Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

SAPO24 Crónicas

Todos os dias um olhar mais atento a um tema que marca a actualidade. Artigos, análises e crónicas exclusivas no SAPO24.

SAPO24 Crónicas

Todos os dias um olhar mais atento a um tema que marca a actualidade. Artigos, análises e crónicas exclusivas no SAPO24.

Isto não é um país. É um laboratório económico e social

 

“Bandeiras”, “apostas”, “paixões” e “compromissos” é coisa que não nos tem faltado. Uns mais à direita, outros mais à esquerda. Todos a sucederem-se, muitas vezes revertendo os que vinham de trás. O que nunca tivemos foram políticas estáveis que permitam o investimento, o crescimento e a criação de emprego

 

 Como para quase tudo, os brasileiros também têm uma expressão feliz para o eterno fado dos mais desfavorecidos: “Pão de pobre cai sempre com a manteiga para baixo”. As crises podem afectar toda a gente. Mas os que estão económica e socialmente mais vulneráveis, precisamente pelo facto de o estarem, acabam sempre por sofrer um embate maior, venha ele de onde vier.

Com esta profunda crise que passámos não foi diferente e temos agora dados sistematizados que podemos analisar para lá do “achismo” e da reacção de facção ou de ocasião. A Fundação Francisco Manuel dos Santos divulgou a obra multimedia Portugal Desigual que vale a pena conhecer e que, entre outras, responde à pergunta “Quem perdeu mais com a crise?”. O período analisado é entre 2009 e 2014 e a conclusão é que a quebra efectiva de rendimentos foi maior (25% contra 12% na generalidade da população) no patamar mais baixo de rendimentos, até 3628 euros por ano.

Uma quebra que se deve essencialmente ao aumento do desemprego, já que este segmento não foi directamente afectado pelos cortes de salários ou pensões, como o estudo refere. E que não pode ser amortecida por prestações sociais reduzidas num Estado à beira da bancarrota.

Mas se não fosse assim seria certamente de outra forma, porque é a manteiga que dá sempre de caras com o chão sujo.

Agora foram os mais desqualificados e precários os primeiros a sofrer, através do desemprego. Mas há 30 anos, aquando do resgate de 1983-85, também tinham sido os mais pobres a sofrer com a perda de salário real, “comido” em grande parte por uma inflação que tinha chegado aos 30%. Sem poupanças, porque os rendimentos escassos fazem sobrar dias e não dinheiro no final do mês, com mais baixas qualificações e por isso menos ferramentas para encontrarem novos empregos, com vínculos laborais frágeis ou mesmo inexistentes, são sempre estes o elo mais fraco seja qual for o contexto. Já fomos resgatados com moeda própria e controlos de capitais e já fomos resgatados na zona euro e com menos instrumentos de política económica e orçamental à nossa disposição.

Eu acredito que a pobreza e as desigualdades são uma preocupação e prioridade para a generalidade dos políticos e dos partidos. Têm é caminhos muito diferentes para tentar chegar ao mesmo objectivo. Uns mais eficazes do que outros, certamente, no curto e longo prazos. E ninguém tem a “bala de prata”, a solução, a receita que tudo resolve.

Não tem sido, aliás, por falta de tentativas diversas que estamos a falhar. Já nacionalizámos e privatizámos, já regulámos e desregulámos. Já tivemos moeda que desvalorizávamos para ganhar competitividade e já tivemos moeda forte, emprestada da Alemanha. Já apostámos nas qualificações, já nos apaixonámos pela educação, já tivemos “choques” tecnológicos. Já criámos e multiplicámos prestações sociais. Já subimos impostos, todos e mais alguns, para pagar tudo e mais alguma coisa. Já atirámos com investimento público para a economia, um racional e necessário e outro delinqente, que nos deu auto-estradas onde não circulam carros, estádios de futebol onde não se joga à bola, aeroportos onde não aterram aviões. E já cortámos cegamente no investimento público. Já tentámos reduzir os impostos para as empresas e já recuámos na medida. Já tivemos leis laborais mais rígidas e menos rígidas. Já tivemos horários laborais mais longos e mais curtos. Já incentivámos o negócio bancário com bonificações de juros para a habitação e já tivemos que resgatar bancos com dinheiro dos contribuintes. Já apoiámos a construção e o imobiliário e já lamentámos o peso que o sector teve na economia. Já fizemos os livros brancos todos que há para fazer, já chamámos gurus internacionais para nos desenharem “clusters”, já tivemos os PIN - Projectos de Interesse Nacional. A lista, feita de memória, podia continuar. “Bandeiras”, “apostas”, “paixões” e “compromissos” é coisa que não nos tem faltado. Uns mais à direita, outros mais à esquerda. Todos a sucederem-se, muitas vezes revertendo os que vinham de trás.

O que nunca tivemos foram políticas estáveis que permitam o investimento, o crescimento e a criação de emprego. Que não mudem a cada ano, a cada ministro ou, com sorte, a cada legislatura. Que garantam um horizonte de estabilidade a pequenos e grandes empresários, a trabalhadores e pensionistas, a gestores públicos ou privados. Que dimensionem o Estado às capacidades da economia e que libertem o essencial dos seus recursos para as políticas sociais, a redistribuição de rendimentos e para as funções que só o Estado pode exercer.

Demoramos a aprender mas um dia lá chegaremos: a melhor maneira de proteger os que de facto precisam é o crescimento económico e o investimento permitido pela criação de riqueza. Só se distribui o que existe e não temos que ficar surpreendidos que a grande distribuição que ciclicamente fazemos é de pobreza e não da riqueza que não criamos.

Não sei quando nem como vai ser a próxima crise económica e social em Portugal. Mas uma coisa é certa: os mais desfavorecidos continuarão a ser os mais afectados e aqueles que mais dificilmente vão recuperar depois dela. Talvez seja então mais inteligente tentar evitar essa crise, não?

 

 

Outras leituras

  

  • O bom senso tardou mas acabou por chegar. Passos Coelho já não apresenta e credibiliza o livro que nunca teria sido escrito se a sensatez e a decência não estivessem tão mal distribuídas.
publicado às 13:44

A viver no “buraco” é que nós estamos bem

Por: Paulo Ferreira

 

Entretidos em discussões rascas e estéreis entre blocos partidários já perdemos o fio ao essencial (admitindo bondosamente que alguma vez o tivemos): como saímos desta enrrascada que se vai arrastando, uma vezes melhor e outras pior, mas sem que haja uma estratégia entendível que garanta o mínimo dos padrões europeus aos nossos filhos e netos?

 

Portugal e Espanha estão no mesmo barco das sanções europeias. Com números diferentes, é certo, mas sujeitos ao mesmo procedimento e à mesma pressão de Bruxelas para que tomem mais medidas para garantir a descida do défice do Estado.

 

Mas o alarido em Espanha tem sido incomparavelmente menor do que aquele que o tema tem suscitado em Portugal. Basta ver o tratamento e destaque que os principais órgãos de comunicação social espanhós têm dedicado ao assunto para perceber isso.

 

Neste caso, a diferença entre os dois países é simples: ao contrário do que aconteceu por cá, em Espanha não houve mudança de governo e o primeiro-ministro que falhou as metas nos últimos anos é o mesmo que agora está a lidar com as consequências (embora agora em governo de gestão).

 

A partidarização da discussão política em Portugal atinge a náusea por diversas vezes e este caso é um bom exemplo disso, com infantis trocas de acusações sobre quem é o culpado ou quem fez ou não fez o que devia para evitar as sanções.

 

Muito provavelmente, as eventuais penalizações de Bruxelas serão mais simbólicas do que financeiramente efectivas. Nesse sentido, elas terão mais importância para o ordenamento europeu do que para as contas de cada país. A Comissão Europeia está a tentar dar o sinal de que acabou a violação impune de regras, prática seguida em década e meia de limites ultrapassados sem penalizações aos faltosos. A partir daqui, só faltará que todos os países em situações semelhantes mereçam o mesmo tratamento.

 

A reprimenda oficial de Bruxelas pode, de facto, ser mais um prego no caixão da credibilidade do país junto dos mercados, dos analistas, das agências de rating e dos investidores. No fundo, junto de todos aqueles de que dependemos para financiar os défices e o cumprimento das obrigações da dívida.

 

Isto e as associadas condições de competitividade que o país tem ou não tem deviam preocupar-nos bem mais do que as brigas entre o PSD e o PS, que são apenas para consumo interno da opinião pública e mercado eletoral, ou entre o Governo e a Comissão Europeia sobre a necessidade de se avançar com mais medidas este ano que garantam o cumprimento das metas.

 

Neste caso, estamos perante o clássico braço-de-ferro mediático que terá sempre um desfecho, cedo ou tarde. Foi assim com a Grécia mas também com o esboço do orçamento português deste ano, que Bruxelas recusou e obrigou a rever. Com mais ou menos ilusão na execução orçamental, esse momento da verdade chegará sempre. Se não for agora será com a apresentação do orçamento de 2017, daqui a três meses.

 

Entretidos nestas discussões rascas e estéreis entre blocos partidários e com merecidos intervalos lúdicos pelo meio, já perdemos o fio ao essencial (admitindo bondosamente que alguma vez o tivemos): como saímos desta enrrascada que se vai arrastando, uma vezes melhor e outras pior, mas sem que haja uma estratégia entendível que garanta o mínimo dos padrões europeus aos nossos filhos e netos?

 

O mercado caseiro é curto e sempre o será, por mais rendimentos que se reponham mesmo sem que se faça a pergunta sobre como se pagam essas reposições.

 

O investimento, sobretudo estrangeiro e criador de novos projectos e empregos, não aparece. Não é a mesma coisa vender empresas instaladas a chineses ou angolanos ou atrair esses ou outros para construirem de raíz a fábrica, o centro de investigação e desenvolvimento ou o entreposto comercial e logístico para a Europa.

 

A Segurança Social é uma bomba relógio com que continuamos a brincar sem que haja um entendimento mínimo sobre o que fazer. Alegram-nos os 30 ou 40 cêntimos de aumento das pensões mínimas quando o debate devia ser sobre como vão ser pagas todas as pensões na próxima década e nas seguintes.

 

Da racionalização do Estado e da despesa pública deixou de se falar porque se acha que essa é uma conversa dos loucos ortodoxos de Bruxelas ou de alegados neo-liberais. É um erro. A racionalização do Estado não é um fim, é um meio. A margem de manobra fiscal que pode ser dada para atrair investimento virá dessa racionalização. Ninguém consegue pensar e executar uma estratégia se passa os dias focado no desenrascanço e na urgência do pagamento das contas que vão chegar amanhã.

 

É deprimente ir percebendo que não aprendemos com os erros nem nos inspiramos com exemplos que podemos ir buscar a muitos outros países. O mais clássico, salvaguardando as devidas diferenças estruturais, é a Irlanda. Foi resgatada como nós. Cresceu 26% no ano passado  quando contabilizado o fluxo de investimento estrangeiro. Mas mesmo descontando esse efeito atípico, o crescimento foi de 7,8% em 2015. Porque tem um IRC muito baixo e boas condições de competitividade? Claro. Mas são eles que estão errados ou seremos nós?

 

 

Outras leituras

  • Um exemplo do desleixo reinante. O mandato de Carlos Tavares na presidência da CMVM terminou há dez meses. Mas os governos não quiseram, não conseguiram ou não acharam prioritário até agora escolher e nomear um sucessor. Além do desrespeito pessoal, o que fica é o absoluto desprezo pelas instituições e pelo seu regular funcionamento, pelas condições dadas para definir e executar estratégias. Uma vergonha.
  • António Guterres na ONU seria, provavelmente, a pessoa certa no lugar certo. Menos bem remunerado, certamente, mas muito mais prestigiante do que um lugar no Goldman Sachs.

 

 

publicado às 11:45

Já vimos um filme parecido com este

Por: Paulo Ferreira

 A cada dia que passa a Europa torna-se um local mais instável. Em caso de tempestade, a debilidade da nossa economia, das nossas finanças e dos nossos bancos fará de Portugal uma das primeiras vítimas. Tudo isto recomendaria um reforço da cautela, das margens de segurança e de “dinheiro nos cofres” para eventualidades. Mas vamos seguindo o caminho contrário.

 

Sabem aquela sensação de “déjà vu”? Tudo isto não vos faz lembrar nada? Já vimos um filme com um desenvolvimento de enredo muito semelhante a este.

 

Os alertas cada vez mais frequentes e mais ruidosos vindos de fora. São analistas de bancos internacionais, agências de rating, instituições internacionais como a Comissão Europeia ou o FMI e alguns responsáveis europeus. Uns alertam para os riscos de aumento da dívida pública, tornando-a ainda mais insustentável. Outros falam da necessidade de tomar medidas para que o défice orçamental deste ano se cumpra. Todos apontam o optimismo do cenário macroeconómico em que tudo isto está assente.

 

Bastou que um deles tenha sido Wolfgang Schauble, o ministro das Finanças alemão que adoramos odiar, para que a atenção se fixasse no mensageiro e nas suas maquiavélicas intenções e não na mensagem. E esta devia fazer-nos parar para pensar e verificar contas.

 

Já vimos um filme parecido com este, onde o optimismo e a confiança do governo destoava cada vez mais do que estava à volta. Diz-se que a contas estão certas, que não são necessárias mais medidas, que está tudo a correr conforme previsto.

 

Também já vimos no passado que o primeiro-ministro fica cada vez mais isolado nesse papel. O próprio ministro das Finanças fez o alerta, em entrevista ao Público, para a necessidade de corrigir previsões macroeconómicas para este ano. Mas António Costa apressou-se a dizer que “os dados estão lançados e dão contas certas”. Não se sabe quem fez estas contas, se haverá um ministro-sombra das Finanças no próprio Governo que saiba o que mais ninguém parece saber. O que parece evidente é que a uma degradação do cenário económico costuma corresponder uma necessidade de revisão das contas públicas.

 

Outro dado que não é novo é o recurso a imprevistos externos para justificar derrapagens internas. Como se dentro de casa estivessemos a fazer tudo com segurança, consistência e executando um plano com poucos riscos. Nesta matéria, o Brexit ameaça ser o novo “o mundo mudou”. Servirá para justificar tudo e mais alguma coisa.

 

Já vimos um filme parecido com este, onde a cada mês os dados da execução orçamental são festejados e apresentados como prova inequívoca e definitiva de que tudo está no trilho certo. Gostava muito que fosse verdade mas as variações intra-anuais de despesas e receitas não permitem comparações directas. As análises mais detalhadas que foram feitas sugerem mais cautela sobre o andamento das contas públicas. Do outro filme sabemos que as boas execuções orçamentais mensais resultaram invariavelmente em desastres no fim de ano. O mesmo se passava com as emissões de dívida pública, que eram “vitórias” regulares. Como se viu.

 

O filme que vimos no passado não acabou bem, como sabemos. Agora, estamos ainda a tempo de rever o guião, produzindo um daqueles surpreendentes “volte face”. Porque nada é pior do que entrar para ver uma comédia-romântica bem disposta em que tudo só pode acabar bem e sair da sala depois de um desfecho de tragédia.

 

A cada dia que passa a Europa torna-se um local mais instável. O Brexit é um caminho desconhecido, com impactos económicos e financeiros imprevisíveis. Em caso de tempestade, a debilidade da nossa economia, das nossas finanças e dos nossos bancos fará de Portugal uma das primeiras vítimas. Tudo isto recomendaria um reforço da cautela, das margens de segurança e de “dinheiro nos cofres” para eventualidades. Mas vamos seguindo o caminho contrário, esperando que seja o mundo a adaptar-se às nossas contas e não o contrário.

 

Já vimos um filme parecido com este. Esperemos que o desfecho seja radicalmente diferente.

 

Outras leituras

  • Mas há coisas que correm bem, como o turismo. Vamos ver se conseguimos não estragar esta parte?

 

  • Se as forças armadas não conseguem recrutar candidatos num país onde a taxa de desemprego jovem é de 30%, atingindo mais de 100 mil pessoas que até aos 25 anos querem um emprego e não o têm, então a resposta só pode ser uma: as forças armadas estão a fazer alguma coisa de errado.

 

 

publicado às 09:39

A democracia directa tem destas coisas

Por: Paulo Ferreira

 

As lideranças fracas tenderão mais a “chutar para referendo” as decisões que potencialmente dividam o país ao meio, onde o deve e haver da mercearia eleitoral não é claro. E fica sempre bem dizer que se dá “a voz ao povo”

 

A democracia e os seus instrumentos essenciais são uma coisa fantástica enquanto produzem resultados com os quais concordamos. Mas quando vence o “outro lado” o povo passa de inteligente a estúpido, a lucidez foi vencida pelo medo e a seriedade perdeu para o populismo.

 

É sempre mais fácil arrumar a questão desta forma e seguir em frente, do mesmo modo, até à próxima batalha eleitoral. O que dá trabalho e demora tempo é identificar as causas do falhanço, entendê-las e tentar alterá-las.

 

O resultado do referendo britânico foi um abalo que apanhou muita gente de surpresa. As últimas sondagens tinham-nos dito que o “ficar” estaria à frente do “sair” por uma margem que se estava a consolidar. Mas não foi assim.

 

Entristece-me a potencial saída do Reino Unido da União. Sem eles, a Europa não é a mesma coisa. Não só em questões como a dimensão, o poder económico do bloco, o contributo para a defesa comum ou a diplomacia mas, também, porque a voz crítica e desconfiada que os britânicos sempre fizeram questão de manter no palco europeu é, em si mesma, um contributo positivo.

 

Não me parece que alguém ganhe com a saída dos britânicos. Nem os próprios, já que ao estarem fora do euro mantêm já um elevado grau de liberdade nas políticas económicas, monetárias e orçamentais.

 

Mas é mesmo assim. Foi dada a voz ao povo e o povo disse de sua justiça numa decisão de enorme importância que, para muitos, tem contornos trágicos.

 

Nos últimos dias li e ouvi muita gente diabolizar David Cameron por ter convocado o referendo, vendo aí o pecado original deste tema. Certamente que se os 52%-48% (arredondados) tivessem sido ao contrário, o mesmo Cameron estaria a ser elogiado pelos mesmos por ter vencido e arrumado, por muitos anos, a questão sempre latente no Reino Unido da permanência na UE.

 

A utilização dos instrumentos de democracia directa, como o referendo, é das mais complexas e sensíveis.

 

A teoria e o politicamente correcto dizem-nos que quanto mais, melhor. Por princípio, é mais legítimo chamar milhões de cidadãos a tomar uma decisão do que deixá-la nas mãos de umas escassas centenas de deputados que foram eleitos pelo mesmo voto popular mas que podem, em dossiers concretos, fazer um julgamento diferente do da base popular que os elegeu.

 

Mas, por outro lado, transformar a democracia numa sucessão de referendos levar-nos-á a um mundo melhor? Tenho dúvidas.

 

Li por estes dias nas redes sociais um comentário com o qual concordo (lamento, mas já não consigo identificar o autor). Dizia, sobre a utilização de referendos, que se em Portugal se consultassem os eleitores sobre a introdução da pena de morte ou o acolhimento de imigrantes e refugiados talvez tivessemos uma surpresa do “povo dos brandos costumes”. É muito possível que sim, que uma maioria se pronunciasse a favor da primeira e contra o segundo. E isso seriam, a meu ver, dramáticos retrocessos civilizacionais.

 

O que para mim não faz sentido são consultas populares sobre direitos individuais que, quando exercidos por alguém, não interferem na liberdade alheia. Casamento entre pessoas do mesmo sexo e direitos associados, eutanásia, interrupção da gravidez até determinado período ou consumo de drogas leves devem, no meu entender, ser legislados no sentido de maximizar a liberdade e equiparar direitos sem me dar sequer a opção de interferir ou opiniar sobre as opções do meu vizinho. A vida dele é com ele. A minha é comigo.

 

Diferentes são os temas que dizem respeito à organização política do país que, de forma directa ou indirecta, interferem na vida de todos. O grau de envolvimento com a União Europeia, a regionalização ou mudanças profundas no sistema eleitoral são assuntos que a todos dizem respeito porque interferem com a organização da vida colectiva e com as instituições que a decidem e colocam em prática. Ao impacto destas ninguém escapa, para o bem e para o mal.

 

Mas, ainda assim, estes temas devem ser colocados a consulta popular? Isso terá mais a ver com as forças e fraquezas das lideranças políticas do momento do que com níveis de amor à democracia. Líderes fortes, com uma visão estratégica consolidada e com dimensão pessoal e política para suportar as consequências das suas decisões terão mais facilidade em decidir contra aquilo que são os sentimentos da opinião pública. Das lideranças políticas espera-se que estejam melhor habilitadas a tomar decisões complexas e muitas vezes duras, com longas listas de prós e contras, do que o cidadão médio. Foi assim que Helmut Khol fez a reunificação alemã e levou o seu país para o euro ou que Churchill optou por enfrentar Hitler.

 

Já as lideranças fracas tenderão mais a “chutar para referendo” as decisões que potencialmente dividam o país ao meio, onde o deve e haver da mercearia eleitoral não é claro. E fica sempre bem dizer que se dá “a voz ao povo”.

 

Seja como for, o que não se pode nem deve é fazer a pergunta quando não se está disponível para aceitar todas as consequências de uma resposta. Voltando ao Brexit, é isso que tem acontecido demasiadas vezes na União Europeia, com a repetição de referendos até que produzam a resposta “certa”. Essa é também uma das causas que afasta os cidadãos da Europa e repetir novamente o erro não só seria irónico como podia ser ainda mais trágico.

 

Outras leituras

  • “Brexit” é o novo “o mundo mudou”? Claro que, em termos de comunicação política, é um óptimo pretexto para assumir a deparragem das previsões. Se tem grande ou pequeno impacto de facto é uma questão bem diferente.

 

  • Tudo o que vá para além de uma sanção simbólica a Portugal, sem custo financeiro, por violação da meta do défice do ano passado será inaceitável. A menos que a Comissão Europeia queira brincar com o fogo.
publicado às 11:39

Centeno quer mudar o BdP. Boa sorte, senhor ministro

Por: Paulo Ferreira

 O medo de indispor banqueiros vigorava no Banco de Portugal, até porque as portas giratórias entre regulador e regulados não são um exclusivo da política. A supervisão com base nos quilométricos relatórios enviados pelos supervisores era a prática comum, ficando o BdP refém da auto-denúncia. E esperando sentado, claro.

 

O ministro das Finanças deu esta segunda-feira posse aos dois novos administradores do Banco de Portugal, Elisa Ferreira e Luís Máximo dos Santos. Há muito tempo - 24 anos, mais precisamente, quando Braga de Macedo desancou no BdP e levou à demissão do então vice-governador, António Borges - que não assistia a críticas públicas tão fortes de um titular da pasta das Finanças em funções à entidade de supervisão bancária.

 

Foram várias as feridas em que Mário Centeno colocou o dedo durante o discurso que leu na cerimónia - que está aqui na íntegra. O ministro tem boas razões para o fazer.

 

Primeira: “A reputação, que leva décadas laboriosamente a construir, pode ser rapidamente posta em causa”.

Têm sido demasidas, e demasiado grandes, as falências bancárias em Portugal. Entre casos de polícia e má gestão de risco, somamos quatro quedas em sete anos: BPN, BPP, BES e Banif. A Caixa não cai porque os seus accionistas, os contribuintes, têm os bolsos fundos. É impossível não responsabilizar também a supervisão pela proporção que alguns destes casos assumiram. E é difícil não questionar se podemos confiar nas garantias que nos dão sobre os bancos a quem confiamos o dinheiro.

 

 

Segunda: “O Banco de Portugal (…) goza de um estatuto de independência que as economias

desenvolvidas decidiram atribuir aos Bancos Centrais. Esta independência constitui um direito. Mas esse direito tem que ser exercido como um dever. Os Bancos Centrais não se podem tornar entidades isoladas do resto da comunidade.”

 

 

Não é de hoje nem sequer da era Sistema de Bancos Centrais na Europa. Os tiques de “casta” são demasiado antigos no Banco de Portugal, com reflexos vários: nas regalias, nos pornográficos sistemas de pensões vitalicias que terminaram há 10 anos, no desprezo que durante décadas a entidade colocou na supervisão comportamental dos bancos, na forma como eram tratados ou ignorados os clientes que de queixavam dos atropelos das entidades financeiras. Eram demasiado aristocratas e com uma missão demasiado nobre para sujarem as mãos com coisas menores. Uma delas era incomodar os banqueiros que, como se sabe, são só pessoas de bem.

 

 

Terceira: “O Banco Central tem responsabilidades acrescidas de transparência e de informação para com a sociedade”.

Tardou até que o Banco de Portugal reconhecesse falhas e passividade na supervisão. Aconteceu após o caso BES mas, ainda assim, ficou na gaveta a auditoria efectuada à sua actuação. E recordam-se da atitude de Vítor Constâncio na Comissão Parlamentar de Inquérito ao BPN, a fazer lembrar o ministro da Informação de Saddam Hussein? Que estava tudo bem e o BdP tinha atuado com zelo… Continua a aguardar-se uma avaliação séria à estrutura, funções, procedimentos e eficácia da regulação e supervisão do BdP.

 

Quarta: “A supervisão financeira deve atuar de forma preventiva, utilizando a análise de risco disponível, mas sendo também uma fonte de informação à sociedade. Esta função deve ser desempenhada de forma proactiva e, portanto, as autoridades de supervisão financeira devem ser atuantes, não passivas na sua análise de riscos. Devem ser parceiros ativos na gestão dos riscos financeiros e não apenas meros instrumentos de reporte dos riscos passados”.

 

O BdP tem sido uma espécie de Instituto de Medicina Legal do sistema bancário: incapaz de prevenir a sinistralidade, faz depois a autópsia. A cultura de “banqueiro é sempre pessoa de bem”, que cegou Constâncio no BPN, estava muito presente. O medo de indispôr banqueiros vigorava, até porque as portas giratórias entre regulador e regulados não são um exclusivo da política. A supervisão com base nos quilométricos relatórios enviados pelos supervisores era a prática comum, ficando o BdP refém da auto-denúncia. E esperando sentado, claro.

 

Quinta: “A condição primordial de execução de cargos públicos é a sua contínua disponibilidade. Nunca podemos colocar a ambição pessoal em cargos públicos acima dos interesses da nação. Não há instituições que se possam interpretar a si próprias como jangadas de pedra”. De volta ao isolamento e, aqui, arrisco a ver a “alfinetada” mais pessoal do ministro ao governador, conhecidas que são as suas divergências pessoais.

 

Mário Centeno conhece muito bem o BdP - foi de lá que saiu quando decidiu ajudar António Costa na elaboração do programa eleitoral. Faz um diagnóstico que bate certo com as falhas do BdP, que se metem pelos nossos olhos dentro. Mas mais do que mudanças de governador e administradores, é a cultura do BdP que importa mudar. Só pode acabar mal, quando o polícia tem medo e respeita demasiado o delinquente. E foi a isso que assistimos nas últimas décadas.

Boa sorte, senhor ministro.

 

 

Outras leituras

 

  • Depois do BPP e do BES/GES, vêm aí os “lesados da PT”. A troca da Vivo pela Oi feita pela empresa portuguesa há seis anos ameaça ser o negócio mais estúpido de sempre. Mas muita gente enriqueceu com ele.

 

  

 

publicado às 01:41

Não há dinheiro para as pensões mas há dinheiro para a banca?

Por: Paulo Ferreira

 

Uma boa parte da esquerda está agora, com esta experiência de governo, a perder a virgindade nas difíceis opções da governação. Só não perdem a inocência porque esta nunca a tiveram.

 

Este ano a pensão social do regime não contributivo foi aumentada em 0,81 euros, para 202,34 euros. Já o complemento extraordinário de solidariedade subiu sete cêntimos, para 17,61 euros, para quem tem menos de 70 anos, e 14 cêntimos, para 35,20, para os que têm mais de 70 anos.

 

 

Paralelamente, a administração da Caixa Geral de Depósitos vai passar de 14 para 19 membros e, com as alterações que estão a ser preparadas, deverá passar a custar mais 70%. Com o fim do tecto salarial no banco do Estado, o novo presidente, António Domingues, poderá passar a ganhar na ordem dos 46 mil euros por mês - tanto quanto ganhou, em média, no BPI nos últimos três anos. O presidente cessante, José de Matos, ganha 16 mil euros por mês.

 

Está também a ser preparada uma capitalização da instituição na ordem dos 4.000 milhões de euros. Uma boa parte deste montante é para fazer face a perdas na concessão de crédito e a operações como a que financiou Joe Berardo em cerca de 600 milhões de euros para comprar acções do BCP, na década passada.

 

E estamos no meio de uma polémica com a redução do âmbito dos contratos de associação com escolas privadas onde o Estado prevê poupar 30 milhões de euros.

 

Sim, estes argumentos são altamente demagógicos. Colocar estes dados uns ao lado dos outros, comparando-os, é populismo em estado puro. Pessoalmente, até concordo com algumas destas opções do governo. Defendo que o Estado deve pagar bem se quer contratar os melhores para gerir os seus activos. Deve pagar bem e deve fazer depois uma avaliação criteriosa dos resultados desses gestores. E também concordo - já o escrevi - com o príncipio de não duplicar custos a financiar ensino privado se a rede pública tiver capacidade instalada para acolher mais alunos e isso for mais barato para os contribuintes.

 

Satisfeitos estes critérios, não discordo das opções para a liderença da Caixa nem dos cortes no financiamento de turmas em escolas privadas.

 

Se coloquei estes dados lado a lado foi para mostrar como uma boa parte da esquerda está agora a provar do seu próprio veneno. Nada como uma experiência de governo para perceber que as opções nem sempre são fáceis e que não é bom quando nos vemos ao espelho da demagogia. Não há dinheiro para aumentar decentemente as pensões de miséria. Mas há para equipas de luxo no banco do Estado. Não há dinheiro para a educação das nossas crianças. Mas há para acorrer a perdas que esse banco do Estado teve a financiar negócios privados que correram mal e que agora são pagos pelo contribuinte. Tão fácil de dizer, tão bom efeito que estas frases têm. E tão demagógico.

 

Uma boa parte da esquerda está agora, com esta experiência de governo, a perder a virgindade nas difíceis opções da governação. Só não perdem a inocência porque esta nunca a tiveram. Lá no fundo, quando passaram os últimos anos ou décadas a argumentar desta maneira, sabiam que estavam a ser tudo menos inocentes. Mas nem por isso deixaram de o fazer, com a plena consciência do que faziam.

 

O PCP diz que o aumento dos gestores da Caixa “é inaceitável”. Mas lá terá que aceitar.

 

O Bloco de Esquerda “estranha” esse aumento. Mas, como Pessoa disse da Coca-Cola, primeiro estranha-se, depois entranha-se. É uma questão de hábito.

 

Também o PS, sempre de palavra fácil a denunciar injustiças sociais e a prometer que nem mais um tostão iria para a banca, está a caminho de uma média de cerca de mil milhões de euros por mês de governação para acorrer ao sector financeiro (Banif+CGD). E é ouvir agora o PS a defender o aumento de remunerações na administração do banco com o argumento dos “valores de mercado”. Claro, sabemos como é: “you pay peanuts, you get monkeys”. Só descobriram agora?

 

Sapos engolidos, todos dariam um enorme contributo ao pobre funcionamento das nossas instituições se promovessem uma verdadeira auditoria independente à gestão da Caixa no passado. Que abrangesse a última década e meia, por exemplo. Um período em que tivemos governos de vários partidos, várias administrações com vários formatos, uma época pré-crise e outra de crise. Para perceber o que foi feito, por quem, com que objectivos, com que méritos e com que falhas. E tirando consequências legais ou criminais, se as houvesse.

 

Podia ser uma espécie de colocação dos contadores a zero, antes deste novo ciclo. Mas as instituições são fracas, os telhados de vidro são muitos e o regime funciona muito na lógica de “uma mão lava a outra”.

 

Com a generalidade da esquerda agora também integrada no arco da governação e a ser cúmplice destes branqueamentos do passado não há esperança de que alguma coisa mude. Para mal dos nossos pecados.

 

Outras leituras

 

 

  • Diz um estudo da Reuters: "uma segunda onda de disrupção abateu-se sobre as organizações noticiosas a nível mundial, com consequências potencialmente profundas, tanto para os editores como para o futuro da produção jornalística”. Nada que não saibamos já: metade de nós já acede às notícias através das redes sociais. A crise dos media segue dentro de momentos.

 

publicado às 01:30

E para a Caixa não vai nada, nada, nada? Tudo!

 Por: Paulo Ferreira

 Ao recusarem um inquérito parlamentar à Caixa, o que o BE e o PCP nos estão a dizer é que o “assalto” a um banco é legítimo desde que esse banco seja público. Que todos negócios com compadrio político são aceitáveis desde que sejam combinados entre um gabinete ministerial e uma administração por este nomeada

 

Fixemos estes dias porque eles são reveladores.

Estes são os dias em que ficamos a saber que muitos deputados consideram desnecessário e uma perda de tempo perceber o que se passou na Caixa Geral de Depósitos para que volte a ser necessária nova injecção de capital no banco.

 

É impressionante a naturalidade com que se está mais uma vez a ir ao bolso do contribuinte para sanear a banca. Desta vez nem sequer há discussão, apuramento de responsabilidades, avaliação do papel dos supervisores, inquérito a eventual tráfico de influências no passado. Nada.

 

O banco é público. O banco é do Estado. O banco é dos contribuintes. Logo, nesta lógica da batata, nada há a discutir, a apurar, a investigar. É o que sugerem de forma explícita pelo menos os deputados do Bloco de Esquerda e do PCP.

 

Façamos contas. Na última década, o Estado injectou na Caixa 2.950 milhões euros de capital social em várias operações e agora prepara-se para lá colocar mais 4.000 milhões de euros. Só em capital temos, portanto, 6.950 euros. Este é dinheiro seu, caro contribuinte. Dinheiro igualzinho ao que está a ser posto no BPN, no BES ou no Banif. Acredite que as notas de euro que vão para uns são iguais às que vão para outros. E tanto lhe custaram a ganhar umas como outras para depois as entregar ao Estado que, por sua vez, as utiliza em socorro dos bancos.

 

A Caixa recebeu também 900 milhões de euros de ajuda pública igual à que foi feita ao BCP ou ao BPI e que está a ser devolvida, com juros elevados, ao Estado. Não me parece que bem feitas as contas os contribuintes saiam lesados com esta operação. O Estado paga juros à troika pela utilização desta linha - fazia parte dos 12 mil milhões previstos para a banca no programa de resgate - mas cobra juros muito mais elevados aos bancos. Tiremos, por isso, este montante da equação.

 

São, ainda assim, quase 7.000 milhões de euros colocados no banco do Estado em 10 anos. Porquê? O que provocou tamanhas perdas na Caixa? Onde acaba o efeito da crise económica, da má gestão do risco de crédito, do impacto de acontecimentos imprevistos como a crise financeira de 2008 e depois a crise das dívidas europeias desta década? E onde começa o caso político? Que operações de crédito foram feitas por pressão dos governos para ajudar grupos amigos ou que ajudam o partido? Quanto crédito foi concedido sem uma avaliação e aprovação regular do risco? Como se comportou o regulador para com a Caixa ao longo dos últimos anos? Quanto dinheiro foi emprestado aos Berardos desta vida para tomarem de “assalto” o poder de bancos privados? Qual foi o comportamento da Caixa, ao longo de anos, ao lado do BES de Ricardo Salgado, da Ongoing de Nuno Vasconcelos, no chamado “núcleo duro” da Portugal Telecom de Zeinal Bava? Que marca deixou Armando Vara na sua passagem pelo banco? E como se processou a sua transição ao lado de Santos Ferreira para o concorrente privado BCP? Em suma: quanto, desta factura, se deve a pornografia política e partidária?

 

A tudo isto, respondem Bloco de Esquerda e PCP: não há nada a saber. Há que passar o cheque dos contribuintes sem fazer perguntas. Até Mariana Mortágua - por quem, como contribuinte e cidadão, me senti representado na Comissão de Inquérito ao BES, tal foi a sua preparação e pertinência das questões que colocava - desta vez não tem curiosidade sobre o assunto. Ninguém quer saber se Carlos Costa fez todas as perguntas no momento certo às administrações da Caixa? E se Constâncio vigiou como devia ser?

 

É precisamente pelo facto do banco ser público, com administrações nomeadas pelos governos, com tutela política directa, com uma alegada missão de apoio à economia, com assembleias gerais onde não há accionistas que possam questionar a gestão, que o dever de fiscalização dos deputados devia ser maior, mais efectivo e regular. Perante a Caixa os deputados podem e devem ser uma espécie de “representantes dos accionistas”, que são todos os contribuintes. É que estes accionistas estão numa posição de especial vulnerabilidade: nunca têm o poder de decidir o que fazem com o seu próprio dinheiro. Se compram mais acções da Caixa ou não. Alguém, num gabinete ministerial, toma a decisão por eles e assina um decreto. Assim, sem discussão. E está feito. Foi assim que aconteceu com 6.950 milhões de euros em dez anos. Discretamente.

 

O que o BE e o PCP nos estão a dizer é que o “assalto” aos bancos é legítimo desde que esse banco seja público. Que todos os compadrios políticos são aceitáveis desde que sejam combinados em gabinetes ministeriais. Que a “economia de casino” através de um banco privado é do pior que as sociedades têm nos dias que correm mas quando é feita através da Caixa é uma coisa boa. Atenção “jogadores”, perceberam a mensagem?

 

Pois eu não encontro diferenças entre umas e outras. Custam-me tanto os milhões para os privados como para a Caixa porque, provavelmente, muitos destes milhões foram parar aos mesmos bolsos ou a bolsos muito semelhantes. A grande diferença, para já, é que a justiça - lenta e pesada, como sabemos - já está no encalço de alguns dos privados mas duvido que isso venha a acontecer em relação à Caixa. Com a ajuda dos amigos da esquerda, claro. Porque o banco é público, obviamente, e a doutrina diz que tudo o que é público é bom. Ainda que seja igual ao privado.

 

  

Outras leituras

 

  • António Costa garante que o regresso às 35 horas será feito sem custos. Sugiro uma formulação mais correcta: António Costa garante que nunca será possível apurar quanto custa o regresso às 35 horas e, por isso, pode prometer o que quiser.

 

  • Paulo Portas vai para a Mota-Engil. Claro que todos os ex-governantes precisam de ganhar a vida. Estranho é que passem a ganhá-la depois da passagem pelo governo em sectores de actividade pelo qual nunca se interessaram na vida profissional anterior. Se Portas fundasse agora um jornal ou um gabinete de sondagens estaria a retomar a sua carreira. Mas construção civil? A Mota-Engil só está a contratar a sua agenda de contactos…

 

 

publicado às 10:32

Ensina-nos como se faz, Autoeuropa

 

Por: Paulo Ferreira

 

A Autoeuropa é o exemplo mais mediático e de maior dimensão de que muito do nosso fado laboral não tem que ser uma inevitabilidade e que o maniquísmo do “nós contra eles” é um disparate quando o que está em causa é a manutenção de postos de trabalho e o rendimento dos trabalhadores, a vitalidade de unidades produtivas e a sua competitividade global.

 

Numa empresa, trabalhadores e administração chegam a um acordo laboral para responder a variações de encomendas e de produção.

 

Do comunicado divulgado para anunciar o entendimento aparecem, entre outras, duas citações desses responsáveis: a) “Acreditamos que a redução para um turno é uma situação transitória e que o futuro está ao nosso alcance. Queremos também mostrar à casa-mãe que sabemos adaptar-nos às circunstâncias”; e b) “Esta solução permitirá a manutenção do emprego e do rendimento dos colaboradores, sem colocar em causa a produtividade da unidade".

 

A pergunta é: qual destas frases é a da administração e qual é a da Comissão de Trabalhadores?

 

Não é óbvio, contrariando o que estamos habituados. E se soubermos que a primeira frase (a) é a dos trabalhadores e a segunda (b) a que cita a administração, temos a sensação de estar a ver um pouco do nosso mundo ao contrário. A administração a sublinhar a manutenção do emprego e dos rendimentos e os trabalhadores a pensarem no futuro da unidade e na imagem dentro do grupo multinacional. Onde é que já se viu? Viu-se, vê-se, na Autoeuropa, por exemplo.

 

Bem sei que a fábrica portuguesa do grupo Volkswagen é o exemplo fácil que está sempre à mão. Mas só é fácil porque eles, administrações e representantes dos trabalhadores, o têm feito assim de forma continuada, responsável e equilibrada para todos os interessados.

 

Há uns anos, um director-geral da Autoeuropa mostrou-me dados que comparavam a fábrica com outras do grupo VW. A produtividade era das mais elevadas, o absentismo era dos mais baixos e a generalidade dos indicadores de qualidade, eficiência e eficácia estava muito bem situada no ranking global da marca que inclui fábricas em várias geografias, na Europa (Espanha, França, Alemanha, Itália, vários países do Leste da Europa), América Latina ou Ásia.

 

O ambiente laboral, a forma como administração e Comissão de Trabalhadores negoceiam e se entendem, não é seguramente alheia a estes resultados.

 

 

Isto acontece há décadas e tendo como protagonistas vários directores-gerais de várias nacionalidades - alemães, um espanhol, dois portugueses -, o que indicia que mais do que as pessoas, as suas personalidades ou habilidades negociais, há uma cultura no grupo de envolvimento dos trabalhadores na gestão laboral que dá bons resultados.

 

Mas o segredo também está do lado dos trabalhadores, de quem os representa e defende os seus interesses: António Chora, o histórico líder da Comissão de Trabalhadores. Não consta que Chora seja passivo nessa sua tarefa, senão não seria reeleito sucessivamente pelos cerca de 3500 trabalhadores. Também já aconteceu uma proposta de acordo laboral negociada com a administração ter sido rejeitada por uma larga maioria dos trabalhadores, obrigando à sua renegociação, o que mostra que ali ninguém facilita na defesa de direitos e no cumprimento de deveres.

 

António Chora e os seus colegas sindicalistas estão certamente mais preocupados com a Autoeuropa, a sua sustentabilidade e a repartição justa de benefícios do que na criação de focos de instabilidade laboral ou social, reais ou fictícos, que possam abrir o Telejornal e contribuir para a impopularidade mediática dos governos. E prestam contas aos seus pares trabalhadores da empresa sem a preocupação de mostrar serviço político a qualquer Comité Central partidário ou à direcção de uma central sindical, como acontece com os representantes dos trabalhadores em tantas outras empresas.

 

A Autoeuropa é o exemplo mais mediático e de maior dimensão de que muito do nosso fado laboral não tem que ser uma inevitabilidade. Que a produtividade pode ser tão boa ou melhor do que na generalidade dos países, que a formação permanente é fundamental, que uma gestão que responda também aos anseios dos colaboradores, envolvendo-os, tem bons resultados, e que o maniqueísmo do “nós contra eles” é um disparate quando o que está em causa é a manutenção de postos de trabalho e o rendimento dos trabalhadores, a vitalidade de unidades produtivas e a sua competitividade global.

 

Num momento em que assistimos a conflitos laborais mal resolvidos - veja-se o desfecho do caso dos estivadores, que conseguiram essa coisa fantástica que é impedir as empresas de contratar novos trabalhadores - e a decisões tomadas a régua e esquadro que vão custar muito dinheiro aos contribuintes - a sinuosa gestão do regresso às 35 horas no Estado - os protagonistas da Autoeuropa podiam ajudar ainda mais o país ensinando como se fazem as coisas bem feitas. Bem sei que a missão deles é construir automóveis, mas só lhes podemos ficar gratos por mais esse esforço adicional.

 

 

Outras leituras

 

  • Marcelo, lentamente, a começar a marcar a agenda. Isto vai ser muito mais do que banhos de multidão e simpatia distribuida a todos.
publicado às 10:33

Primeiro estranha-se. Depois entranha-se?

 

 Por: Paulo Ferreira

 

As coisas são como são e a absoluta falta de manobra dos governos nacionais está nos caminhos em que esses governos - passados e presentes - se foram metendo, hipotecando a soberania durante muitos e duros anos.

 

O ritual é conhecido. As certezas absolutas das campanhas eleitorais e dos programas partidários passam rapidamenta a dúvidas quando se chega ao poder para acabarem em impossibilidades práticas.

 

Como a realidade é mais rígida do que as intenções e a possibilidade de se moldar o contexto da governação é mínima, são a prática e o discurso político que se vão alterando.

 

É a isto que estamos a assistir nos primeiros seis meses deste governo. Porque há Bruxelas e metas a cumprir. Porque há dívida para continuar a fazer e agências de rating decisivas na fixação de juros. Porque estamos dependentes da vontade de investidores. Porque há um contexto económico externo que não controlamos e não está fácil. Porque a matemática não é dada a caprichos nem ilusões.

 

Querendo, podemos espreitar o que se está a passar na Grécia e conferir com as intenções iniciais do Syriza para perceber como uma coisa está nos antípodas da outra. Depois de um referendo que recusava mais austeridade e de uma eleições que renovaram o mandato de Alexis Tsipras para o aplicar, tudo está a ser feito ao contrário. E não é, certamente, por falta de vontade política do governo grego em fazer diferente que o novo pacote de austeridade prevê cortes de 5,4 mil milhões de despesa do Estado, com uma reforma do sistema de pensões semelhante ao de governos anteriores, com cortes avantajados nos pagamentos aos reformados. O Syriza pode ser acusado de muita coisa mas entre elas não está o “radicalismo ideológico de direita” ou o “neoliberalismo”.

 

É esta a realidade que o Governo português começa a conhecer, depois das ilusões de campanha eleitoral e do primeiro esboço orçamental que Bruxelas mandou para trás.

 

Entre os compromissos europeus e as reivindicações do Bloco de Esquerda e do PCP ou as ilusões de muitos socialistas, valem mais os primeiros, como é evidente. O equilibrismo contabilístico é notório na tentativa de os cumprir, escondendo, ao mesmo tempo, que não há um rumo tão diferente como o que, bem ou mal, seguíamos nos últimos anos.

 

A conjuntura dá sinais de não querer ajudar. As exportações caem, o desemprego não há maneira de descer, a dívida sobe. Não se trata de responsabilizar este governo, que com seis meses de funções ainda não teve tempo para fazer o certo ou o errado de forma notória. Mas é preciso ter a noção que a realidade é quase sempre mais madastra do que as ilusões programáticas e ideológicas.

 

Neste contexto difícil e de equilíbrios frágeis, não deixa de ser interessante assitir ao caminho de adaptação que os discursos políticos estão a fazer. A fundação de um novo modelo para o crescimento económico já ficou para trás e agora só se fala na recuperação de rendimentos. Porque se devolveram salários à função pública mais depressa do que estava previsto e porque se aumentou o salário mínimo, esta é a bandeira que pode ser empunhada. É coisa pouca para a enorme ambição que se apresentava há seis meses, até porque a devolução à função pública é feita com o aumento de impostos sobre o consumo e o aumento do ordenado mínimo terá um custo de mais desemprego.

 

As coisas são como são e a absoluta falta de manobra dos governos nacionais está nos caminhos em que esses governos - passados e presentes - se foram metendo, hipotecando a soberania durante muitos e duros anos.

 

Anúncios do fim da austeridade e da fundação de uma nova ordem económica europeia vamos tendo de forma abundante. Primeiro foi Françoise Hollande. Depois Alexis Tsipras e Varoufakis. Agora António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa. Todos com condições políticas internas para fazerem as mudanças que defendiam e defendem. Todos, afinal, sem condições para fazer grande coisa e para demonstrarem que há alternativas.

 

Dir-se-á que é preciso que novos tempos como este alastrem a outros países, a outros governos, para que a mudança seja possível. Nomeadamante, acrescento eu, à Alemanha, Holanda, Áustria ou Finlândia.

 

Nesse cenário há uma pergunta que sobra: quem, então, será o garante de estabilidade e credibilidade que vai permitir continuar a pedir dinheiro emprestado, a financiar resgates ou a transferir pacotes de fundos comunitários?

 

 

Outras leituras

 

  • O Brasil é um bom caso para se estudar o que pode acontecer a um país rico em recursos quando as instituições e as elites políticas não funcionam. A crise seguirá, com ou sem Dilma.

 

publicado às 11:01

Mulheres e mães: por que não uma TSU mais baixa?

 Por: Paulo Ferreira

 

Se as empresas fazem contas aos custos da maternidade, vamos então jogar com as mesmas regras: tornar os custos salariais das mulheres mais baixos na fatia que reverte para o Estado

 

 

Estamos em pleno Inverno demográfico e, apesar das notícias animadoras que nos dizem que no ano passado nasceram mais bebés em Portugal, nada nos garante que isso seja o início de inversão da tendência que se arrasta há décadas. O relatório “Determinantes da Fecundidade em Portugal”, realizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e pelo Instituto Nacional de Estatística - declaração de interesses: integrei a equipa que, a partir desse documento, criou e produziu a obra digital Nascer em Portugal - foi à procura das motivações que nos levam a ter ou não ter (mais) filhos.

 

As questões económicas e financeiras são importantes, naturalmente. Se no passado - perdoem-me o linguajar economicista - os filhos eram um activo representado em mais braços para ajudar nas actividades familiares, hoje são um passivo a quem queremos proporcionar todo o conforto e condições para serem excelentes pessoas e profissionais realizados. Mas são, naturalmente, o passivo mais querido do mundo.

 

Mas depois há as condicionantes mais imateriais: o tempo que se tem ou não para os acompanhar e ver crescer, a articulação entre o trabalho e a família ou a divisão de tarefas domésticas.

 

Não é a primeira vez que este tema me ocupa nestas crónicas - em Dezembro escrevi este Quotas e direitos, homens e mulheres e, por coincidência, na mesma altura Luis Aguiar-Conraria escreveu no mesmo sentido no Observador - e agora retomo no ponto em que então acabei.

 

Atalhando, é bem vindo o alargamento de direitos e benefícios que se começam a discutir - aumento da licença de maternidade para seis meses e paga a 100%, nova licença pré-parto de duas semanas e por aí fora - mas teme-se o impacto que isso possa ter noutro plano importante: a igualdade de tratamento e de oportunidades no local de trabalho.

 

Sabemos das disparidades salariais que há entre homens e mulheres para tarefas iguais, sabemos da discriminação que há em relação a mulheres grávidas, sabemos como muitos empresários e gestores com visão medieval fazem contas de merceeiro quando se trata de contratar um homem ou uma mulher, sobretudo jovens. Provavelmente, mais cedo ou mais tarde ela vai ter filhos e isso tem óbvias implicações na dedicação às tarefas profissionais.

 

É estúpido, mas é assim. E isto não se muda numa ou duas gerações. Provavelmente nunca se vai alterar de forma aceitável.

 

A lei pode fazer muita coisa para tentar equilibrar direitos mas há uma coisa que não pode mudar: a biologia. A gravidez e a amamentação é delas e não deles.

 

Mas se as regras não mudam a biologia, podem, pelo menos, ajudar a esbater diferenças. Aos olhos dos gestores e empresários de vistas mais curtas, enquanto o “custo” da maternidade for essencialmente da mulher, elas estarão em desvantagem. E quanto mais se aumentar esse “custo” - porque é assim que muitos vêem alguns direitos - maior será a desvantagem delas.

 

Tão importante como alargar licenças de maternidade seria obrigar - sim, obrigar - o pai a gozar idêntica ausência do trabalho. Não é fácil? Pois não.

 

Mas já que se fala tanto da alteração da Taxa Social Única e para tudo e mais alguma coisa será que o Estado não podia usar esse instrumento para tentar anular estas diferenças?

 

A ideia é simples. É facil saber com mediana exatidão qual é a probabilidade de uma mulher que tem hoje 20 anos ser mãe aos 25, aos 30 ou aos 35. E é fácil, a partir daí, fazer uma estimativa média das ausências e custo laboral associado. Se baixarmos a TSU das mulheres e/ou aumentarmos a dos homens nessa porporção, as motivações economicistas e de vistas curtas na contratação e desenvolvimento de carreiras deixam de fazer sentido, em grande parte. Se as empresas fazem contas aos custos, vamos então jogar com as mesmas regras: tornar os custos salariais das mulheres mais baixos na fatia que reverte para o Estado.

 

Se ao longo de uma carreira profissional o custo salarial de uma mãe de dois ou três filhos for semelhante ao de um pai com os mesmos dois ou três filhos talvez alguma coisa possa mudar.

 

Discriminação? Mas ela já é feita nos seguros automóvel - parece que eles batem mais e, por isso, pagam mais - ou nos seguros de saúde e de vida - elas são mais saudáveis e vivem mais anos e, por isso, pagam menos.

 

Nada, mas nada, terá no futuro um custo maior do que uma população envelhecida como a que estamos a construir.

 

 

Outras leituras

 

 

publicado às 10:25

Arquivo

  1. 2016
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2015
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D