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Todos os dias um olhar mais atento a um tema que marca a actualidade. Artigos, análises e crónicas exclusivas no SAPO24.

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Seis notas sobre os Panama Papers

 

por: Paulo Ferreira

 

Não há solução para os “off-shores” que não seja global. Enquanto existir um, o dinheiro sujo irá lá parar. Pior do que não cobrar ou cobrar poucos impostos é garantir o sigilo absoluto dos seus beneficários e recusar colaborar com as autoridades de outros países em investigações fiscais ou criminais

 

 

1- O jornalismo está em crise e o mal não é só nosso. São as novas tecnologias a obrigar à mudança de paradigmas históricos e a desafiarem os modelos de negócios que os pagam. É a mistura nem sempre clara de distinguir entre jornalismo e contributos de cidadãos nas plataformas electrónicas. É a tabloidização que avança, por vezes como instinto de sobrevivência à procura das receitas que se perdem. É a profissionalização e sofisticação crescente das fontes e a proletarização crescente das redacções.

Os “Panama Papers” também são, entre muitas outras coisas, uma demonstração da importância decisiva do jornalismo e da sua missão mais nobre: divulgar dados de interesse público que muita gente preferia manter em segredo. Naquele contexto difícil, isto assume um valor redobrado que é acrescido pelo facto de se tratar de uma cooperação global entre centenas de jornalistas de dezenas de países - em Portugal o “Expresso” e a TVI participaram desde o início nesta investigação.

 

2- O problema dos “off-shores” é tão antigo como os próprios e qualquer cidadão medianamente informado sabe o que se pode por lá passar. Mas uma coisa é esse conhecimento teórico, outra é a demonstração com casos concretos. Todos sabíamos há muito que morrem diariamente adultos e crianças na travessia desesperada do Mediterrâneo mas o sobressalto maior aconteceu quando vimos o corpo do pequeno Aylan Kurdi com a sua camisola vermelha numa praia turca. Ver é mais forte do que saber. Ver a demonstração dos vários esquemas e dos protagonistas que a eles recorrem faz mais do que centenas de discursos inflamados contra os paraísos fiscais.

 

3- Devemos sempre resistir à tentação facilitista de meter no mesmo saco farinhas que são muito diferentes. Independentemente do que se pense sobre eles, os “off-shores” são legais e o uso que deles se faz não é necessariamente ilícito ou criminoso. Muito mais importante do que saber quem lá tem dinheiro é saber qual é a proveniência desse dinheiro e o motivo da sua utilização. Ninguém terá grandes dúvidas sobre a origem dos milhões do futebolista Lionel Messi. Mas o mesmo já não podemos dizer do património que é atribuido a Vladimir Putin ou a outros governantes ou ex-governantes, em muitos casos de países pobres ou em guerra. No primeiro caso poderemos estar, quanto muito, perante uma fuga ao fisco. Nos outros, a corrupção pode ser a origem mais óbvia. Entre um esquema para pagar menos impostos, que até pode ser feito dentro da lei - e depois podemos discutir se é moral ou imoral - e o encobrimento de uma fortuna feita com tráfico e droga ou de pessoas ou o financimento do terrorismo vai uma distância enorme que não podemos esquecer. Podemos ficar desiludidos com Pedro Almodovar mas isso não faz dele um fora da lei.

 

4- Não há solução para os “off-shores” que não seja global. Enquanto existir um, o dinheiro sujo irá lá parar. Pior do que não cobrar ou cobrar poucos impostos é garantir o sigilo absoluto dos seus beneficários e recusar colaborar com as autoridades de outros países em investigações fiscais ou criminais. O que os donos de patrimónios acumulados de forma ilícita ou criminosa procuram é o secretismo. Enquanto este persistir aqueles vão sentir-se seguros. A divulgação dos Panama Papers fez mais para abalar esse conforto do que centenas de investigações em vários países.

 

5- Nas últimas décadas o controlo dos “off-shores” já esteve na agenda de dezenas de reuniões dos G7, G8, G20, FMI, OCDE, UE e outras organizações supra-nacionais. Pouco ou nada se fez que fosse realmente efectivo. Talvez porque, de uma forma ou de outra, os decisores globais acabam por beneficiar deles. Não necessariamente de forma directa ou particular, mas porque há muitos governos de países que consideramos decentes que os utilizam para ocultar o rasto daquilo que não querem que as opiniões públicas conheçam: financiamento secreto de guerras e conflitos, tráfico de armas, apoio a grupos de guerrilha por conveniências de “real politik”.

 

6- Já caiu um governante - o primeiro-ministro islandês - e outros poderão também cair. Vai haver danos na reputação de muita gente, que serão tanto maiores quanto mais democráticas forem as sociedades a quem têm que prestar contas. Mas no fim de tudo vai mudar verdadeiramente alguma coisa? Gostava de ser optimista e responder que sim. Mas não sou. Ainda assim, é bom saber que há muitos que se esforçam por cumprir o seu papel. Neste caso a dianteira é dos jornalistas.

 

 

Outras leituras:

 

Será como peixe na água esta visita de Marcelo ao museu das notícias e da comunicação, obra de Luís Paixão Martins. Se na política há um entendido na matéria ele é certamente o novo Presidente da República. 

 

Belas e ao mesmo tempo aterradoras estas perspectivas de Hong Kong. Foram feitas com um drone pelo fotógrafo Andy Yeung.

publicado às 01:03

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