“Bandeiras”, “apostas”, “paixões” e “compromissos” é coisa que não nos tem faltado. Uns mais à direita, outros mais à esquerda. Todos a sucederem-se, muitas vezes revertendo os que vinham de trás. O que nunca tivemos foram políticas estáveis que permitam o investimento, o crescimento e a criação de emprego
Como para quase tudo, os brasileiros também têm uma expressão feliz para o eterno fado dos mais desfavorecidos: “Pão de pobre cai sempre com a manteiga para baixo”. As crises podem afectar toda a gente. Mas os que estão económica e socialmente mais vulneráveis, precisamente pelo facto de o estarem, acabam sempre por sofrer um embate maior, venha ele de onde vier.
Com esta profunda crise que passámos não foi diferente e temos agora dados sistematizados que podemos analisar para lá do “achismo” e da reacção de facção ou de ocasião. A Fundação Francisco Manuel dos Santos divulgou a obra multimedia Portugal Desigual que vale a pena conhecer e que, entre outras, responde à pergunta “Quem perdeu mais com a crise?”. O período analisado é entre 2009 e 2014 e a conclusão é que a quebra efectiva de rendimentos foi maior (25% contra 12% na generalidade da população) no patamar mais baixo de rendimentos, até 3628 euros por ano.
Uma quebra que se deve essencialmente ao aumento do desemprego, já que este segmento não foi directamente afectado pelos cortes de salários ou pensões, como o estudo refere. E que não pode ser amortecida por prestações sociais reduzidas num Estado à beira da bancarrota.
Mas se não fosse assim seria certamente de outra forma, porque é a manteiga que dá sempre de caras com o chão sujo.
Agora foram os mais desqualificados e precários os primeiros a sofrer, através do desemprego. Mas há 30 anos, aquando do resgate de 1983-85, também tinham sido os mais pobres a sofrer com a perda de salário real, “comido” em grande parte por uma inflação que tinha chegado aos 30%. Sem poupanças, porque os rendimentos escassos fazem sobrar dias e não dinheiro no final do mês, com mais baixas qualificações e por isso menos ferramentas para encontrarem novos empregos, com vínculos laborais frágeis ou mesmo inexistentes, são sempre estes o elo mais fraco seja qual for o contexto. Já fomos resgatados com moeda própria e controlos de capitais e já fomos resgatados na zona euro e com menos instrumentos de política económica e orçamental à nossa disposição.
Eu acredito que a pobreza e as desigualdades são uma preocupação e prioridade para a generalidade dos políticos e dos partidos. Têm é caminhos muito diferentes para tentar chegar ao mesmo objectivo. Uns mais eficazes do que outros, certamente, no curto e longo prazos. E ninguém tem a “bala de prata”, a solução, a receita que tudo resolve.
Não tem sido, aliás, por falta de tentativas diversas que estamos a falhar. Já nacionalizámos e privatizámos, já regulámos e desregulámos. Já tivemos moeda que desvalorizávamos para ganhar competitividade e já tivemos moeda forte, emprestada da Alemanha. Já apostámos nas qualificações, já nos apaixonámos pela educação, já tivemos “choques” tecnológicos. Já criámos e multiplicámos prestações sociais. Já subimos impostos, todos e mais alguns, para pagar tudo e mais alguma coisa. Já atirámos com investimento público para a economia, um racional e necessário e outro delinqente, que nos deu auto-estradas onde não circulam carros, estádios de futebol onde não se joga à bola, aeroportos onde não aterram aviões. E já cortámos cegamente no investimento público. Já tentámos reduzir os impostos para as empresas e já recuámos na medida. Já tivemos leis laborais mais rígidas e menos rígidas. Já tivemos horários laborais mais longos e mais curtos. Já incentivámos o negócio bancário com bonificações de juros para a habitação e já tivemos que resgatar bancos com dinheiro dos contribuintes. Já apoiámos a construção e o imobiliário e já lamentámos o peso que o sector teve na economia. Já fizemos os livros brancos todos que há para fazer, já chamámos gurus internacionais para nos desenharem “clusters”, já tivemos os PIN - Projectos de Interesse Nacional. A lista, feita de memória, podia continuar. “Bandeiras”, “apostas”, “paixões” e “compromissos” é coisa que não nos tem faltado. Uns mais à direita, outros mais à esquerda. Todos a sucederem-se, muitas vezes revertendo os que vinham de trás.
O que nunca tivemos foram políticas estáveis que permitam o investimento, o crescimento e a criação de emprego. Que não mudem a cada ano, a cada ministro ou, com sorte, a cada legislatura. Que garantam um horizonte de estabilidade a pequenos e grandes empresários, a trabalhadores e pensionistas, a gestores públicos ou privados. Que dimensionem o Estado às capacidades da economia e que libertem o essencial dos seus recursos para as políticas sociais, a redistribuição de rendimentos e para as funções que só o Estado pode exercer.
Demoramos a aprender mas um dia lá chegaremos: a melhor maneira de proteger os que de facto precisam é o crescimento económico e o investimento permitido pela criação de riqueza. Só se distribui o que existe e não temos que ficar surpreendidos que a grande distribuição que ciclicamente fazemos é de pobreza e não da riqueza que não criamos.
Não sei quando nem como vai ser a próxima crise económica e social em Portugal. Mas uma coisa é certa: os mais desfavorecidos continuarão a ser os mais afectados e aqueles que mais dificilmente vão recuperar depois dela. Talvez seja então mais inteligente tentar evitar essa crise, não?
Outras leituras
O bom senso tardou mas acabou por chegar. Passos Coelho já não apresenta e credibiliza o livro que nunca teria sido escrito se a sensatez e a decência não estivessem tão mal distribuídas.
Estamos quase todos à espera e o sentimento é mais de ansiedade ou até de temor do que de ilusão e esperança. Nem me refiro ao que se vive dentro de Portugal onde, apesar de tendências para alguma baixeza assaltar o espaço de discussão pública, as tensões dos últimos anos parecem atenuadas. O sobressalto é o que está à nossa volta, fora de portas, mas a determinar a vida de todos.
Andámos muitos anos a ouvir falar de integração europeia – e isso trouxe aos portugueses desenvolvimento e incomparavelmente melhor qualidade de vida. Agora constatamos a desintegração europeia. Até uma voz de topo como é a da chanceler Merkel assume que a Europa vive fase crítica. A Europa tornou-se um condomínio onde todos discutem, onde uns têm poderes que escapam aos outros e onde não há a solidariedade nem o melhoramento social que foi o fundamento da União. A atmosfera não está propícia para a boa convivência nem para os ideais.
Há uma pergunta fundamental: como é possível que o ideal europeu, que chegou a ser tão entusiasmante, se tenha transformado em algo que gera tanta repulsa que já levou os britânicos a votarem pelo divórcio enquanto em muitas partes da Europa crescem as forças nacionalistas e anti-europeias? As causas são certamente muitas. Algumas passam pela memória que se apaga, outras por desconfortos na vida de agora.
Na memória, efeito de décadas de prosperidade e paz, está a diluir-se o sentimento de insegurança bélica do pós- Segunda Grande Guerra (39-45) que tinha levado Churchill, há precisamente 70 anos (setembro de 1946), a pronunciar em Zurique o famoso discurso em que, com o estatuto de vencedor moral e material do nazismo, apelou à criação dos Estados Unidos da Europa. Esse esquecimento do fantasma da guerra tende a ser um erro perigoso, até porque as últimas décadas têm mostrado, dos Balcãs à Ucrânia, como a guerra permanece como ameaça dentro do continente europeu. E crescem fricções que podem gerar mais faíscas.
O desconforto da vida europeia de agora passa pelas sucessivas crises. Há culpas atiradas sobre a mal planeada introdução do Euro no 1º de janeiro de 2002. Há o desastre que veio com o colapso financeiro de 2007 e as políticas de dura austeridade impostas a seguir, penalizando em especial as pessoas dos países da Europa do Sul com desemprego, involução da qualidade de vida e crescendo da desesperança. Há a crise suscitada pelo acolhimento – que é nosso dever – dos refugiados e a amálgama que mistura tradições diferentes com terrorismo. Também há a reconhecida grande falta de estadistas, políticos visionários capazes de instalar confiança e futuro.
Woody Allen disse uma vez que a vocação do político de carreira é fazer de cada solução um problema. Talvez se tenha inspirado em Ezra Pound que teorizava que governar é a arte de criar problemas cuja solução é um enredo que agarra os cidadãos. Imagino que o caso presente na Europa nem tenha tanta sofisticação, tão medíocres têm sido várias das personagens de topo. Merkel revelou-se no último ano, para muitos (sou um deles) com surpresa, uma estadista que respeita o valor fundamental da tolerância, com a sua corajosa política de acolhimento de refugiados. É uma opção com alto preço político: há duas semanas caiu para terceiro lugar e foi ultrapassada pelo pior adversário, o partido xenófobo AfD, no seu estado natal de Meclenburgo-Pomerânia, e neste domingo caiu cinco pontos descendo para 18% em Berlim, a capital governada pelo SPD. Não perdeu a calma nem o discurso, repetiu que a Alemanha não pode abandonar a Grécia e a Itália sozinhas com os refugiados, embora não possa voltar a receber um milhão de migrantes num só ano.
Merkel representa neste desafio do acolhimento o melhor do espírito europeu. É o oposto de Marine Le Pen. É de notar que são mulheres quem lidera as duas frentes políticas que se confrontam sobre valores fundamentais na Europa. E ambas têm eleições cruciais no ano que vem.
A prova das urnas, quando sopram corrosivos ventos nacionalistas, parece estar a ser um condicionamento para a procura de soluções europeias. A França tem presidenciais e legislativas em abril do ano que vem: Hollande está com muito pouco espaço, o confronto tende a ser entre o moderado Juppé e a populista le Pen. A Alemanha tem legislativas daqui a um ano e Merkel pode perder o poder. No horizonte mais imediato está o referendo anti-refugiados promovido por Orban na Hungria (é tempo de a Europa seguir a sugestão luxemburguesa de afastar a Hungria do clube europeu, não partilha os ideais fundamentais) e a repetição da finalíssima das presidenciais na Áustria, com o líder da extrema-direita à frente nas sondagens. A direita populista também tem promessa de avanços nas eleições holandesas. Acresce para este frustrante bloqueio europeu o referendo constitucional em Itália, decisivo para o governo de Renzi, um dos líderes – com Costa e Tsipras - de uma alternativa da Europa do Sul e o impasse político em Espanha.
Quando Merkel falou de Europa em estado crítico talvez não quisesse chegar ao ponto de dizer que a Europa está em coma assistido. Mas o tempo da União Europeia pode estar a esgotar-se. O risco sério é o de desintegração mas ainda há esperança, pode haver energia e sonho para uma refundação. A dúvida é: quem pode liderar e como uma ambição assim?
A atual União Europeia está estilhaçada. De modo simplista há quatro partes principais: há o diretório franco-alemão que às vezes integra a Itália e que pretende impor a sua vontade muito germânica; há a linha dura do Norte encabeçada pela Finlândia e vários acólitos; há o grupo EuroMed que envolve os países do sul agora governados à esquerda, de Portugal à Grécia, incluindo França, Itália, Malta e Chipre – também a Espanha que, invocando estar com governo interino, mandou um secretário de Estado para a representar na cimeira de Atenas; e há o grupo de Visegrado, quatro países do Leste, Polónia, Hungria, República Checa e Eslováquia, que levantam um muro contra os migrantes.
Vários destes países da Europa Central e de Leste agem como se a União Europeia já não contasse – embora tenham sido grandes beneficiários dos fundos europeus. Funcionam com modelos assentes no baixo custo do trabalho e salários reduzidos. Grande parte da força económica dos tigres da Europa de Leste decorre de terem beneficiado do calendário: tiveram o fôlego dos fundos de solidariedade quando o resto da Europa apanhou com os apertos orçamentais do Pacto de Estabilidade. As economias de Leste crescem todas acima dos magros 1,6% da média da zona euro. A Polónia cresceu 3,7% e a Roménia 4,2% no ano passado. É facto que a Irlanda, nossa parceira nos resgates, cresceu 4,8% em 2014, beneficiando dos amplos incentivos fiscais.
São economias que cresceram com a solidariedade europeia. Mas várias não retribuem com o respeito dos valores e direitos fundamentais. É assim que nesta ocasião extremamente delicada a Europa precisa desesperadamente de líderes com ideais e vontade. O paciente europeu requer um tratamento de choque. O problema é que a espera se prolonga e está difícil vislumbrar alguma esperança. Mas não é impossível voltarmos a uma Europa de partilha de culturas, de convivência em solidariedade e de melhoramento social. A Europa precisa tanto desse novo e grande impulso, pensado para as pessoas e não para os mercados. Sem solidariedade a democracia perde a alma.
TAMBÉM A TER EM CONTA:
O que é que foi mais explosivo, as bombas ou a cobertura mediática das bombas em Nova Iorque? É uma atmosfera que dá pontos a Trump? Uma amostra com primeiras páginas de hoje nos EUA. Também no Reino Unido.
As duas versões do novo iPhone (o 7 e o 7 Plus) começam esta sexta-feira, 16 de Setembro, a serem entregues em Portugal aos clientes que efectuaram a sua pré-compra. A venda nas lojas está esgotada em todos os países, afirmou a Apple. Com o iPhone 7, a empresa eliminou a entrada para os auscultadores - a tecnologia mais antiga que ainda resistia nos smartphones.
Os dispositivos custam entre 770 euros (iPhone 7, com 32GB de memória interna) e os 1.130 euros, para o topo de gama iPhone 7 Plus, com 256GB. No entanto, quem os comprar dificilmente vai poder ouvir qualquer som com auscultadores. Só no final de Outubro os novos auscultadores sem fios AirPod devem chegar a Portugal e a outros países, acrescentando ao valor do dispositivo mais uns anunciados 180 euros. Claro que será possível ouvir o que se passa no ecrã, mas com os altifalantes incorporados no dispositivo.
Mais uma vez, a Apple não inova com o lançamento destes novos auscultadores sem fios e, mais uma vez também, isto pode marcar uma tendência no mercado dos smartphones - tal como já tinha feito quando eliminou o leitor de disquetes (com o iMac G3, em 1998) ou os leitores de CD/DVD no MacBook Air, em 2008, os teclados físicos nos telemóveis ou, este ano com o MacBook, quando adoptou a norma USB-C. A remoção da entrada no smartphone e o fim dos auscultadores com cabo vão ajudar a extinguir uma tecnologia com quase 140 anos - com críticas e apoiantes de ambos os lados.
Na semana passada, durante a apresentação dos iPhone 7 em São Francisco (EUA), o vice-presidente sénior da Apple, Phil Schiller, defendeu que a empresa não podia continuar a manter uma "velha" porta para apenas uma utilização, com a quantidade de tecnologia que precisava de incluir dentro do espaço limitado do iPhone.
O objectivo não era era inovador: a Motorola, com o Moto Droid Z, lançado em Junho passado nos EUA, e alguns fabricantes chineses (Oppo ou LeEcco), removeram a entrada do "jack" de 3,5mm dos auscultadores antes do anúncio da Apple. Mas esta já andava a preparar mudanças nos conectores de áudio e, no ano passado, até obteve uma patente, pedida em 2011, para um "jack" em forma de D deitado, com as mesmas capacidades de um de 3,5mm. O objectivo era o mesmo: ganhar mais espaço dentro do smartphone.
A necessidade de ter um dispositivo mais compacto e com uma menor espessura foi agora derrubado. Em paralelo, ao eliminar esta entrada, os fabricantes podem incluir uma maior bateria (mais 14% no 7 e 5% no 7 Plus), proporcionando uma maior vida útil.
Tecnologia com 140 anos
O "jack" é provavelmente a tecnologia mais antiga que ainda se pode encontrar num telemóvel - com a vantagem de não ser necessário pagar direitos pelo seu uso. Começou a ser usado no século XIX, alegadamente em 1878 na primeira estação telefónica comercial. O objectivo era permitir às operadoras humanas destas centrais telefónicas ligarem as chamadas do ponto de origem às de destino, inserindo os conectores nos endereços correctos.
Tanto as centrais civis como militares acompanharam a evolução tecnológica usando este interface que então media 6,35mm. Depois, foi dinamizado nos rádios portáteis nos anos 60 ou no Walkman da Sony nos anos 70 do século passado, já com a medida normalizada de 3,5mm e, mais tarde, com o "mini-jack" de 2,5mm.
Mas as centrais telefónicas, conhecidas por PBX (de Private Branch Exchange), ainda eram usadas em Portugal nos anos 80, quando se iniciou o seu processo de digitalização. E em 1987, os deputados continuavam a debater esse processo, quando as duas primeiras centrais digitais já deviam ter sido lançadas em Viseu e em Braga no ano anterior.
O que é o AirPod? E a Beats?
Cada AirPod tem um microfone imbutido, para as chamadas telefónicas e interacção com o assistente pessoal Siri. É ligado através de uma ligação Bluetooth - o que significa que também pode funcionar com outros smartphones ou dispositivos de som. Devido ao processador interno, ele consegue detectar e interagir com o iPhone mas também com o Apple Watch ou computadores Mac, desde que tenham software actualizado.
Os AirPods são activados apenas quando colocados nos ouvidos. Isto é garantido pelos sensores internos de infra-vermelhos, algo que permite também serem activados por comandos vocais, como os de gestão dos auscultadores falando para o Siri (embora se possa igualmente interagir no próprio iPhone). A tecnologia foi antecipada em 2014, quando a Apple apresentou uma outra patente relacionada com estas potencialidades.
A autonomia dos auscultadores é de cinco horas, segundo a Apple, mas apenas de duas em modo de conversação, acrescentada de mais 25 horas quando carregados na caixa que os acompanha. Em resumo, o utilizador do iPhone 7 terá de andar normalmente com o smartphone, os AirPods e a caixa de recarga. E terá de ter atenção ao modelo de negócio da Apple: não se sabe ainda o que ocorrerá se o utilizador perder apenas um dos AirPod. A empresa vai permitir a compra de apenas esse auscultador perdido ou roubado ... mas a que preço?
Outra questão apontada aos AirPod relaciona-se com a segurança infantil. Segundo um jornal australiano, o pequeno tamanho dos auscultadores passa a integrar a lista de produtos perigosos que, se engolidos, podem engasgar uma criança.
Para os adultos, o cenário é diferente. Segundo Jack Gold, analista da J. Gold Associates, o desaparecimento do conector no iPhone e a sua substituição pelos AirPods terá um impacto mínimo nas vendas, já que os clientes que se preocupam com este tipo de assunto não são em número suficiente para afectar os resultados da Apple. Bem pelo contrário, já que a ruptura nem sequer é dramática.
Em Julho passado, a analista de mercado NPD Group revelou como os modelos de auscultadores Bluetooth já contavam 54% nas vendas destes dispositivos, relativamente ao primeiro semestre deste ano. A líder nas vendas era a Beats, uma empresa que anunciou no mesmo dia do lançamento dos novos iPhone uma nova gama de auriculares e auscultadores sem fios, compatíveis com os novos smartphones. Sabe o que é a Beats? É uma empresa do produtor musical Jimmy Lovine e do artista Dr. Dre, adquirida em Agosto de 2014 por três mil milhões de dólares pela Apple (na que é considerada a sua maior aquisição).
Em resumo, a Apple pode ganhar em várias frentes (financeiramente falando) com o lançamento dos AirPods.
Outras sugestões de leitura:
O Conselho de Segurança Nuclear (CSN) espanhol revelou que a central nuclear Almaraz, junto à fronteira portuguesa, usa peças produzidas numa fábrica com irregularidades nos dossiês de controlo de qualidade. O CSN garantiu que não há motivo, ainda assim, para as retirar de funcionamento, mas a organização ambientalista Quercus não concorda alertando para a fragilidade da estrutura e perigo inerente.
Há uma quinta força da natureza? Esta é a pergunta que o El País lança a partir de uma investigação que está a ser realizada no Instituto para a Investigação Nuclear da Academia Húngara de Ciências. E, se estes cientistas estiverem certos, sim, há uma quinta força.
Esta semana, na véspera do jogo do Benfica com o Besiktas, o treinador Rui Vitória tinha marcado uma conferência de imprensa para o final da tarde. Eu estava no carro, parado no trânsito, quando liguei o rádio e ouvi o jornalista, que esperava a chegada do técnico, lamentar o atraso no começo da sessão: “Rui Vitória está bloqueado no trânsito da cidade, e por isso a conferência de imprensa vai começar mais tarde”.
Poucos dias antes, tinha lido uma notícia que dizia que a Área Metropolitana de Lisboa denunciara a degradação dos transportes públicos na capital, admitindo que a oferta global teria descido, nos últimos cinco anos, 25 a 30%. Demétrio Alves, da dita AML, falava de políticas desastrosas “que levaram o sistema de transportes a ter um nível de qualidade muito baixo e inaceitável”. Como exemplo, revelava que o Metro de Lisboa perdeu mais de 300 trabalhadores nos últimos anos. Dois ou três dias depois, soube-se que a Fertagus cancelou mais 5 ligações entre as duas margens do Tejo (todas nas chamadas horas de ponta) por falta de trabalhadores para as cumprirem…
Como se de uma bomba-relógio se tratasse, tudo parece “combinado” para que o caos se instale na capital, e para que os mais bonitos sonhos do presidente Fernando Medina se transformem no pesadelo dos lisboetas. Na verdade, o estaleiro em que a cidade se transformou, e que em muitos casos merece aplausos, elogios, reconhecimento, está assente sobre pressupostos que podem ter pés de barro - ou, pior ainda, nem sequer terem pés.
Não adianta embelezar a cidade, resolver pequenos quistos que a deformam (o Cais do Sodré é um bom exemplo…), forçar os cidadãos a deixar o carro em casa e utilizarem transportes públicos, incentivar o uso da bicicleta ou mesmo a caminhada a pé - e depois não ter resposta adequada às condições já criadas.
Leio no Facebook de Teresa Leandro: “Há mais de um mês que diariamente, às horas a que viajo de metro, que são as de ponta, há "perturbações" numa linha qualquer. Todos os dias. Ontem calhou-me a mim, com a amarela. Uso a linha verde da estação de Alvalade até ao Campo Grande, onde tomo a amarela até ao Marquês de Pombal. Em condições normais, 20 a 25 minutos costumavam chegar para fazer todo o percurso, mesmo com mudança de linha. Não no último mês e meio. Resignei-me a começar a sair de casa mais cedo, já a prever a forte probabilidade de atrasos”.
É neste quadro que a “rentrée” se faz na cidade de Lisboa. É certo que temos dezenas de eventos culturais e desportivos, vivemos na cidade mais animada do planeta. Mas, ao mesmo tempo, sofremos os problemas de sempre, as deficiências de sempre, as impossibilidades de sempre.
Agora, com esses “complementos” inesperados: em vez de ruas, estaleiros. Em vez de alcatrão, pó. Em vez de horas de ponta, horas perdidas todo o dia. Quando começar a chover a sério, o caos passará a Inferno. Espero que a impaciência não dê lugar à violência - e a cidade não se torne palco de batalha campal…
15 anos depois, três links sobre o dia negro de 11 de Setembro…
São quatro minutos arrepiantes, produzidos pela revista Time, que contam a história de uma das fotografias mais marcantes do 11 de Setembro de há 15 anos, em Nova Iorque. “The Falling Man” é, simbolicamente, o que todos sentimos naquele dia: estávamos entre a vida e a morte.
O ainda vivo “Usa Today” - epifenómeno da imprensa dos anos 80 de que deixámos de ouvir falar há tanto tempo… - recupera na sua edição digital dez questões esquecidas, ou pouco debatidas e investigadas, sobre aquele dia negro de 2001…
Algo me diz que vamos ter saudades de Barack Obama. Talvez por isso, não resisto a deixar aqui o link para que possam ver/ouvir o extraordinário discurso com que assinalou o 15º ano sobre os atentados de Nova Iorque.
No Futebol, Fé e Fado (destino) andam, muitas vezes, de braço dado. 22 anos e um dia depois, três amigos repetem uma visita ao Santiago Bernabéu. Uma incursão a Madrid que mete rituais, carros avariados, política à mistura e uma repetição da história. No fim do dia acrescento ao puzzle o F de Família.
As deslocações ao estrangeiro em jogos para as competições europeias fazem parte do sonho de qualquer adepto de futebol que se preze. Visitar catedrais como São Siro (Milan e Inter), Celtic Park (Celtic), Vicente Calderón (Atlético de Madrid) ou Santiago Bernabéu (Real Madrid) entra nos desejos de quem gosta do jogo do 11 para 11. Seguindo um ritual que é mais ou menos comum nessas viagens, tive o privilégio de ter estado nesses, e noutros, estádios, em lazer e em trabalho. E de ter a companhia de um grupo de amigos mais ou menos fixo. Foi assim, por exemplo, a 13 de setembro de 1994 com Madrid como destino e Santiago Bernabéu como palco. E seria assim, 22 anos e um dia depois, marcando o regresso ao mesmo local onde a felicidade não tem sido regra.
Neste espaço de tempo, o carro cresceu, passou de um Citroen AX para um Ford de 7 lugares, o grupo, então de cinco, renovou-se e transformou-se num 6+1, sendo três deles repetentes e o “+1” uma boleia um tanto ou quanto inesperada que surgiu em Elvas e que explico mais à frente.
As viagens de hoje em nada se compararam com as do século passado, em que as estradas e o nosso tempo em tudo diferem. Recuemos a 1994. Mochilas preparadas, saída com antecedência de Lisboa, algo que a faculdade facilitava. Cavaco Silva como primeiro ministro. A autoestrada do lado português ligava Almada à Marateca, o resto nasceria para a Expo 98. Da fronteira lusitana até à capital espanhola mais de 400 quilómetros de asfalto, entre obras e limite de velocidade de 90 km/h. O socialista Felipe Gonzalez já então desenhava a ligação mais rápida entre as duas sedes ibéricas de governo.
Na altura, em 1994, a visita e estadia na Pension Hostal “Chelo”, na Gran Via, estendeu-se ao longo de três dias desdobrados por um roteiro gastronómico, cultural, entre museus e ensinamentos sobre a história de Espanha - ida ao Valle de los Caídos e ao el Escorial - e a experiência da “movida” numa Espanha mergulhada no desemprego (rondou os 25%).
No que respeita ao futebol, razão primeira da excursão, o Real Madrid então treinado por Jorge Valdano e com artistas como Michel e Laudrup venceu, em jogo da 1ª mão da Taça UEFA, por 1-0 a equipa portuguesaque “calou” a afición madritista. Na formação então treinada por Carlos Queiroz pontificava um tal de Luís Figo, formado no Sporting Clube de Portugal que viria a vestir a famosa camisola branca e a ser considerado o melhor jogador FIFA.
24 horas e 1200 km por um jogo de futebol
Avancemos agora um pouco mais de duas décadas. Nos preparativos, a pensão “Chelo” (cujo o mesmo quarto de 1994 serviu de porto de abrigo numa outra incursão futebolística a Madrid já neste século) chegou a entrar nos planos para o jogo de abertura da Liga dos Campeões. Questões de fé, família e compromissos profissionais obrigaram a uma viagem relâmpago de 24 horas.
Com a fronteira de Badajoz à vista, para abastecer o estômago dita a experiência acumulada que, para primeira refeição do dia, é melhor restringir as ambições ao nosso território. E assim foi feito em Elvas, na fronteira do Caia. E é aqui que entra para a história uma curiosa boleia.
Um carro de uns miúdos avariou. Miúdos que como nós tinha um mesmo destino e uma mesma missão: Madrid para ver o Sporting. Um puto de 20 anos sai do carro e vem ter connosco a pedir ajuda (leia-se boleia até Madrid).Os outros amigos seguiam em carro alugado em Elvas e / ou por outras boleias até à capital espanhola. Acrescentámos assim um elemento à comitiva. Com a Estremadura e a companhia de muitas matrículas portuguesas pela frente, entre a habitual discussão sobre o mundo da bola, o rapaz da boleia, após conversa rápida, lá nos conta que é jogador de rugby do CDUL. Já em Madrid, no almoço no “el Lateral”, restaurante na Calle Serrano, o apelido denunciou-o como sendo filho de um Secretário de Estado do anterior governo. Com os seus amigos vindos de Elvas a vaguear pelo Paseo de la Castellana, contas feitas, telemóveis trocados à cautela, informou que o seu regresso, sem data e hora marcada, seria tratado durante o resto do dia. Ou no dia seguinte. Uma normalidade para a idade e que arrancou sorrisos a quem tem idade para ser pai dele. “Ai quem me dera ter outra vez 20 anos....”, ouviu-se.
As desculpas de Ronaldo na repetição da história
A cinco horas de distância para ver Ronaldo, Bale, William Carvalho, Adrien e Patrício, entra em campo o ritual de andar, parar, picar, beber, conversar, andar novamente até chegar a Chamartin onde é esperado um controle apertado de segurança na entrada, polícias que mais parecem Robocops, cavalos, cães com açaimes e tudo o mais. Os portugueses, uns mais conhecidos que outros, andam por todo o lado à porta do estádio. Lá dentro, na imensa multidão, sobressai Hermínio Loureiro, ex-secretário de Estado do Desporto (não é por acaso que se diz que política e desporto andam de mão dada).
O arbitro apitou, a bola rolou, o público cantou, o Sporting marcou (primeiro), Gelson encantou, Ronaldo, o tal que andou vestido de verde e branco, marcou mas não festejou (já o tinha feito por duas vezes ao serviço do Manchester United), pediu desculpas, e, no final, o Real Madrid ganhou (2-1). Em jeito de ilustração “jogamos como nunca, perdemos como sempre”, foi a frase que repetidamente se escutou durante o tempo obrigatório de espera nas bancadas.
O F de Família falou mais alto
Fim de jogo. Dois táxis apanhados até à Calle Serrano, jantar numa cadeia de restaurantes, dose reforçada de cafeína, início de viagem pouco depois da meia-noite e o carro atestado numa saída na E-90. Seguindo a palavra mágica de Badajoz, os assuntos de futebol ficaram para trás e foram substituídos por filhos, trabalho e atualidade, do serviço nacional de saúde, do governo liderado por António Costa à crise política espanhola. A despedida de Espanha é feita num estação de combustível a escassos quilómetros do Caia. No tal local onde a história do carro avariado (algo mais comum do que se pensa) foi por instantes recordada e vivida na primeira pessoa quando a bateria do tal Ford de 7 lugares falhou. Boleia para 6 àquela hora não vinha nada a calhar. Valeu uns cabos salvadores. Safa!
5h30 hora de chegada a Lisboa. Tempo de, mais uma vez, recordar 1994.Tudo porque, nesse ano, numa epopeia ao bom estilo camionista, depois de horas a fio a rolar por estradas nacionais no Citroen AX, uma vontade de começar o dia com uma bela bifana local levou a uma paragem em Vendas Novas. A noticia, às 7h00, de um segundo bloqueio da ponte 25 de abril deixou-nos, felizmente, fora do campo dos “últimos dias” de Cavaco Silva, desviando-nos para a reta do Infantado. Na altura, a inexistência de auto estrada em muito compensou. Hoje, ao invés, o tapete que liga as duas capitais contribuiu para que cumpríssemos o objetivo de tomar o pequeno almoço em casa. E no meu caso particular de celebrar, com um dia de atraso, às primeiras horas da manhã, o 10.º aniversário de uma das minhas filhas. Questões de família falam de facto mais alto.
A pedagogia, a pressão e denúncia públicas e a liberdade de escolha dos utilizadores serão, no fim do dia, os meios mais eficazes para prevenir os excessos de zelo e as práticas abusivas das plataformas electrónicas na selecção de informação
Perdoem a heresia de me citar a mim próprio mas, como verão, a realidade é que se atravessou descaradamente no caminho. A propósito de algumas propostas para limitar a divulgação de informação relacionada com atentados terroristas, perguntava aqui mesmo há pouco mais de um mês se a icónica fotografia da miúda vietnamita, nua, a fugir do napalm seria hoje publicada.
A resposta chegou nos últimos dias e teve como protagonista o Facebook: essa publicação estaria hoje, no mínimo, seriamente ameaçada. Numa era marcada pela ditadura do politicamente correcto e pela paranóica tentativa de higienização de todo o espaço público começamos a deixar de distinguir a essência de cada coisa tomando tudo pela aparência, pelo embrulho, pelo seu valor facial. Se parece, é. Mas pode não ser.
Uma criança nua numa foto não é necessariamente um incentivo à pedofilia da mesma forma que a nudez não pode ser confundida com pornografia.
O problema não está apenas no Facebook, nos seus cegos algoritmos - haverá algoritmos que não sejam cegos? - ou nos seus colaboradores ignorantes, sem referências históricas e culturais. Basta ver o pudor hipócrita com que os meios de comunicação tradicionais americanos tratam tudo aquilo que seja a nudez ou o calão.
Mas, pela dimensão e predominância que adquiriram na distribuição da informação, as plataformas electrónicas são uma parte importante de um problema que as sociedades ocidentais terão que discutir abundantemente: o controlo, hierarquização e formas mais ou menos veladas de censura da informação.
É verdade que estas empresas não são órgãos de comunicação social no seu sentido tradicional porque não produzem elas próprias informação ou entretenimento. Não têm redacções próprias com jornalistas, não estão sujeitas aos seus códigos de ética e deontológicos nem a leis que regulam a comunicação social. No entanto, e como já se percebeu, enquanto plataformas de distribuição elas têm poder para decidir que conteúdos produzidos por outros podem ser publicados por eles e vistos pelo público.
A primeira tentação de muitos será a imposição de regulação administrativa, proibindo algumas práticas e criando regras para outras. Esse é o caminho perigoso. É isso que fazem os regimes autoritários que olham para a liberdade de expressão e de informação como uma ameaça às sociedades. E será tão estúpido tentar travar administrativamente estes novos meios electrónicos e a forma como funcionam como seria proibir a Uber, para citar o exemplo mais à mão de um avanço tecnológico que está a desafiar velhas formas de fazer negócio e servir clientes.
Hoje, graças à internet e às redes sociais, há muito mais gente a ler notícias, a reter alguma informação e a perceber o que se passa no mundo do que há duas ou três décadas. Fazem-no entre um vídeo de gatinhos e outro de acidentes de automóvel? Sim, mas fazem-no.
A pedagogia, a pressão e denúncia públicas e a liberdade de escolha dos utilizadores serão, no fim do dia, os meios mais eficazes para prevenir os excessos de zelo e as práticas abusivas.
Foi isso que aconteceu agora mesmo com o Facebook neste caso da fotografia da criança vietnamita. A censura da foto foi noticiada e partilhada em todo o mundo também através do próprio Facebook. A empresa percebeu o erro e recuou. Certamente que nunca até hoje tanta gente tinha visto a foto icónica da Guerra do Vietname, o que ela representou e o horror que retrata. O passo seguinte, em muitos meios de comunicação internacionais, foi o debate sobre a necessidade do Facebook ter editores capazes de seleccionar e hierarquizar informação de uma forma sensata e conhecedora, para além dos automatismos do algoritmo.
Mas o tema é muito mais complexo. Há uns meses o debate nos Estados Unidos era o inverso e a acusação era que os editores que trabalham os “trending topics” do Facebook teriam um enviesamento que estaria a privilegiar informação e temas mais favoráveis aos democratas por oposição aos republicanos. O debate levou a empresa a alterar a sua prática, automatizando o que era até então feito por pessoas. Muitos duvidam que isso resolva alguma coisa. Mas a discussão está em curso e a aprendizagem colectiva também. A vigilância e os alertas públicos são instrumentos mais poderosos do que muitas vezes podemos pensar. Para já, fizeram a devida justiça à foto de Kim Phuc. E provavelmente preveniram que um destes dias alguém sentado em frente a um computador em Silicon Valley trate por igual os frescos da Capela Sistina e uma performance de Cicciolina.
Há cidades a que se deseja sempre voltar e Roma é uma delas. Mary Beard, prestigiada especialista em Clássicos da Antiguidade, catedrática em Cambridge, tem escrito livros fascinantes sobre a Roma Antiga que modelou muito da nossa civilização. Ela explica como os pensadores e políticos dessa Roma de há vinte e um séculos, mestres de sabedoria, refinamento e estratégia, tiveram a visão para abrir caminhos, levantar pontes, construir aquedutos, definir bases do Direito e de tanto mais, deixaram-nos em herança um pensamento que é bússola, mas ao mesmo tempo eram violentos com o seu brutal e disciplinado poder de ataque e saqueadores com cruel rapina na terra conquistada pelo império que se estendia da Península Ibéria ao Médio Oriente.
A Roma de há 2100 anos é descrita por Mary Beard como uma cidade com mais de um milhão de pessoas que viviam numa mistura de liberdade e exploração, luxo e lixo. Há qualquer coisa desse retrato antigo que encaixa na Roma de hoje, à beira dos três milhões de residentes. Roma é encantadora para quem a visita mas quem lá vive está farto: embora sempre fiéis ao estilo e à elegância, os romanos perderam a paciência com a degradação da qualidade de vida na sua cidade onde o trânsito é um suplício, o pavimento das ruas está mal tratado, os transportes públicos estão em colapso, os monumentos à mercê da penúria de recursos e cuidados, o lixo com frequência fica vários dias amontoado nas ruas, as águas e margens do Tibre parecem de há muito uma lixeira. Há um vídeo gravado por um estudante que mostra o vai e vem das ratazanas por entre montanhas de lixo no Largo Ferruccio Mengaroni. Há imagens de lixo que sobe à altura de um adulto no bairro Tor Bella Monaca.
É o que resulta do que chamam de “Mafia Capital”, redes da máfia tradicional que, infiltradas nas engrenagens do poder municipal, designadamente o serviço de recolha de lixo, usando o sistema de corrupções instalado, com a cumplicidade de gente de todos os partidos, tiram proveito de tudo aquilo onde metem a mão.
É assim, com a promessa de limpar a cidade do lixo e das máfias, que Virginia Raggi, uma advogada com 37 anos e escassa história política se tornou uma loba à conquista de Roma. Ela tinha aparecido na internet a promover campanhas pela Educação e pelo Ambiente. Era elogiada por iniciativas de voluntariado. O Cinco Estrelas (M5E), movimento político que se define “antipolítica”, liderado pelo comediante Beppe Grillo, escolheu-a para liderar a candidatura à presidência da câmara de Roma. A imagem dela é sedutora e o discurso surgiu poderoso contra as desgastadas castas políticas italianas. Virginia Raggi avançou sobre Roma e conquistou-a nas eleições de 19 de junho: arrasou, foi eleita com 67,2% dos votos. Tornou-se a primeira mulher a governar em Roma e gerou enorme ilusão com a utopia de uma Roma finalmente, décadas depois, governada de modo imaculado com ideias e projetos, fantasia e paixão, visão e eficiência com, claro está, mãos limpas.
Ainda nem passaram três meses e Virginia Raggi é uma presidente à beira de um ataque de nervos. “Onestá, onestá!” e “Transparenza!” tinham sido os dois gritos mais fortes da campanha Raggi, mas tudo parece em colapso. Ela escolheu para dirigir setores fundamentais para a regeneração da cidade gente nova e com etiqueta de alto nível, inovadora e competente. Parecia ter bom programa e boa equipa. Mas, ao fim de 70 dias, a equipa Raggi está à deriva.
A crise eclodiu na madrugada de 1 de setembro, com o anúncio da demissão da chefe de gabinete, Carla Rainieri, uma magistrada que tinha sido escolhida por, com os seus critérios éticos e sociais, ser considerada uma muralha implacável frente às infiltrações mafiosas na engrenagem municipal de Roma. Demitiu-se por não estar disposta a aturar as intrigas de gente do M5E por ela ter um salário de uns 10 mil euros por mês. A demissão de Rainieri precipitou a queda, como peças de um dominó, de outras quatro figuras de topo entre as escolhidas por Raggi. Beppe Grillo, líder do M5E meteu-se na polémica para dizer que “a Virginia (Raggi) às vezes parece-me louca”. Percebeu-se que as heterogéneas fações do M5E não queriam deixar Raggi com mãos livres. Começou a comentar-se que os novos políticos afinal são iguais aos outros, ou ainda pior, por cometerem erros de inexperiência.
Tudo a precipitar-se: quase ao mesmo tempo é revelado que Raggi sabia que dois dos seus principais escolhidos estavam a ser investigados por ligações com personagens mafiosas, mas encobriu-os. O M5E saltou a defendê-la mas ficou exposto à acusação de dupla moral: exige a demissão dos adversários sob suspeita, condescende com os seus. O cartaz após a vitória eleitoral em junho, dominado pelo rosto de Raggi, enquadrado pela proclamação “Ora cambia tutto, ora tocca a noi” perdeu sentido porque afinal eles não escapam às mesmas derrapagens. A atmosfera ficou penosa para Raggi. Muitos que tinham ficado enamorados pela imagem que ela tinha passado não escondem a desilusão. Mas a maioria ainda parece querer dar à “loba de Roma” uma oportunidade para corrigir os erros e tentar voltar a criar ilusão.
O M5E que aspirava usar a governação municipal em Roma e Turim para mostrar que é capaz de tomar o governo do país sai desta crise mais debilitado do que Raggi. Cai nos erros, nas superficialidades, nos amiguismos, nas omissões e nas mentiras tal como os outros que tanto critica no teatro político. O movimento que se proclamava cristalino e que tinha alimentado a promessa de mudar o tempo e o modo da comunicação política com o povo a decidir na internet, afinal, quando ficou acossado mostrou-se burocrático, entrou em guerras internas e passou a esconder os debates. Não acrescenta honestidade e qualidade ao sistema político.
Os novos movimentos e partidos surgidos com as ondas de indignação populista e contra o sistema tradicional confrontam-se agora com a deceção. Em Itália, o M5E tem rombos no casco. Em Espanha o Podemos e o Ciudadanos, agarrados a intransigências e incapazes de negociar acordos viáveis, estão em contínuo retrocesso nas intenções de voto.
Fica o risco de sucessivas desilusões levar a mais abstenção.
TAMBÉM A TER EM CONTA
O momentâneo desfalecimento de Hillary Clinton diante das câmaras no domingo, 11 de setembro, colocou a saúde da candidata como tema da semana na campanha americana. The Huffington Post insurge-se contra o tratamento do caso pelos media. A pergunta é legítima: este caso pode mudar a dinâmica da campanha e, eventualmente, a história do mundo? Só um acontecimento fora do previsto pode levar a uma extraordinária reviravolta e travar a eleição de Hillary como Madam President. Os últimos dias, com gaffe e desmaio, correram mal a Hillary mas os estudos eleitorais garantem-lhe pelo menos 238 grandes eleitores (são eles quem decide), frente apenas 117 para Trump. Bastam mais 32 grandes eleitores para Hillary ficar presidente. Num cenário normal recolhe bastante mais.
A Hungria com a intolerância e a xenofobia de Orban é um problema na Europa. Ele é o primeiro-ministro que fala no regresso à pena de morte e que restringe a liberdade de imprensa. É uma maciça violação de valores europeus que leva o ministro luxemburguês dos estrangeiros a pôr em discussão o afastamento da Hungria da União Europeia. Como deve ser.
O Congresso brasileiro derruba o homem que mais se empenhou no impeachment de Dilma. O capítulo final da queda política de Eduardo Cunha é o tema para a primeira página escolhida hoje no SAPO JORNAIS.
Os media portugueses costumam fazer bom acompanhamento dos festivais europeus de cinema, de Berlim a Veneza, passando por Cannes e Locarno. Vale não perder de vista o que passa pelo excelente TIFF em Toronto.
Há um rio, que é o mesmo, mas que os separa. Os que vão à Bela Vista e os que vão à Amora. Dizer de um ou de outro que, de alguma forma, podiam ser uma espécie de Festa do Avante! da burguesia ou de Rock in Rio do proletariado é, provavelmente, uma enorme ofensa para qualquer uma das partes. Com as devidas diferenças, naturalmente.
Não há Paez, malas de marca nem vê-las, e, na Amora, estamos no reino dos androids (até a aplicação da Festa do Avante! apenas existe para Android). Mas, em contrapartida, há t-shirts revolucionárias, sacolas a tiracolo, boinas à Che, colares, brincos e outros adereços que nos levam de volta àqueles anos 80 em que Portugal era tardiamente hippie (não confundir com hippie-chic, isso foi do outro lado do rio, na Bela Vista, uns meses antes).
Há quase vinte anos que não ia à Festa do Avante!. Esta Festa pareceu-me mais familiar – mas, provavelmente, dir-me-ão os mais novos, é porque estou mais velha. Há aquele efeito de nos (re)vermos nos outros – quando estamos grávidas também só vemos mulheres grávidas. Mas, mesmo assim, é factual que se vêem muitas famílias. No relvado, sob um calor que transgride as regras convencionadas da temperatura politicamente correcta, há várias famílias que se espraiam sob mantas ribatejanas (sim, mantas ribatejanas, das quentes), toalhas de praia, esteiras de campismo. Há geleiras daquelas azuis inconfundíveis, há cadeirinhas desdobráveis, há carrinhos de bebé.
À minha frente, alinhadas enquanto se aguardava o discurso de Jerónimo de Sousa, estavam três gerações. O homem de tronco nu, calções e ténis de caminhada teria quarenta e poucos anos. É um filho de Abril e do PREC. Do lado direito, tem um filho com não mais de 10 anos. Do lado esquerdo tem o pai, terá mais de 70 e menos de 80. A mulher (namorada?) está de pé, descalça, usa biquíni, lenço hippie no cabelo, calças largas, de padrão colorido, a lembrar as mil e uma noites. Estão em silêncio, estão juntos, e mesmo a criança de 10 anos mostra que compreende o ritual.
Mais atrás, outro filho de Abril não se verga ao calor nem ao cansaço com que o calor nos verga. De pé, quase sempre imóvel, bandeira em riste. Só o iremos ouvir, com voz de comando, quando o alinhamento o exigir. Sabe o seu papel. A luta continua.
Há muitos casais. Casais de novos, casais de velhos, casais de meia-idade. Muitos casais de mão dada – poucos casais de braço dado. Impressionaram-me sobretudo os mais velhos. Quase todos têm no olhar uma certeza qualquer. Estão juntos, continuam juntos, há qualquer coisa ali que lhes faz sentido e que os faz ter sentido.
Há um clima de festa. Desde que entras, até que sais. Boa festa, camarada. Correu tudo bem, camarada. Se estás cá, és do nossos. Se estás cá, sabes porque estamos cá.
Há menos selfies e mais fotografias. Há bastante menos selfies. Não são proibidas – em jeito do que Alice Cooper propõe caso fosse eleito presidente dos Estados unidos – mas não são tão procuradas. Nada que se pareça com o festival do outro lado do rio. Ou outro qualquer. Há mais fotografias e mais máquinas fotográficas. Impossível não pensar na conotação ideológica de uma e de outra, o indivíduo e o colectivo.
“Sometimes you win. Sometimes you learn” leio numa t-shirt. E é qualquer coisa como isso que anda no ar. Não vi gente zangada. Decerto que me cruzei com gente que traz em si alguma amargura, alguma desilusão – mas parece que deixaram tudo isso lá fora por três dias. Por três dias o comunismo é apenas uma ideologia do bem que traz a felicidade às pessoas. Por três dias, se assim se quiser, canta-se, come-se, bebe-se, contam-se histórias heróicas de quando os justos ou os corajosos ou os revolucionários venceram aqueles que ganham sempre. Por três dias.
“Não desistiremos. Este combate tem de ser vencido”, diz Jerónimo lá do palco. Os punhos erguem-se. A luta continua. (Usas o punho esquerdo ou o direito, pergunta uma garota de 16, talvez 18 anos, à amiga ali ao lado).
Por três dias há pessoas que dançam umas com as outras em qualquer parte. Ao ritmo hispânico, brasileiro, até do fado. Por três dias a carvalhesa parece fruto de uma qualquer poção mágica activada pelo som. Aos acordes da música, há um momento suspenso e depois é a festa-que-não-há-como-esta e a certeza que o sol brilhará para todos nós.
Regressar à Festa do Avante!, vinte anos depois, teve qualquer coisa de viagem no tempo. Há ali, simultaneamente, um tempo que parou e um tempo que nunca deixou de continuar. Duas coisas racionalmente contraditórias mas que coexistem. Ainda se diz URSS – mesmo na era da Rússia de Putin. Cuba é um ícone imaculado do comunismo – mesmo depois do desfile da Chanel. Ao mesmo tempo que a Venezuela continua a representar a luta do proletariado contra o grande capital e no espaço do Partido Comunista Espanhol jovens e menos jovens entoam, emocionadamente, hinos que lembram o massacre de operários.
No meu estatuto de observadora fiquei a pensar nos reformados, nos professores, nos funcionários públicos de forma geral que por ali andavam. Arrisco dizer que seriam em maior número do que agricultores, mineiros ou operários fabris. Grupos que podem encontrar amparo numa ideologia que desiste há demasiados anos de fazer revisões periódicas e reality checks. E que por isso corre o risco de se tornar irrelevante ou apenas uma festa que se faz durante três dias.
Hasta la victoria, siempre.
Tenham um bom fim-de-semana
Outras sugestões:
Não se trata propriamente de um lançamento, mas só agora cheguei até ao livro e ao artigo escrito pela Fortune sobre a experiência de um jornalista de 52 anos que foi contratado para trabalhar numa startup (e não é uma startup qualquer, trata-se da Hubspot, um nome bem conhecido nas áreas da tecnologia e do marketing. Dan Lyons escreveu o livro “Disrupted: My Misadventure in the Start-Up Bubble” e a Fortune publicou a sua história sob o título “My year in Startup Hell”. Nem tudo é um conto de fadas.
Aviso prévio: não é uma piada. Sobretudo porque o protagonista se leva muito a sério. E o protagonista é nada mais nada menos que Kim Jong Un, o mesmo que anda a fazer a terra tremer em testes nucleares. Qual é a novidade no reino de Kim? O sarcasmo foi banido. Aparentemente, na Coreia do Norte, algumas pessoas fazem comentários e dizem coisas doutrinadas pelo regime – como, por exemplo, é tudo culpa da América – mas não são sinceras. Estão a ser sarcásticas, imaginem só.
Ou muito me engano, ou Álvaro Cunhal deu algumas voltas na tumba no fim‑de‑semana passado. Coerente, firme, implacável, teimoso, julgo acertar se disser que não lhe passaria pela cabeça engolir a “geringonça”, obrigando-o - como obrigou Jerónimo de Sousa - a, num único discurso, dizer que sim e que não, isto e o seu contrário, estamos mas não estamos.
Cito: “As opções do PS e a sua assumida atitude de não romper com os constrangimentos externos são um grave bloqueio à resposta aos problemas do país. O futuro de Portugal exige a ruptura com as imposições e chantagens que visam perpetuar a submissão, a exploração, o endividamento e o empobrecimento”.
Mas, e ao contrário, nem por isso o PCP deixará de viabilizar um Orçamento para 2017, assim ele mantenha o “compromisso de reverter direitos e rendimentos”, garantindo que vai “inverter o curso para o desastre económico e social que vinha sendo imposto”.
Ou seja, desde que os mínimos olímpicos se mantenham, o PCP engole o sapo (maior do que o das famosas presidenciais com Mário Soares…).
De passagem, Jerónimo de Sousa insiste na tecla da saída do euro como parte da solução dos problemas nacionais, quer cunhar a moeda portuguesa, e sublinha a necessidade da nossa autonomia económica, financeira, cambial e fiscal, numa claríssima demarcação da União Europeia e de tudo o que o PS (…e o PSD, e até o CDS) manifestam como essencial e fundador.
Se eu fosse militante do partido e estivesse naquela tarde escaldante de domingo a ouvi-lo, acharia que estava a sofrer os efeitos de uma insolação. É possível estar contra a essência, a raiz, a “causa das coisas” de um governo e de uma política, e ao mesmo tempo votar e caucionar esse mesmo governo em nome de magras recuperações de direitos para os trabalhadores, em geral, e a função pública, em particular? Como se concilia o voto num orçamento com a firme defesa do abandono da moeda única? Como se fala da “política de direita e de submissão à União Europeia e ao Euro”, ao mesmo tempo que se aceita, na Assembleia da Republica, as traves mestras que a suportam?
A lista de perguntas é tão grande como o discurso de Jerónimo de Sousa. Mas, ao ouvir o líder do PCP, interroguei-me sobre o que será, política e eticamente, mais sério e correcto: deixar um país à deriva, como está a suceder em Espanha, porque não se cede ao que se julga essencial; ou ceder no essencial, mesmo que para isso o discurso contradiga a acção?
Não tenho uma resposta taxativa (há muito que me deixei disso…). Mas uma coisa sei: Jerónimo de Sousa e o PCP estão claramente a viajar na maionese. Neste caso, numa maionese talhada pelas contradições entre o que defendem e o que depois fazem. Estarão a ficar iguais aos “outros”?
Rentrée em três actos…
Enquanto por cá os canais de televisão apontam as suas armas pesadas para o horário nobre - novelas, séries, reality-shows… -, nos Estados Unidos da América as séries continuam no trono do rei, destronando filmes e concursos e programas de informação. Neste link, a lista da revista Time para as 12 séries imperdíveis da estação. Entre o cabo, os canais clássicos e o Netflix, mais tarde ou menos cá chegarão…
É seguramente a transferência do ano na imprensa portuguesa: Vasco Pulido Valente deixa o Público - e por esta via, o papel impresso - e entra no mundo digital, já em Outubro, com duas crónicas semanais (sábado e domingo) no jornal Observador. Antecipando a transferência, deu uma longa entrevista a Vítor Matos que, embora publicada no jornal em Junho, vale a pena reler agora, quando o seu regresso se aproxima…
Não houve jornal que não lhe dedicasse umas linhas, nem rede social onde não fosse referida a toda a hora: a síndrome pós-férias, quase classificada como mais uma doença na já longa lista das estranhas patologias psicológicas, mereceu do nosso vizinho digital El Español uma matéria que vale a pena ler. Por um lado desmascara uma invenção que nos dava imenso jeito, por outro explica o fenómeno pelo lado cientifico.