Livros escolares. E o negócio dura, dura...
Por: Paulo Ferreira
Todos os anos por esta altura é isto. As famílias com crianças em idade escolar são obrigadas a gastar uma renda em manuais escolares. Ainda que tenham filhos em anos consecutivos, a reutilização dos livros do que vai mais à frente para o que se lhe segue é impossível. Pior: um aluno que repita um ano ou algumas disciplinas dificilmente poderá manter os mesmos livros.
Porque, azar, os livros “adoptados” este ano são diferentes. Porque, lamentamos, há alterações anuais nos planos curriculares, aos “conteúdos programáticos”, na forma como se sucedem ao longo do ano ou como é suposto serem ensinados às criancinhas e adolescentes.
Nas Ciências Naturais ou na História. Na Geografia ou no Português. Na Matemática ou na Filosofia. Passamos a vida às voltas com os conteúdos lectivos, como se tivessemos acabado de descobrir as áreas do conhecimento e nelas estivéssemos a desbravar terreno. Mas que descobertas recentes se fizeram sobre os Descobrimentos, a Revolução Industrial ou a Idade Média que obriguem a uma revisão das matérias? Que luz nova surgiu sobre o contribuito de Sócrates (o outro, o grego) para o pensamento que torne incontornável a mudança dos programas de Filosofia? E na Física, o que mudou na lei da gravidade que os nossos jovens agora não podem deixar de saber? A soma dos quadrados dos catetos já deixou de igualar o quadrado de hipotenusa, como nos ensinou Pitágoras e aprendemos em Matemática?
A instabilidade curricular provocada pela “nomeklatura" do Ministério da Educação impede qualquer pretensão de uma reutilização sistemática e segura dos manuais escolares e transfere das famílias para as editoras dezenas de milhões de euros todos os anos - 80 milhões de euros foi a referência que li na imprensa.
Este é um escândalo com que vivemos há décadas sem que algum governo, alguma vez, tenha tomado medidas que verdadeiramente possam resolver o assunto: estabilizar os programas, obrigar - sim, obrigar mesmo, por lei - à manutenção dos manuais escolares e impedir os truques “chico espertos” das editoras que repaginam os livros e misturam exercícios práticos para serem feitos nos livros de consulta, dificultando a sua reutilização.
Ou, melhor ainda e seguindo os bons exemplos de alguns países, deixar que sejam as escolas a ceder os livros aos alunos, sendo estes obrigados a deixá-los em bom estado no final do ano lectivo para quem vem a seguir. Não só as famílias poupavam os cerca de 250 euros de manuais por criança - pagam cerca de meio ano lectivo de refeições na cantina da escola - como estas aprendiam a estimar e conservar os livros - que, isso sim, seriam pagos pelas famílias se fossem danificados.
Em países como o Reino Unido a estabilidade curricular permite que os manuais escolares sobrevivam vários anos e que cada exemplar seja utilizado sucessivamente por vários alunos ao longo de vários anos. Mas isto é em países pobres e subdesenvolvidos, coitados, que têm de poupar nestas coisas básicas. Por cá, ricos como somos, não fazemos por menos e cada criança tem de estrear uma pilha de livros a cada ano.
Só a falta de vontade política e o alinhamento de vontades e interesses entre decisores oficiais e as editoras que ganham com o negócio impede que se apliquem medidas fáceis e isentas de custos que beneficiariam centenas de milhares de famílias, acabando com um mercado cativo moralmente ilegítimo e pouco ou nada transparente.
Conseguirá o Provedor de Justiça o que os Governos recusam?
Notas de campanha
- O Novo Banco promete animar estes dias de campanha política. O Banco de Portugal falhou a venda, que deverá demorar agora mais de um ano a ser concretizada. Sem venda não há receita e o custo financeiro da operação deverá ser assumido nas contas públicas, o que vamos conhecer nos próximos dias. Uma subida do défice será embaraçosa para o Governo, ainda que a operação seja pontual, não estrutural e o seu impacto “meramente estatístico”. É mais fácil explicar o plafonamento a uma criança do que os meandros da contabilidade pública aos eleitores.
- Muitos socialistas continuam a dar-se mal com o jornalismo e a liberdade de informação e disparam para todos os lados. Assim não é fácil fazerem esquecer a governação de Sócrates.