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SAPO24 Crónicas

Todos os dias um olhar mais atento a um tema que marca a actualidade. Artigos, análises e crónicas exclusivas no SAPO24.

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Há mais vida para além do défice

Por: Paulo Ferreira

Fruto dos necessários entendimentos para chegar ao poder, António Costa trocou a sua “visão para a década” pelo orçamento possível para os próximos nove meses. Pouco ou nada resta dos planos iniciais dos socialistas, que eram um guião consistente, independentemente de se concordar ou não com a sua bondade.

 

Independentemente das motivações de cada partido, esta terça-feira foi, sem dúvida, um dia histórico. Ter um Orçamento do Estado aprovado com os votos favoráveis do Bloco de Esquerda e do PCP é coisa inédita. Não o perfilharam, acham que o documento é modesto para as suas políticas mas não deixaram de o aplaudir de pé quando chegou o momento.

 

Não deixa de ser irónico que os dois partidos que não valorizam a redução do défice - acham mesmo que se ele foi criado é para ser grande - e que sempre criticaram o que chamam de obsessão com esse indicador tenham decidido apoiar o Orçamento que prevê o défice mais baixo da democracia - Bruxelas e mercados “obligent”.

 

É claro que nas contas que os dois partidos fazem há certamente mais vida para além do défice. Há, sobretudo, um governo do PS visto como um mal menor quando a alternativa seria um novo governo PSD/CDS. É sobretudo isso que move a esquerda, o que é absolutamente legítimo.

 

Este Orçamento já foi criticado por tudo e pelo seu contrário, como disse Mário Centeno na semana passada na conferência organizada na semana passada pela Conceito e pelo ISCTE. O ministro das Finanças tem razão. Este orçamento é, ao mesmo tempo, visto como austeritário e despesista. Como irrealista e pouco ambicioso. Como eleitoralista e penalizador dos contribuintes.

 

Provavelmente conseguimos encontrar todos esses traços num documento que teve que ser negociado em dois tabuleiros distintos e com visões opostas do que deve ser o Orçamento do Estado português nesta altura.

 

Primeiro, tivemos a negociação interna à esquerda, que o carregou de despesa e devolução de rendimentos. Depois, foi submetido ao crivo de Bruxelas, que obrigou a uma redução do défice que o Governo resolveu carregando em impostos sobre o consumo.

 

Pelo caminho ficou a estratégia económica que o PS tinha desenhado durante a pré-campanha, de que a política orçamental era um elemento central. Fruto dos necessários entendimentos para chegar ao poder, António Costa trocou a sua “visão para a década” pelo orçamento possível para os próximos nove meses. Pouco ou nada resta dos planos iniciais dos socialistas que eram um guião consistente, independentemente de se concordar ou não com a sua bondade.

 

O orçamento a que chegámos - não se esperam alterações de monta na discussão na especialidade - pode ser, de facto, um pouco de tudo e o seu contrário. Mas uma coisa não é: um instrumento que possa ajudar a relançar a economia, que era a pedra de toque do modelo socialista. 

 

O desafio será agora executar o documento sem derrapagens significativas ou aflitivas, o que já não é pouco. Em caso de necessidade, já sabemos com o que podemos contar. O acordo à esquerda impede que se cortem salários e pensões e que se aumentem os impostos sobre os rendimentos do trabalho. Por isso, os impostos sobre o consumo estão na primeira linha dos sacrificados se forem necessárias novas medidas para atingir a meta do défice. E como não resta muito mais, poderemos também não escapar a uma maior tributação sobre as empresas - alguns sectores? algumas empresas? - e sobre alguns tipos de rendimentos individuais para além dos do trabalho.

 

Bom mesmo era que os astros se conjugassem para que tudo isto fosse desnecessário. Que as nuvens mais negras sobre os mercados de exportação desaparecessem e as empresas portuguesas conseguissem vender mais lá para fora. Que os aumentos de rendimento fossem mesmo dirigidos ao consumo de produção interna e não fossem colocados em poupança ou gastos em bens importados. Que o investimento, sobretudo estrangeiro, subisse para fazer baixar o desemprego. Que a despesa do Estado não derrapasse, como sempre acontece, obrigando a mais aumentos da carga fiscal.

 

É que o lastro da despesa pública fica sempre de uns anos para os outros. E esta só se paga de duas maneiras: impostos hoje ou impostos no futuro. Podemos iludir-nos com a tributação do consumo como alternativa aos impostos sobre os rendimentos. Mas não passa disso mesmo, de uma ilusão. No fim do dia, os impostos são sempre pagos pelos contribuintes. A diferença é que uns são pagos directamente à Autoridade Tributária e os outros são entregues a empresas que depois os entregam ao fisco. Podemos não dar conta deles, mas estamos a pagá-los na mesma.

 

OUTRAS LEITURAS 

 

 

publicado às 10:47

Um orçamento eleitoralista em início de mandato

Por: António Costa

 

António Costa mudou as regras de formação de governos e, agora, também mudou a estratégia política que manda executar as medidas impopulares no início dos mandatos... O primeiro orçamento de Costa é eleitoralista, aposta tudo nos funcionários públicos, pensionistas e empresários da restauração e dilui por todos os outros a fatura necessária para pagar o acordo das Esquerdas. Sim, há outro caminho, há sempre alternativas, mas esta austeridade disfarçada, supostamente de Esquerda, não é aquela de que o país precisa, e esse é o principal problema.

 

António Costa tem toda a legitimidade para seguir uma outra estratégia económica e orçamental, diferente daquela que foi seguida pelo anterior governo e mesmo tendo em conta que aquele estava a gerir um país intervencionado. Não é isso que está em causa - tem legitimidade política e formal. É a Democracia, como é a Democracia a crítica a esse caminho, sem ter de se ouvir a acusação de traição à Pátria.

 

 

Aliás, a negociação que Costa e Mário Centeno conduziram com a Comissão Europeia prova a falácia – são tantas! – da intromissão na soberania nacional. O Governo seguiu o caminho que quis, Costa privilegiou os acordos internos à Esquerda, o apoio do BE, do PCP e dos Verdes, e foi buscar as receitas de que se lembrou para tapar o buraco. Impostos, mais de mil milhões, retirados à economia, às famílias e às empresas. Se o ‘enorme aumento de impostos’ de 2013 foi mau, e elevou a carga fiscal para um nível insuportável, o aumento de impostos em 2016 vai ultrapassar o impensável. E com uma enormíssima progressividade.

 

No total, a receita vai ultrapassar os 40 mil milhões de euros. E o peso no PIB aumenta para 37%. Como é evidente, o que entra é muito superior ao que o Governo devolve na sobretaxa de IRS, de cerca de 400 milhões de euros. É assim que promete cumprir um défice de 2,2%, depois de ter anunciado, no esboço do orçamento, um défice de 2,8%.

 

António Costa, na verdade, está a pensar em eleições no curto prazo. Só isso explica que tenha aceite impor tanta austeridade ao país para manter satisfeitos segmentos da população que decidem eleições. Os outros, os que pagam, não sentirão a austeridade diretamente na folha salarial, mas vão pagá-la, sim. E assim, Costa destruiu o seu próprio orçamento, a sua própria lógica, ao ponto de o Governo prever, agora, uma evolução do consumo das famílias a um ritmo inferior ao de 2015. Sim, 2,4% contra 2,6%.

 

O caminho de Costa é mau para todos, até para aqueles que agora beneficia. Só a Função Pública tem uma reversão acelerada dos salários, como fica protegida da mobilidade e até beneficia de melhores condições no acesso à reforma. E vão trabalhar 35 horas por semana. Além de beneficiar da redução da sobretaxa de IRS. Para não falar dos novos impostos sobre as empresas e do que fez ao IRC, uma reforma que tinha dois anos de estabilidade e que estava a provar a sua utilidade. O investimento tinha apresentado um acréscimo de 4,9% em 2015, veremos o que sucederá este ano.

 

A prazo, vamos todos pagar, também os funcionários públicos, uma estratégia que assusta os consumidores e afasta os investidores, os nacionais e os internacionais.

 

As consequências desta estratégia de Costa e Centeno, que até as medidas de incentivo ao investimento deixaram cair, serão notadas nos próximos seis meses. O Governo prevê um crescimento de 1,8% em 2016, afinal, apenas três décimas acima de 2015, o tal ano que servia para mostrar que a estratégia de Passos e da troika foi errada. Gostaria de estar errado, preferia estar errado. Porque se as expectativas se confirmarem, termos uma crise económica e financeira ainda em 2016.

 

PS: António Costa decidiu seguir os conselhos de Passos Coelho. O anterior primeiro-ministro sugeriu a emigração aos que não tinham oportunidades de emprego em Portugal, Costa sugeriu aos que ficam que fumem menos, que usem os transportes públicos e que evitem recorrer ao crédito ao consumo. Moralista, Costa ultrapassou Passos pela direita. Mas quando é que os líderes políticos perceberão que as decisões individuais de cada um são mesmo individuais, e na sua esfera de liberdade? Os políticos são eleitos para governarem, por isso, limitem-se a governar.

 

AS MINHAS ESCOLHAS

 

Ficou do fim de semana, mas não é menos importante. O Estado vai ter 50% da TAP para controlar o que já estava definido no caderno de encargos da privatização e o que era exigido ao consórcio privado, a Humberto Pedrosa e a David Neeleman. Os privados vão continuar a mandar na gestão da companhia, é bem, e o Estado vai ter de renegociar os acordos com a banca. Pedrosa e Neeleman agradecem. O país também, porque o mais importante era mesmo garantir que a gestão executiva da TAP continuasse privada, e com mais capital.

 

E, para início da semana, começa hoje o novo ano chinês, o ano do Macaco. Saiba aqui, no SAPO24, o que significa o novo ano lunar.

publicado às 11:11

Isso? Já tentámos e não resultou

Por: Paulo Ferreira

 A nossa cultura de despesa, défice e dívida é tão sólida e está-nos tão entranhada que consideramos indigno que alguém nos diga para fazermos aquilo que, à partida, devia partir das nossas instituições, dos nossos governos, de uma generalizada vontade popular: não gastar mais do que se recebe. 

  

“Governo corta mais, Bruxelas diz que não chega”, “Bruxelas pressiona. ‘Mais medidas’ e ‘bom senso’”, “Bruxelas pede medidas adicionais a Portugal”. Nos últimos dois dias os títulos sobre a elaboração do Orçamento do Estado têm andado por aqui. Bruxelas pressiona, Bruxelas exige, Bruxelas pede.

 

Não se sabe como é que esta sessão de “esclarecimento” que o Governo português tem estado a prestar à Comissão Europeia vai terminar. Para já, as mesmas notícias dizem que o “esclarecimento” já vai num aumento dos impostos do selo, dos combustíveis, dos automóveis, das empresas, da banca e do tabaco. Ainda bem que Bruxelas só pediu um esclarecimento. Mau seria que se tratasse da exigência de medidas adicionais para baixar o défice mais do que o esboço de Orçamento previa.

 

O processo não é novo. Durante os quatro anos da troika isto foi uma constante. E se não aconteceu antes, desde os primórdios da nossa participação no euro, foi porque as regras então em vigor não o previam.

 

O que é que isto tem de perverso? Não é a “ingerência”, a “falta de soberania” ou a alegada “chantagem” da Europa. Estamos lá porque quisemos e queremos e porque ganhámos e ganhamos com isso. A perversidade está na nossa absoluta falta de vontade para, de forma voluntária e porque isso é o melhor para nós, equilibrarmos as nossas contas e baixarmos a nossa dívida.

 

Fazer e manter orçamentos equilibrados é um princípio básico de responsabilidade em qualquer lado, ainda que pontual e conscientemente possa haver momentos em que se gasta mais do que se recebe. Mas essas devem ser excepções e não a regra. No Estado e nas empresas, nas instituições e nas famílias.

 

A nossa cultura de despesa, défice e dívida é tão sólida e está-nos tão entranhada que consideramos indigno que alguém nos venha dizer para fazermos aquilo que, à partida, devia partir das nossas instituições, dos nossos governos, de uma generalizada vontade popular.

 

Mas não. Nunca, nem nos momentos das mais gordas vacas gordas conseguimos aproximar-nos durante um mês que fosse desta coisa simples: o Estado gastar apenas tanto quanto cobra de impostos. Ainda que os impostos sejam estratosféricos, como agora acontece, encontramos sempre modo de gastar mais, de fazer défices.

 

Podemos indignar-nos porque a austeridade da troika foi excessiva, cega, recessiva, injusta para muitos. Tudo isso pode ser verdade.

 

Mas o que é que fizemos por nós próprios desde o início dos anos 90? Onde aplicámos as dezenas e milhares de milhões que chegaram de fundos comunitários - pagos pelos contribuintes dos países mais ricos, é bom não esquecer? Onde derretemos a enorme folga orçamental dada pela descida dos juros na segunda metade dessa década, quando os mercados começaram a acreditar que podíamos entrar no euro? E as carradas de dinheiro recebidas pelo Estado com as privatizações nos últimos 30 anos?

 

Isso não nos indigna? Os nossos erros colectivos não nos envergonham? A continuada irresponsabilidade orçamental dos que elegemos para governar não aconteceu? Não fomos nós, no pleno uso da nossa soberania, que criámos o “monstro” que agora não conseguimos sustentar? Alguém nos obrigou a gastar ao ponto de em três décadas e meia precisarmos de três resgates para nos tirar da bancarota?

 

Temos que ter a noção que se alguém falhou fomos nós, antes de mais ninguém. Nós, colectivamente, país independente dotado de instituições, com sectores público e privado, classe política e sociedade civil.

 

Podíamos ter feito de maneira diferente, mas por falta de vontade ou capacidade não conseguimos. Apesar dos avanços nas últimas quatro décadas - o Portugal de 2016 é muito melhor do que o de 1973, apesar do aperto destes dias - temos uma economia pouco produtiva, instituições fracas, uma cultura pouco dada à responsabilidade financeira e orçamental e essa crença entranhada de que podemos gastar à tripa forra porque isso é bom para a economia e garante a nossa prosperidade futura.

 

Não garante, como se vê.

 

Diz agora o novo governo, e muitos o acompanham nisso, que é preciso mudar de política: vamos dar dinheiro às pessoas para elas gastarem e fazer crescer a economia; quanto ao défice, vamos baixá-lo mais devagarinho e mesmo assim só para os “talibãs” de Bruxelas não nos incomodarem demasiado. Mas que óptima ideia. Como é que nunca ninguém se tinha lembrado de tal coisa? Esperem, se calhar já nos tínhamos lembrado e praticado isso. Pois já. Aliás, durante grande parte das útlimas três décadas os governos não fizeram outra coisa senão atirar dinheiro para cima da economia para ver se ela crescia, se se desenvolvia de forma sustentada. Ela cresceu nalguns anos mas depois estagnou, apesar do dinheiro dos contribuintes que continuavam a atirar-lhe para cima.

 

Aqui chegados, já tentámos tudo. Ou quase.

Aumentos de rendimentos sem regra nos sectores público e privado? Já tentámos.

Aumento de subsídios e prestações sociais? Já tentámos.

Corte cego de rendimentos e prestações sociais? Já tentámos.

Nacionalização de bancos falidos? Já tentámos.

Encerramento de bancos falidos? Já tentámos.

Investimento público em betão? Já tentámos.

Corte no investimento público? Já tentámos.

Incentivos ao investimento estrangeiro? Já tentámos.

Choque tecnológico? Já tentámos.

Brutais aumentos de impostos? Já tentámos.

Auto-estradas sem portagens? Já tentámos?

Portagens nas auto-estradas que não as tinham? Já tentámos.

A lista podia seguir.

 

Uma coisa ainda não tentámos com pés e cabeça: dimensionar o Estado a um nível que a economia e os contribuintes possam pagar, permitindo uma descida de impostos para que empresas e particulares não trabalhem maioritariamente para pagar impostos.

 

Ainda não é desta que isso vai acontecer. De quantos resgates precisamos para lá chegar é a questão que sobra. Porque isso vai acontecer. A bem ou a mal.

 

OUTRAS LEITURAS 

  • Por falar em falhanço nas políticas, cá está mais uma à vista. Vamos descer o IVA na restauração mas isso não resolve os problemas do sector, como diz este estudo. E os empresários juram a pés juntos que vão contratar mais pessoas se o IVA baixar, mas temos o volume de negócios mais baixo por empregado da Europa. Faz tudo muito sentido…

  • Não só devíamos saber o custo como saber todos os que recebem a subvenção vitalícia. Não há qualquer razão para que essa informação não seja pública.

 

publicado às 09:17

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