto, um pouco de tudo e o seu contrário. Mas uma coisa não é: um instrumento que possa ajudar a relançar a economia, que era a pedra de toque do modelo socialista. 

 

O desafio será agora executar o documento sem derrapagens significativas ou aflitivas, o que já não é pouco. Em caso de necessidade, já sabemos com o que podemos contar. O acordo à esquerda impede que se cortem salários e pensões e que se aumentem os impostos sobre os rendimentos do trabalho. Por isso, os impostos sobre o consumo estão na primeira linha dos sacrificados se forem necessárias novas medidas para atingir a meta do défice. E como não resta muito mais, poderemos também não escapar a uma maior tributação sobre as empresas - alguns sectores? algumas empresas? - e sobre alguns tipos de rendimentos individuais para além dos do trabalho.

 

Bom mesmo era que os astros se conjugassem para que tudo isto fosse desnecessário. Que as nuvens mais negras sobre os mercados de exportação desaparecessem e as empresas portuguesas conseguissem vender mais lá para fora. Que os aumentos de rendimento fossem mesmo dirigidos ao consumo de produção interna e não fossem colocados em poupança ou gastos em bens importados. Que o investimento, sobretudo estrangeiro, subisse para fazer baixar o desemprego. Que a despesa do Estado não derrapasse, como sempre acontece, obrigando a mais aumentos da carga fiscal.

 

É que o lastro da despesa pública fica sempre de uns anos para os outros. E esta só se paga de duas maneiras: impostos hoje ou impostos no futuro. Podemos iludir-nos com a tributação do consumo como alternativa aos impostos sobre os rendimentos. Mas não passa disso mesmo, de uma ilusão. No fim do dia, os impostos são sempre pagos pelos contribuintes. A diferença é que uns são pagos directamente à Autoridade Tributária e os outros são entregues a empresas que depois os entregam ao fisco. Podemos não dar conta deles, mas estamos a pagá-los na mesma.

 

OUTRAS LEITURAS 

 

 

publicado às 10:47

Vão de carrinho...

Por: Pedro Rolo Duarte

 

Houve um tempo em que ter carro era coisa de rico. Reconheço a ideia em filmes dos anos 40 e 50 do século passado, e em muitos romances que recuam a essas décadas. Mas não era nascido na época em que o mundo ocidental considerava o automóvel um objecto de luxo.

 

Quando comecei a ter consciência de mim, na década de 70, o conceito era outro: qualquer um (em rigor, qualquer família…) podia ter o seu automóvel, “devia” ter o seu automóvel, porque havia modelos para todas as bolsas, e a mobilidade individual estava em plena expansão. Era o tempo do Fiat 127, do Opel Corsa, do Citroen AX, do Renault 5 - e a publicidade, que adoro rever (obrigado, You Tube, por existires!), exaltava o lado democrático da acessibilidade, o que me ajudou a crescer sem manias: ter carro era, em si, uma mais-valia - mas a diferença entre um FIAT e um BMW não me impressionava excessivamente…

 

Só voltei a preocupar-me com a questão no começo dos anos 80, quando tirei a carta e me confrontei com o preço dos carros, os seguros, os pneus, as revisões. O automóvel entrou na minha vida como na de toda a geração a que pertenço: indispensável para o trabalho e o namoro, mas uma despesa permanente. Quanto mais pobres, pior: o carro em segunda mão (sempre uma espécie de ovo kinder, nunca se sabia o que lá estava dentro…), os modelos novos baratos (porém cheios de defeitos, que se revelavam ao fim de poucos meses), os seguros muito caros para quem estava em começo de vida. Uma chatice. Quando estava à beira de decidir deixar de ter carro, a década mudou. Chegaram os anos 90.

 

Com eles vieram as modernices nos motores e tabliers, os créditos fáceis, as auto-estradas, e a falsa ideia de que qualquer pessoa, desde que trabalhasse e tivesse um rendimento acima do salário mínimo, podia ter o automóvel dos seus sonhos - desde que os sonhos não subissem a um Aston Martin ou a um Ferrari. Assim se modernizou um parque automóvel (parte boa) de uma população sem dinheiro para o pagar (parte má).

 

A crise, que na década passada decidiu tomar conta das nossas vidas, fez do sonho um tormento. Não foi apenas a impossibilidade repentina de cumprir as prestações e os leasings - foi o Estado a ver no universo automóvel mais um meio de sugar dinheiro para pagar a sua obesidade mórbida: imposto automóvel, portagens, impostos sobre gasolina, circulação, estacionamento pago na via publica. Vale tudo. E esta semana, perante a vergonhaça do Orçamento que chegou a Bruxelas, a resposta não se fez esperar: quem tem automóvel vai pagar mais 19% de impostos (rico ou pobre, tanto faz - coisa de esquerda, não é?!…), a ver se se conseguem arrecadar mais 580 milhões de euros de receita. Parece que vai nascer uma taxa para pagar a circulação entre a garagem do prédio e a rua…

 

Perante mais este atentado a quem vive do trabalho - e usa o carro maioritariamente para esse efeito -, voltei a ponderar deixar de o ter. Estudei percursos, alternativas, transportes públicos disponíveis. Consegui animar-me com a ideia - até me lembrar do pesadelo que vivi no Verão passado, quando achei “genial” a ideia de ir, sempre em transportes públicos, à Praia Grande (a 35 quilómetros de Lisboa), ver o meu filho trabalhar como nadador-salvador. É verdade que cheguei lá. Mas foi às 17:00, depois de três horas de comboios e camionetas. Porquê?

 

Porque o Estado, que decide agora aumentar em 19% os impostos sobre o universo automóvel, é o mesmo que privatiza - e ao fazê-lo, obriga a rentabilizar a quem comprou (isto é, reduzir horários e percursos) - o que era de todos: o transporte público. Com isso, mata as alternativas ao automóvel. Imobiliza os mais pobres, deixa via aberta aos mais ricos.

 

Dispensava com gosto o automóvel, cujo custo mensal é francamente superior ao beneficio que me dá - mas tinha alguma esperança de que uma “maioria de esquerda” cumprisse os desígnios que tradicionalmente lhe reconhecemos, e compensasse esse brutal ataque à classe média com medidas sociais: benefícios e melhorias na rede de transportes públicos. Nem isso sucede.

 

Parecem cheios de vontade de ir de carrinho. Não vai demorar muito tempo.

 

COISAS QUE ME DEIXARAM A PENSAR ESTA SEMANA

 

Confesso: tenho conta de Twitter, mas não uso nem consulto. De vez em quando recebo uns mails de sedução da plataforma, uma vez por outra leio citações na imprensa de pessoas importantes que publicaram coisas no Twitter. Sempre achei que escrever em cima da hora era o mesmo que escrever mal. Mantenho-me distante. Agora, saltam-me matérias, nos jornais e newsletters, pouco simpáticas sobre o Twitter. E até mesmo sobre alternativas como o Telegram. O que se passa?

  

Na segunda-feira que vem há festa no Cais do Sodré, em Lisboa. Festejam-se três anos de poesia dita, cantada, gritada, sussurrada, no bar O Povo. Já uma vez chamei a este encontro semanal “O milagre das segundas-feiras”: “Num país deprimido e triste, onde parece nada acontecer, e só ter sucesso o mínimo denominador comum, o milagres das segundas-feiras d’O Povo é o sinal mais animador da cidade e uma espécie de prova de vida regular da nossa existência”. A ideia mantém-se. E a vitalidade cresce. Um brinde à poesia n’O Povo e a festa mais do que merecida.

  

Para um americano, talvez não seja a mais clara e interessante das fontes - mas para um europeu, para mais pouco ligado a um processo eleitoral intrincado, confuso, e onde muitas vezes se confundem sondagens com eleições primárias, estados representativos com outros marcadamente democratas ou republicanos, e todo o processo eleitoral parece uma roleta de Las Vegas, a cobertura do britânico The Guardian é talvez a mais completa, transparente e esclarecedora, para a eleição deste ano. É a que leio, é o meu conselho.

 

 

 

publicado às 09:24

35 horas: expliquem-me como se eu fosse muito burro

Por: Paulo Ferreira

 Quando se diz que a função pública pode trabalhar menos 12,5% do tempo sem acréscimo de custos, não se está directamente a desvalorizar o trabalho no Estado, a sua qualidade e a produtividade dos funcionários?  Então o que têm os funcionários públicos feito durante as 20 horas mensais adicionais em que estão no local de trabalho? Não trabalham?

 

Ponto prévio. É legítimo e salutar que cada um de nós trabalhe apenas 35 horas por semana ou até menos. Funcionário público ou trabalhador no sector privado, homem ou mulher, novo ou velho, no campo ou na cidade.

 

Uma boa parte dos avanços civilizacionais das últimas décadas ocorreu, precisamente, na melhoria das condições de trabalho, na busca de uma melhor conciliação entre a vida profissional e a vida familiar e pessoal e nos apoios sociais que se desenvolveram para suportar essa mudança.

 

Se a trajectória ideal é esta, a questão que se segue é saber até que ponto podemos trabalhar menos e manter ou aumentar o nível de vida que também ambicionamos. Ou, dito de outra maneira, até que ponto a redução do horário de trabalho não compromete a produção, reduzindo-a ou aumentando o seu custo.

 

A discussão em curso sobre a redução do horário semanal de trabalho de 40 para 35 horas para toda a função pública - há áreas do Estado, como as autarquias, que mantêm as 35 horas - é sintomática de vários dos nossos problemas e vícios. E no final a Função Pública não sai bem na fotografia.

 

O primeiro vício é a qualidade da tomada de decisão.

 

O programa do Governo promete “o regresso ao regime das 35 horas semanais de período normal de trabalho para os trabalhadores em funções públicas sem implicar aumento dos custos globais com pessoal”. É suposto que o Governo prove previamente aos contribuintes, que são quem paga a factura, que o Estado vai, no mínimo, fazer o mesmo com toda a gente a trabalhar menos. Ou seja, que não haverá nem mais uma hora extraordinária paga para compensar a redução de horário nem um trabalhador admitido. É óbvio que isto não será possível, como, aliás, o ministro da Saúde já admitiu para a sua área.

 

Mas é fundamental estimar o custo da medida. O anterior governo, quando aumentou o horário semanal para 40 horas, estimou uma poupança inicial de 200 milhões de euros por ano e depois corrigiu-a para 153 milhões. Não é verdade? Foi menos? Foi mais? Que impacto teve na despesa pública e nos serviços que o Estado presta?

 

O ministro das Finanças tem-se mantido, e bem, no registo “se não houver custos” mas o primeiro-ministro já tratou de fixar uma data, 1 de Julho, para as 35 horas entrarem em vigor. Desconhece-se de que estudos dispõe António Costa que lhe garantam que a premissa do programa do Governo será cumprida. Não tem, obviamente. Mas o que é que isso importa? Depois logo se vê e no final os contribuintes pagam a factura, seja trabalho dentro do horário regular ou extraordinário. Não foi sempre assim?

 

Depois, não deixa de ser extraordinário que um agente económico admita que uma redução de 12,5% do horário dos seus trabalhadores sem equivalente redução de salário é feita sem custos. Então o que têm os funcionários públicos feito durante as 20 horas mensais adicionais em que estão no local de trabalho? Não trabalham? Ou trabalham mas o que produzem não tem valor e é economicamente irrelevante? É indiferente trabalhar sete ou oito horas por dia? Os organismos não precisam de reforços de pessoal para manterem o mesmo nível de serviço? Seguindo a mesma lógica e levando-a ao absurdo, podemos reduzir o horário para 30, 25 ou 20 horas semanais no Estado que o impacto será o mesmo, nulo?

 

Na função pública trabalha-se tão bem e tão mal como na generalidade das empresas privadas. Há de tudo, dos gestores ao último estagiário admitido. Há os incompetentes, os inadaptados, os preguiçosos mas há também profissionais como os melhores de qualquer organização. O problema no Estado é outro e está na ausência de racionalidade económica na decisão de políticas públicas e na forma como é gerido. Há pouca transparência nas contas, não há responsabilização por resultados, a avaliação de mérito é coisa de que ninguém quer ouvir falar e, no final, há sempre mais um imposto que se aumenta para pagar as ineficiências. Como o Estado não vai à falência, as contas não são para aqui chamadas.

 

Mas quando se diz que a função pública pode trabalhar menos 12,5% do tempo sem acréscimo de custos, não se está directamente a desvalorizar o trabalho no Estado, a sua qualidade e a produtividade dos funcionários?

 

Ah, já sei. Isto vai ser conseguido com “ganhos de produtividade”. Portanto, no dia 1 de Julho os serviços do Estado que reduzem o horário de trabalho vão aumentar a sua produtividade em 12,5% ou perto disso. Fantástico. Se o conseguem, porque não o fizeram nos últimos anos e décadas, no que teria sido um enorme contributo para evitar o “buraco” onde nos metemos?

 

Para dificultar um pouco as coisas, porque isto estava fácil demais de gerir, o Governo avança com a redução do horário semanal ao mesmo tempo que torna mais rígidas as regras de trabalho no Estado. Mobilidade de funcionários entre os vários departamentos, diz o Programa do Governo, só de forma voluntária e “sem excluir a adoção de incentivos especiais para este efeito”. Ou seja, mais dinheiro para cima do problema. Como é que o Governo garante que não há mais despesa se para acudir a uma área onde seja necessário reforçar quadros tem de pagar a funcionários que transitem de outros departamentos e, mesmo assim, tudo dependa da vontade destes?

 

Como se não bastasse, na última semana o Governo foi obrigado a assumir perante Bruxelas que vai continuar a reduzir o número de funcionários públicos em função das saídas para a reforma. Segundo as contas das Finanças, deverão aposentar-se este ano cerca de 20 mil trabalhadores o que, aplicando a regra do “só entra um por cada dois que saem” deverão deixar os quadros do Estado 10 mil trabalhadores, em termos líquidos.

 

Seria uma boa notícia se entretanto o Governo não se preparasse para carregar mais nos custos.

 

Menos 12,5% de horas de trabalho, menos 10 mil funcionários, ausência de mecanismos de mobilidade em benefício dos serviços, tudo sem mais despesa e com o mesmo nível de produção e serviços? A piada é boa. Mas agora a sério, quanto é que isto vai custar aos contribuintes?

 

OUTRAS LEITURAS 

  • A TAP fecha rotas? Se o mercado existe outros ocupam rapidamente o lugar deixado livre. Na aviação isso é hoje mais verdade do que nunca, com a liberalização das rotas que nos levam a mais sítios por muito menos dinheiro. 

 

  • Depois de ter desafiado a distribuição, o YouTube entra agora também na produção de conteúdos e hoje estreia quatro séries próprias. É o tradicional modelo de negócio da televisão que está em causa. 

 

publicado às 22:45

Um orçamento eleitoralista em início de mandato

Por: António Costa

 

António Costa mudou as regras de formação de governos e, agora, também mudou a estratégia política que manda executar as medidas impopulares no início dos mandatos... O primeiro orçamento de Costa é eleitoralista, aposta tudo nos funcionários públicos, pensionistas e empresários da restauração e dilui por todos os outros a fatura necessária para pagar o acordo das Esquerdas. Sim, há outro caminho, há sempre alternativas, mas esta austeridade disfarçada, supostamente de Esquerda, não é aquela de que o país precisa, e esse é o principal problema.

 

António Costa tem toda a legitimidade para seguir uma outra estratégia económica e orçamental, diferente daquela que foi seguida pelo anterior governo e mesmo tendo em conta que aquele estava a gerir um país intervencionado. Não é isso que está em causa - tem legitimidade política e formal. É a Democracia, como é a Democracia a crítica a esse caminho, sem ter de se ouvir a acusação de traição à Pátria.

 

 

Aliás, a negociação que Costa e Mário Centeno conduziram com a Comissão Europeia prova a falácia – são tantas! – da intromissão na soberania nacional. O Governo seguiu o caminho que quis, Costa privilegiou os acordos internos à Esquerda, o apoio do BE, do PCP e dos Verdes, e foi buscar as receitas de que se lembrou para tapar o buraco. Impostos, mais de mil milhões, retirados à economia, às famílias e às empresas. Se o ‘enorme aumento de impostos’ de 2013 foi mau, e elevou a carga fiscal para um nível insuportável, o aumento de impostos em 2016 vai ultrapassar o impensável. E com uma enormíssima progressividade.

 

No total, a receita vai ultrapassar os 40 mil milhões de euros. E o peso no PIB aumenta para 37%. Como é evidente, o que entra é muito superior ao que o Governo devolve na sobretaxa de IRS, de cerca de 400 milhões de euros. É assim que promete cumprir um défice de 2,2%, depois de ter anunciado, no esboço do orçamento, um défice de 2,8%.

 

António Costa, na verdade, está a pensar em eleições no curto prazo. Só isso explica que tenha aceite impor tanta austeridade ao país para manter satisfeitos segmentos da população que decidem eleições. Os outros, os que pagam, não sentirão a austeridade diretamente na folha salarial, mas vão pagá-la, sim. E assim, Costa destruiu o seu próprio orçamento, a sua própria lógica, ao ponto de o Governo prever, agora, uma evolução do consumo das famílias a um ritmo inferior ao de 2015. Sim, 2,4% contra 2,6%.

 

O caminho de Costa é mau para todos, até para aqueles que agora beneficia. Só a Função Pública tem uma reversão acelerada dos salários, como fica protegida da mobilidade e até beneficia de melhores condições no acesso à reforma. E vão trabalhar 35 horas por semana. Além de beneficiar da redução da sobretaxa de IRS. Para não falar dos novos impostos sobre as empresas e do que fez ao IRC, uma reforma que tinha dois anos de estabilidade e que estava a provar a sua utilidade. O investimento tinha apresentado um acréscimo de 4,9% em 2015, veremos o que sucederá este ano.

 

A prazo, vamos todos pagar, também os funcionários públicos, uma estratégia que assusta os consumidores e afasta os investidores, os nacionais e os internacionais.

 

As consequências desta estratégia de Costa e Centeno, que até as medidas de incentivo ao investimento deixaram cair, serão notadas nos próximos seis meses. O Governo prevê um crescimento de 1,8% em 2016, afinal, apenas três décimas acima de 2015, o tal ano que servia para mostrar que a estratégia de Passos e da troika foi errada. Gostaria de estar errado, preferia estar errado. Porque se as expectativas se confirmarem, termos uma crise económica e financeira ainda em 2016.

 

PS: António Costa decidiu seguir os conselhos de Passos Coelho. O anterior primeiro-ministro sugeriu a emigração aos que não tinham oportunidades de emprego em Portugal, Costa sugeriu aos que ficam que fumem menos, que usem os transportes públicos e que evitem recorrer ao crédito ao consumo. Moralista, Costa ultrapassou Passos pela direita. Mas quando é que os líderes políticos perceberão que as decisões individuais de cada um são mesmo individuais, e na sua esfera de liberdade? Os políticos são eleitos para governarem, por isso, limitem-se a governar.

 

AS MINHAS ESCOLHAS

 

Ficou do fim de semana, mas não é menos importante. O Estado vai ter 50% da TAP para controlar o que já estava definido no caderno de encargos da privatização e o que era exigido ao consórcio privado, a Humberto Pedrosa e a David Neeleman. Os privados vão continuar a mandar na gestão da companhia, é bem, e o Estado vai ter de renegociar os acordos com a banca. Pedrosa e Neeleman agradecem. O país também, porque o mais importante era mesmo garantir que a gestão executiva da TAP continuasse privada, e com mais capital.

 

E, para início da semana, começa hoje o novo ano chinês, o ano do Macaco. Saiba aqui, no SAPO24, o que significa o novo ano lunar.

publicado às 11:11

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