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SAPO24 Crónicas

Todos os dias um olhar mais atento a um tema que marca a actualidade. Artigos, análises e crónicas exclusivas no SAPO24.

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Todos os dias um olhar mais atento a um tema que marca a actualidade. Artigos, análises e crónicas exclusivas no SAPO24.

Isto não é um país. É um laboratório económico e social

 

“Bandeiras”, “apostas”, “paixões” e “compromissos” é coisa que não nos tem faltado. Uns mais à direita, outros mais à esquerda. Todos a sucederem-se, muitas vezes revertendo os que vinham de trás. O que nunca tivemos foram políticas estáveis que permitam o investimento, o crescimento e a criação de emprego

 

 Como para quase tudo, os brasileiros também têm uma expressão feliz para o eterno fado dos mais desfavorecidos: “Pão de pobre cai sempre com a manteiga para baixo”. As crises podem afectar toda a gente. Mas os que estão económica e socialmente mais vulneráveis, precisamente pelo facto de o estarem, acabam sempre por sofrer um embate maior, venha ele de onde vier.

Com esta profunda crise que passámos não foi diferente e temos agora dados sistematizados que podemos analisar para lá do “achismo” e da reacção de facção ou de ocasião. A Fundação Francisco Manuel dos Santos divulgou a obra multimedia Portugal Desigual que vale a pena conhecer e que, entre outras, responde à pergunta “Quem perdeu mais com a crise?”. O período analisado é entre 2009 e 2014 e a conclusão é que a quebra efectiva de rendimentos foi maior (25% contra 12% na generalidade da população) no patamar mais baixo de rendimentos, até 3628 euros por ano.

Uma quebra que se deve essencialmente ao aumento do desemprego, já que este segmento não foi directamente afectado pelos cortes de salários ou pensões, como o estudo refere. E que não pode ser amortecida por prestações sociais reduzidas num Estado à beira da bancarrota.

Mas se não fosse assim seria certamente de outra forma, porque é a manteiga que dá sempre de caras com o chão sujo.

Agora foram os mais desqualificados e precários os primeiros a sofrer, através do desemprego. Mas há 30 anos, aquando do resgate de 1983-85, também tinham sido os mais pobres a sofrer com a perda de salário real, “comido” em grande parte por uma inflação que tinha chegado aos 30%. Sem poupanças, porque os rendimentos escassos fazem sobrar dias e não dinheiro no final do mês, com mais baixas qualificações e por isso menos ferramentas para encontrarem novos empregos, com vínculos laborais frágeis ou mesmo inexistentes, são sempre estes o elo mais fraco seja qual for o contexto. Já fomos resgatados com moeda própria e controlos de capitais e já fomos resgatados na zona euro e com menos instrumentos de política económica e orçamental à nossa disposição.

Eu acredito que a pobreza e as desigualdades são uma preocupação e prioridade para a generalidade dos políticos e dos partidos. Têm é caminhos muito diferentes para tentar chegar ao mesmo objectivo. Uns mais eficazes do que outros, certamente, no curto e longo prazos. E ninguém tem a “bala de prata”, a solução, a receita que tudo resolve.

Não tem sido, aliás, por falta de tentativas diversas que estamos a falhar. Já nacionalizámos e privatizámos, já regulámos e desregulámos. Já tivemos moeda que desvalorizávamos para ganhar competitividade e já tivemos moeda forte, emprestada da Alemanha. Já apostámos nas qualificações, já nos apaixonámos pela educação, já tivemos “choques” tecnológicos. Já criámos e multiplicámos prestações sociais. Já subimos impostos, todos e mais alguns, para pagar tudo e mais alguma coisa. Já atirámos com investimento público para a economia, um racional e necessário e outro delinqente, que nos deu auto-estradas onde não circulam carros, estádios de futebol onde não se joga à bola, aeroportos onde não aterram aviões. E já cortámos cegamente no investimento público. Já tentámos reduzir os impostos para as empresas e já recuámos na medida. Já tivemos leis laborais mais rígidas e menos rígidas. Já tivemos horários laborais mais longos e mais curtos. Já incentivámos o negócio bancário com bonificações de juros para a habitação e já tivemos que resgatar bancos com dinheiro dos contribuintes. Já apoiámos a construção e o imobiliário e já lamentámos o peso que o sector teve na economia. Já fizemos os livros brancos todos que há para fazer, já chamámos gurus internacionais para nos desenharem “clusters”, já tivemos os PIN - Projectos de Interesse Nacional. A lista, feita de memória, podia continuar. “Bandeiras”, “apostas”, “paixões” e “compromissos” é coisa que não nos tem faltado. Uns mais à direita, outros mais à esquerda. Todos a sucederem-se, muitas vezes revertendo os que vinham de trás.

O que nunca tivemos foram políticas estáveis que permitam o investimento, o crescimento e a criação de emprego. Que não mudem a cada ano, a cada ministro ou, com sorte, a cada legislatura. Que garantam um horizonte de estabilidade a pequenos e grandes empresários, a trabalhadores e pensionistas, a gestores públicos ou privados. Que dimensionem o Estado às capacidades da economia e que libertem o essencial dos seus recursos para as políticas sociais, a redistribuição de rendimentos e para as funções que só o Estado pode exercer.

Demoramos a aprender mas um dia lá chegaremos: a melhor maneira de proteger os que de facto precisam é o crescimento económico e o investimento permitido pela criação de riqueza. Só se distribui o que existe e não temos que ficar surpreendidos que a grande distribuição que ciclicamente fazemos é de pobreza e não da riqueza que não criamos.

Não sei quando nem como vai ser a próxima crise económica e social em Portugal. Mas uma coisa é certa: os mais desfavorecidos continuarão a ser os mais afectados e aqueles que mais dificilmente vão recuperar depois dela. Talvez seja então mais inteligente tentar evitar essa crise, não?

 

 

Outras leituras

  

  • O bom senso tardou mas acabou por chegar. Passos Coelho já não apresenta e credibiliza o livro que nunca teria sido escrito se a sensatez e a decência não estivessem tão mal distribuídas.
publicado às 13:44

Se Ferreira do Amaral falasse em inglês…

Por: Paulo Ferreira

O deslumbramento por declarações de economistas estrangeiros não faz sentido, sobretudo quando, por regra, esses economistas conhecem o país e a nossa economia muito pior do que os seus colegas portugueses e não têm qualquer capacidade de decisão sobre o país.

 

 

Um francês pode estar apenas a ler um folheto de supermercado que a mim parecerá sempre que está a dizer coisas interessantíssimas e muito profundas num programa de Bernard Pivot. E um alemão, ainda que esteja de livro de instruções da máquina de lavar na mão, soará sempre a um filósofo discípulo de Hegel ou Heidegger. Talvez, neste caso, esteja a ser condicionado por Caetano Veloso para quem “está provado que só é possível filosofar em alemão”. E estas coisas, cantadas em português com sotaque do Brasil marcam muito mais.

 

 

Ou então é simplesmente um traço de provincianismo semelhante ao que marca a nossa relação com a tribo dos economistas.

 

 

Em Portugal temos, felizmente, economistas para todos os gostos, feitios e utilidades e é fácil encontrar dois que discordem sobre uma qualquer matéria e que defendam as suas posições com competência. É a vantagem das ciências sociais, como a Economia: todos têm a enorme vantagem de estar potencialmente certos até se passar da teoria à prática. Quando se passa.

 

 

Mesmo as propostas mais arrojadas dentro do “status quo” e das opções estratégicas que o país tomou encontram competentíssimos defensores, que nos fazem sempre pensar e até vacilar sobre aquilo que temos como certezas económicas - se é que tal coisa existe.

 

 

A velha questão da entrada e da permanência de Portugal no euro é um desses temas. João Ferreira do Amaral é a voz mais audível que sempre foi contra a adesão do país à moeda única, numa fase em que o caminho estava só no início. Mas também Miguel Cadilhe, por exemplo, discordou dessa opção política.

 

 

 

Hoje, Ferreira do Amaral mantém que o país teria vantagens em deixar a moeda única. Publicou, inclusive, o livro “Porque devemos sair do euro” há três anos onde explica tim-tim por tim-tim porque é que, no seu entender, deixar o euro é imperioso para que o país saia da crise - ou para que a crise saia do país. E é acompanhado nessa sua teoria por muitos economistas, sobretudo mais à esquerda.

 

 

Mas Ferreira do Amaral, como a generalidade dos economistas portugueses, tem dois problemas em nada relacionados com a sua competência, lucidez e seriedade intelectual: não se expressa normalmente em inglês e nunca ganhou um Nobel.

 

 

Não fosse assim e as suas ideias seriam certamente muito mais destacadas e debatidas. Prova disso foi o que aconteceu esta semana com a entrevista dada por Joseph Stiglitz à Antena Um. O economista americano defendeu também que a saída do euro é, no seu entender, o caminho a seguir. Ora, isto dito em inglês e ainda por cima “por um Nobel da economia” ganha logo outro peso na agenda.

 

 

Este deslumbramento por declarações de economistas estrangeiros - sejam eles de direita ou de esquerda, alemães ou americanos - não faz sentido, sobretudo quando associado a outras duas características: por regra, esses economistas conhecem o país e a nossa economia muito pior do que os seus colegas portugueses e não têm qualquer capacidade de decisão sobre o país. Neste sentido, é muito mais importante para nós - porque pode mexer verdadeiramente nos nossos bolsos - a opinião de um qualquer analista anónimo de uma agência de rating ou de um banco de investimento que transaciona dívida portuguesa do que todos os Nobel da Economia juntos.

 

 

Tivesse Ferreira do Amaral falado em inglês há duas décadas e provavelmente o nosso destino teria sido diferente. Melhor? Nunca saberemos porque essa contra-prova nunca poderá ser feita. Que o desenho do euro está inacabado desde o início é consensual. Que, apesar disso, a nossa vida teria sido mais fácil e mais próspera fora da moeda única como ela existe é que levanta muito mais dúvidas. Os modelos económicos podem indicar que sim, que conseguiríamos mais crescimento, mais emprego e mais prosperidade se tivéssemos usado a liberdade da política económica que o facto de ficarmos fora da moeda única nos teria permitido.

 

 

A questão é que os modelos económicos não incorporam a vontade e qualidade das lideranças políticas. E o que temos assistido ao longo da nossa relativamente curta vida democrática é que os graus de liberdade da política económica são, por regra, utilizados para a asneira imediata ou a prazo.

 

 

Com liberdade cambial e monetária não é descabido imaginar que hoje poderíamos ser uma pequena economia carregada de inflação, com degradação constante do poder de compra e uma competitividade refém da desvalorização cambial. Foi assim durante toda a década de 80 e mesmo no início dos anos 90, quando o país começou a preparar-se para a entrada no euro, não faltaram vozes contra a chamada “política do escudo forte”. Uma delas foi até a de Braga de Macedo, então ministro das Finanças, e levou à demissão de um na altura jovem vice-governador do Banco de Portugal, António Borges.

 

 

De então para cá, a nossa incapacidade para nos governarmos está à vista, apesar da boleia que apanhámos das taxas de juro muito baixas por empréstimo da credibilidade alemã e dos abundantes pacotes de fundos comunitários. A oposição a políticas de rigor que cumpram o objetivo de ter um orçamento equilibrado são, a esse nível, um sinal que só nos pode deixar muito desconfiados.

 

 

Outras leituras

 

Está em curso mais um dos casos clássicos das “zangas de comadres”, desta vez entre Fernando Lima, que durante décadas foi a “sombra” de Cavaco Silva, e o ex-Presidente da República. Tudo para nos recordar que é demasiado cedo para fazer balanços completos da vida política do homem que mais tempo nos liderou nas últimas três décadas.

 

A Lego é um interessante caso-estudo. Na era da electrónica para os mais novos, a resistência, a reinvenção e o crescimento de um dos mais clássicos brinquedos mostra que há um caminho paralelo aos apelos tecnológicos.

publicado às 12:25

A matemática acaba onde começa a filosofia

Por: Helena Oliveira

 

Quem precisa de filósofos que pensem se à nossa volta se multiplicam “pensadores”e “opinantes”, que oferecem a sua sabedoria a um ritmo vertiginoso? Como serão os líderes e decisores do amanhã que estão a crescer com o telemóvel debaixo da almofada? Das grandes empresas, como a Google, às universidades, como Harvard, há notícias animadoras: a filosofia está de volta, bem como as humanidades em geral depois de anos em que tudo o que contava era tecnologia e matemática. Temos mesmo de voltar a aprender a pensar na era da técnica.

 

 

Na década de 80 do século passado, a poderosa AT&T sofria uma enorme crise de identidade que poderia ter dado cabo da sua reputação e levado o seu fundador, Alexander Graham Bell, o inventor do telégrafo falante, vulgo, telefone, a dar muitas voltas na tumba. Como seria de esperar, e perante as dúvidas sobre o seu futuro, a empresa voltar-se-ia para os consultores de gestão – espécime em franca expansão à época – na tentativa de obter a resposta que poderia ditar o seu futuro: entrar ou não entrar no mercado emergente dos telefones celulares.

 

Utilizando os habituais modelos preditivos matemáticos, os consultores chegariam à conclusão que os telefones móveis serviriam apenas um nicho de mercado e não um em que valesse a pena investir tempo e recursos. Assim, e tal como tinha acontecido com a Digital Equipment Corporation nos anos 60 que, erradamente, tinha também previsto que nunca existiria uma forte procura por computadores pessoais, a AT&T faria um enorme erro de cálculo no que respeita a uma das mais importantes inovações tecnológicas e comerciais dos nossos tempos.

 

Ao confiar exclusivamente na gloriosa exatidão das ciências matemáticas – indispensáveis, sem dúvida, para a construção de um telefone – a gigantesca empresa de telecomunicações esquecer-se-ia do mais fundamental: o que significaria realmente ter um telefone móvel e por que motivo alguém daria dinheiro para o adquirir.

 

Esta história é contada por Ryan Seltzer, ex-consultor de gestão, que deixou o negócio da consultoria num banco em Boston (antes trabalhara na Casa Branca) - para fundar uma empresa de filosofia – a Strategy of Mind – que ajuda agora muitas outras congéneres a responder e a resolver alguns dos mais complexos desafios de gestão, nomeadamente aqueles que começam com a mais básica das questões: o “como”.

 

Serve esta introdução para falar da importância da filosofia – ou, mais especificamente, da sua aparente inutilidade – nos tempos que correm, muito graças à crescente obsessão pelas ciências exatas – nomeadamente as que cabem no famoso acrónimo STEM – para ciências, tecnologias, engenharias e matemáticas ou “aquilo que está a dar”, mas não só.

 

Sim, é certo que a relevância social das denominadas ciências humanas – sim, pasme-se, também são ciências – deambula perdida nas ruas da amargura, que o seu lugar institucional é mais do que desvalorizado e a sua função pedagógica crescentemente posta em causa. Sobre esta crise que paira sobre todas as áreas do saber que não prestam vassalagem à exatidão, escreve Manuel J. do Carmo Ferreira, Professor Catedrático de Filosofia da Universidade de Lisboa (aposentado),na revista Gaudium Sciendi, da Universidade Católica Portuguesa: “irrelevância como saber, ineficácia como intervenção, desfasamento em relação aos avanços em outras áreas do conhecimento, são os traços maiores de uma prolongada crise de legitimação das Humanidades, a que se vem juntar a insegurança dos que as cultivam quanto à natureza e títulos de afirmação do seu campo disciplinar”.

 

Mas se a prosa sobre a crise das humanidades daria pano para muitas mangas, centremo-nos apenas na Filosofia, cujo lugar na sociedade contemporânea sofre de uma enorme ambiguidade: se, por um lado, existe um desinvestimento claro no seu ensino e aplicação – quem quer trocar um filho proficiente em tecnologia por um que se perca nessa coisa que não serve para nada chamada filosofia? – por outro, e em particular no mundo dos negócios, a filosofia parece estar a transformar-se num mantra repetido por muitos no sentido de que pode ajudar ao tão almejado sucesso, aquela palavrinha que todos usamos sem nunca pensarmos no seu verdadeiro significado.

 

Apesar de, na maioria das vezes, não aparecer em estado “puro”, mas antes transvestida em modas que acabam por ser efémeras, um tonzinho filosófico fica sempre bem, principalmente na poderosa indústria da liderança, que à falta de novas ideias, vai embarcando na onda do coaching, seguida pela vaga do mindfulness – que vai de vento em popa, a propósito – e de outras que tais, “perfeitas” para se lidar com a também chamada era da complexidade e nela triunfar, é claro.

 

Ora, se é complexo, é filosófico e mesmo que se atropelem definições, conceitos e práticas, se juntem alhos com bugalhos, retirados de receitas milenares chinesas, com pozinhos pós-modernos de inteligência emocional, temperados ainda - e porque as especiarias, seja qual for a sua origem, aguçam o espírito - com umas técnicas de relaxação indianas – a filosofia parece estar, em muitos casos, a ser usada como uma espécie de cozinha de fusão. E que vende, a propósito.

 

Mas e por outro lado, esta antiga senhora faz lembrar também aquelas tias velhas e chatas que somos obrigados a convidar para as grandes celebrações: tem um lugar à mesa, mas ninguém lhe dá a devida atenção ou, pior ainda, colocamo-la no lugar mais afastado do centro, para que não sejamos contagiados com o cheiro a bafio que dela emana.

 

Existe ainda uma terceira opção: a tia é velha e chata, mas também é rica e, enquanto herdeiros, podemos sempre descobrir um camafeu, feio, mas valioso, guardado num velho baú que, devidamente vestido com novas roupagens, poderá valer uma boa maquia num qualquer novo mercado zen, devidamente comercializado por um bom leadership coach e ser tema de workshops moderníssimos que tão bem ficam nos nossos currículos.

 

Tudo isto é mais plausível de acontecer do que manifestarmos a convicção de que o mundo não precisa apenas de tecnologias, algoritmos, folhas de excel, estatísticas e afins, mas também de pessoas que saibam pensar de forma crítica, que façam as perguntas certas, que questionem o que não parece passível de ser questionado e que arrisquem em novas teorias e formas de compreender esta época que, tal como todas as outras, não deixa de ter “food for thought”, muito antes pelo contrário.

 

Basta pensarmos em três ou quatro questões bem “modernas” e podemos logo começar pela que dá o mote a este texto. Têm as humanidades um lugar legítimo num mundo em que a ciência e a tecnologia parecem reinar? Será que a inteligência artificial irá comprometer a nossa moralidade? E se a neurociência vier a colocar em causa o nosso livre arbítrio? Deverão as evidências das alterações climáticas alterar a forma como vivemos? Habituar-nos-emos a viver em clima de medo face ao fundamentalismo crescente? Será possível que o extremismo de direita, em franco crescimento na Europa, possa dar origem a um novo holocausto? Deixaremos de raciocinar num mundo em que existem apps que dizem o que devemos comer, o que devemos vestir, quantas horas devemos dormir e por aí adiante?

 

Convencermo-nos desta aparente lógica da batata não é, de todo, fácil. Para que serve a epistemologia, a ética ou a filosofia moral, a filosofia política ou a ontologia, senão como palavrões que nem merece a pena googlar? E qual a importância de termos tempo para pensar e questionar, quando vivemos, em continuum, rodeados de tecnologias que nos satisfazem os desejos mais imediatos, nos dão o poder do conhecimento total, que nunca nos deixam sozinhos com os nossos botões e que não nos permitem ter tempos de ociosidade, a pré-condição que iria dar origem aos primeiros pensamentos filosóficos? E, mais ainda: se a filosofia, enquanto disciplina ou prática, deveria responder às inúmeras novas e complexas questões que se colocam à sociedade contemporânea, não foi o seu lugar usurpado pelos incontáveis “opinantes”, “comentadores” e “cronistas”, em conjunto com os milhares de milhões de pessoas que passam a vida a dissecar a nossa realidade e a emitir juízos sobre ela? Serve a filosofia para alguma coisa no século XXI?

 

Em muitas nações ditas desenvolvidas a ideia vigente é que não se deve apostar ou investir nesta que já foi considerada como “o saber mais abrangente”. Mas também existem alguns ventos contrários que pretendem desencalhar este velho “amor pelo saber”. E que estão a empurrar, ainda que lentamente, o universo académico, por um lado, e o da liderança, empresarial mas não só, por outro.

 

Para quê usar a cabeça se temos computadores?

 

 

Em 2014, e já no rescaldo da crise financeira de 2008, o presidente da Irlanda, Michael Higgins, lançou a “Iniciativa de Ética” com o objetivo de desenvolver, a nível nacional, um debate sobre os principais valores que deveriam reger a sociedade irlandesa na altura. A ideia, várias vezes repetida em discursos presidenciais, era a de que se o povo realmente prezava a democracia, deveria evoluir para uma cidadania de pensamento independente e ativo, sendo que recuperar a importância do ensino da filosofia nas escolas constituiria um dos mais preciosos meios para atingir esse fim. Para Higgins e numa interpretação mais ou menos livre das suas ideias, a filosofia seria o mais importante antídoto contra o pensamento de grupo, encarneirado, e o melhor ingrediente para colocar um fim no enjoativo consenso que há muito estava a limitar o livre pensamento.

 

Um ano antes, e logo ali ao lado, o Reino Unido iniciaria um estudo comparado, em 48 escolas do 1º ciclo, com a duração de um ano, no qual 1500 crianças entre os 6 e os 10 anos receberiam aulas de filosofia e outras 1500 não. O estudo, conduzido pela Education Endowment Foundation (EEF), uma organização sem fins lucrativos que visa estreitar o fosso entre os rendimentos familiares (baixos) e o aproveitamento escolar, pretendia testar a eficácia das premissas filosóficas através de um “ensaio clínico aleatório”, exatamente como os que são feitos com os fármacos com potencial de comercialização. Assim, 22 escolas funcionaram como grupo de controlo, enquanto as restantes 26 passaram a ter uma aula de filosofia por semana com a duração de quarenta minutos, no que é denominado como P4C (Philosophy for Children) No total, mais de 3 mil miúdos estiveram envolvidos na experiência e os resultados foram bem além do esperado.

 

O programa, da responsabilidade da Society for the Advancement of Philosofical Enquiry and Refletion (SAPERE), não tem como objetivo concentrar-se no estudo de textos de Platão ou Kant mas, através da leitura de histórias, poemas ou pequenas notícias da imprensa, ou ainda através da visualização de pequenos filmes, estimular as discussões sobre matérias “potencialmente”filosóficas. O objetivo é ajudar as crianças a raciocinar, a formular e a fazer questões, envolvê-las em debates construtivos e apoiá-las no desenvolvimento de argumentos.

 

O “material” pode ser tão díspar quanto a leitura de uma história sobre um miúdo que queria manter uma baleia de estimação na sua banheira ou simplesmente lançar-se uma pergunta, em particular no grupo dos mais velhos (entre os 8 e os 10 anos) que tenha o tal potencial filosófico: “por que motivo os tenistas homens recebem maiores patrocínios do que as suas congéneres femininas?”, “é legítimo privar alguém da sua liberdade?” ou “se pudesses, mandarias acabar com o livre pensamento?”, entre outras inúmeras possibilidades, não esquecendo as mais “óbvias” como “O que é ser humano?”, “se tivesses outro nome, serias uma pessoa diferente?”, “qual a diferença entre dizer uma mentira ou manter um segredo?”, “temos de estar tristes às vezes para podermos estar felizes noutras?”, entre uma panóplia alargada de outras tantas.

 

Os resultados? Não só bons, como inesperados. O mais surpreendente foi o facto de todos os miúdos que participaram nesta iniciação filosófica terem melhorado o seu aproveitamento escolar na matemática e na leitura, tendo em conta que o objetivo inicial nada tinha a ver com melhorias na literacia ou na aritmética. Em média, estes progressos corresponderam ao equivalente a dois meses extra de ensino e foram as crianças provenientes dos agregados mais pobres as que um passo maior deram na sua performance: as suas competências de leitura “avançaram” quatro meses, as de matemática três e as de escrita dois.

 

Também e no geral, todas as crianças participantes demonstraram uma maior confiança para falar em público, melhoraram as suas competências de saber escutar os outros (pares e professores), demonstraram uma paciência muito mais significativa face aos colegas e apresentaram uma melhoria generalizada na sua autoestima. Novas formas de pensamento e raciocínio lógico, em conjunto com uma melhoria significativa nas suas formas de expressão, ordenação de ideias e capacidade de argumentação foram também claramente atingidas.

 

Adicionalmente, estes efeitos benéficos da filosofia duraram dois anos, com o grupo intervencionado a continuar a ter melhores resultados muito tempo depois de as aulas terem terminado, daí que a avaliação final tenha sido apenas publicada em Junho de 2015. O programa foi entretanto adotado por inúmeras escolas em todo Reino Unido, sendo que existem atualmente mais de 3 mil professores formados em P4C e 60 mil crianças a usufruírem deste tipo de experiência. A metodologia utilizada pela SAPERE foi desenvolvida há 35 anos pelo professor norte-americano Matthew Lippman, em New Jersey, e é utilizada, em formatos similares, em mais de 60 países.

 

No fundo, e no que aos mais novos diz respeito e a não ser que haja um cataclismo que desligue a internet, filosofar será cada vez mais difícil. Os alertas multiplicam-se e não é preciso ser-se tecnofóbico para perceber que não é fácil pensar, imaginar ou questionar quando temos o mundo inteiro literalmente na mão e ao nosso dispor ininterruptamente. Quem imagina um adolescente a trocar likes, tweets, instagrams e similares por uma meia hora de silêncio ou de interiorização? Ou o ciberespaço por um espaço físico para pensar? Ou até um chat por uma conversa numa mesa de café, expressando, por exemplo, a tristeza que sente sem se limitar a utilizar uma mera “carinha” triste?

 

Salvo honrosas exceções, a verdade é que cada menos se troca a cuidadosa e morosa gestão do reflexo que se quer partilhar com o mundo, por momentos de autorreflexão. Sabido também é que esta inexistência de espaço e de tempo para se pensar não afeta, como sabemos, só as novas gerações. Em passo mais do que acelerado, tudo o que acontece no mundo é vertiginosamente comentado, opinado, e, é claro, partilhado por cerca de 3,5 mil milhões de pessoas – ou 40% da população mundial que tem acesso à internet. E, destes, um ou dois mil milhões consideram-se, certamente, como filósofos. Se opinam e comentam, logo existem. E assim, para que raio servem os filósofos?

 

Obsoleta e inútil, a quem interessa a filosofia?

 

 

Apesar de, em muitos casos, a filosofia parecer ter sido arrumada numa gaveta poucas vezes aberta, em 2010, o The New York Times resolveu tirá-la do armário académico onde vivia encafuada e partilhou-a com o resto do mundo: apesar de classificada como uma mera coluna de opinião, o espaço The Stone – definido como um fórum para filósofos contemporâneos e outros pensadores, tem vindo a atrair milhões de leitores interessados em questões tão contemporâneas como intemporais.

 

Tópicos universais como os mistérios da consciência ou da moralidade, são misturados com questões da atualidade tão díspares quanto a ética na utilização de drones, o controle de armas, as desigualdades de género, a crise dos refugiados, ou seja, com as questões sociais, culturais ou políticas do nosso tempo, naquilo que parece ser uma receita de sucesso que, afinal, até “dá likes” e partilhas.

 

E foi tão grande o êxito deste “espaço para pensadores” que a coluna semanal deu origem ao livro, publicado em janeiro deste ano, The Stone Reader: Modern Philosophy in 133 Arguments , o qual, de acordo com os seus editores, coloca uma significativa parte do total do discurso da filosofia moderna ao dispor dos leitores. O livro é dividido em quatro grandes secções – Filosofia, Ciência, Religião e Moralidade, e Sociedade e a sua introdução começa da seguinte forma: “O que é um filósofo? E, mais importante do que isso, quem é que realmente se importa com isso?”.

 

Num tom bem-humorado, Peter Capatano, editor do NYTimes e responsável pela edição dos ensaios publicados na The Stone, explica que a primeira pergunta - o que é um filósofo? – foi, exatamente, o tema do ensaio de lançamento da dita coluna em 2010. E qual não foi o seu espanto, e dos ensaístas que para ela iriam contribuir na altura, quando se aperceberam que o artigo tinha sido o mais lido de todos na edição online do jornal nesse dia.

 

Nesta mesma introdução, Capatano não se esquece de sublinhar a ideia de que a filosofia é considerada como supérflua e obsoleta por um conjunto substancial de pessoas, numa espécie de movimento “anti-intelectuais” que vigora nos quatro cantos do mundo, e muito em particular nos Estados Unidos. Mas rejeita liminarmente a ideia – dando como exemplo o sucesso da coluna em causa – de que a filosofia seja inútil, não tendo medo de responder à segunda questão formulada: “há muita gente que se importa, sem dúvida”, escreve. E é esta “muita gente” que poderá ajudar a ressuscitar o valor que a disciplina teve ao longo de grande parte da história da Humanidade.

 

De Harvard aos “cursos que obrigam a pensar” para CEOs

 

 

Essa ressurreição está também a ganhar raízes nos templos do saber da atualidade. Vejamos o exemplo da mais americana das universidades, onde os alunos chegam com planos de carreira bem definidos, na sua maior parte assentes em racionalidades inabaláveis, mas onde uma cadeira denominada Teoria Política e Ética Chinesa Clássica reúne o maior número de alunos inscritos, só suplantada pelas de “Princípios de Economia” e “Introdução às Ciências Computacionais” (aqui tinha mesmo de ser, mas mesmo assim não é nada mau ocupar o 3ª lugar do pódio).

 

Sim, estamos a falar de Harvard e de como um professor, Michael Puett, foi obrigado a mudar de anfiteatro – para o maior do famoso campus universitário – para poder albergar todos os alunos que, em particular desde 2007 (o 2º ano em que cadeira foi ministrada), procuram resolutamente a sua aula. A disciplina – que tem como base a relevância dos textos clássicos chineses para a atualidade – deu origem ao livro The Path: What Chinese Philosophers Can Teach Us About the Good Life, lançado no passado mês de Abril e já comprado por editoras em 25 países, incluindo a própria China, onde vai ser publicado ainda este ano.

 

O segredo de Puett parece residir na introdução de ingredientes frescos numa receita antiga. O professor pede aos alunos que leiam os textos originais de Confúcio, como o famoso Analectos, também conhecido como Diálogos de Confúcio ou o Mencius, da autoria do filósofo chinês com o mesmo nome (julga-se) ou ainda o Dao de Jing, comummente traduzido como” O Livro do Caminho e da Virtude” (uma das mais conhecidas e importantes obras da literatura chinesa), confrontando-os depois com questões similares – mas “modernas” – que seguramente devem ter dado cabo da cabeça dos eruditos chineses há vários séculos.

 

Mas não só. De seguida, Puett sugere aos seus alunos que ponham em prática, nas suas próprias vidas, os ensinamentos apreendidos, sendo que os que predominam são, na verdade, ideias simples que não perdem, de todo, atualidade. De acordo com as palavras do próprio Puett, e numa entrevista que deu, em 2013, à revista The Atlantic, o professor afirma que, face há 20 anos – quando começou a dar aulas – os alunos da atualidade sentem-se “esmagados” por um caminho específico que têm de percorrer no sentido de objetivos de carreira muito concretos, sendo que estes, na maioria das vezes, resultam de imposições externas (seja da pressão dos pais, por exemplo, ou mesmo da sociedade que predetermina que cursos é que “estão a dar”).

 

O que Puett observa é que, cada vez mais, os estudantes orientam todo o seu percurso escolar, e até as suas atividades extracurriculares, de acordo com planos e objetivos de carreira predefinidos e “demasiado” programados. Assim, são muitos os estudantes que juram que ao perceberem que o coração e a mente, maioritariamente separados na visão do mundo ocidental, estão profundamente relacionados entre si e que não podem ser encarados isoladamente – uma das principais “lições” que Puett tenta transmitir nas suas aulas – contribuiu mesmo para mudar as suas vidas, existindo até alguns que – sim, parece loucura, mas é verdade – que trocaram as tais ciências exatas e o que está a dar por cursos em áreas das obsoletas humanidades. Será está a prova da famosa citação que é atribuída a Confúcio e que reza “escolhe um trabalho de que gostes, e não terás que trabalhar nem um dia na tua vida”?

 

Harvard não é a única universidade que está a descobrir as delícias da filosofia aplicada a outras áreas do conhecimento. Outras famosas universidades estão a ir pelo mesmo caminho e o mesmo acontece, em particular, com as escolas de negócios. E é aqui que entra, mais uma vez, o fator negócio, mas um que pelo menos ajuda a desenvolver neurónios e a transformar a gestão em mais do que uma obsessão pelos resultados que figuram nos seus relatórios trimestrais. Retomando a história que deu início a este texto, o fundador da empresa de filosofia Strategy of Mind, Ryan Seltzer, assegura que são cada vez mais as empresas que estão a (re)conhecer a prosperidade de outras suas congéneres que estão a apostar em doses similares de “matemática e filosofia”. Claro que o ex-consultor poderia estar apenas a vender os seus serviços, mas abundam os exemplos de várias organizações que comprovam a sua teoria (e o seu modelo de negócio).

 

Damon Horowitz é um dos casos mais clássicos quando se fala destas estranhas decisões em que executivos bem-sucedidos e, muitas vezes, provenientes exatamente de empresas de tecnologia, decidem experimentar os caminhos incertos da filosofia. E a verdade é que o reconhecido empreendedor resolveu abandonar o seu principescamente pago lugar no mundo tecnológico para tirar um doutoramento em filosofia (a sua formação académica anterior incluía uma um mestrado tirado no MIT Media Lab e estudos em ciências da computação em Stanford, onde agora dá aulas de… filosofia).

 

O atual diretor de engenharia e filósofo in-house (este cargo não é inventado, existe mesmo) da Google proferiu uma interessante talk em Stanford, em 2011, intitulada “Por que motivo deve trocar o seu emprego na área da tecnologia e matricular-se num doutoramento em Humanidades”, a qual explora o valor das humanidades – no geral, e da filosofia no particular – num mundo que está continuamente a ser inundado por novas tecnologias. O seu caso está longe de ser único e, em particular, nas grandes empresas em que a tecnologia e a inovação constituem os principais ativos.

 

O que pode ser facilmente explicado por Fareed Zakaria, um colunista do The Washington Post e autor de In Defense of a Liberal Education. Como escreve, “uma educação alargada ajuda a estimular o pensamento crítico e a criatividade e a exposição a uma variabilidade de áreas produz não só boas sinergias, como uma útil ‘fertilização cruzada’”. Afirmando que tanto a ciência como a tecnologia constituem componentes cruciais no mundo empresarial, o jornalista confere, contudo, exatamente o mesmo valor ao Inglês e à Filosofia, e recorda que num dos inesquecíveis discursos de Steve Jobs, o fundador da empresa da maçã explicava que “está no ADN da Apple o facto de a tecnologia nunca ser suficiente – mas, ao invés, ser o seu casamento com as artes liberais e com as humanidades que produz os resultados que fazem cantar os nossos corações”.

 

No mesmo livro, Zakaria defende ainda que a inovação não é, de todo, uma mera questão técnica, “mas antes a forma de compreender como funcionam as pessoas e a sociedade, o que precisam e o que desejam”, algo que, na verdade, esteve também sempre presente na Apple, cujo enorme sucesso em muito se deveu, entre várias outras coisas, à brilhante antecipação dos desejos dos seus clientes.

 

 

Mark Zuckerberg é outro exemplo de como a tecnologia precisa, indiscutivelmente, do saber produzido pelas ciências não exatas. O fundador do Facebook foi, também, um estudante clássico das artes liberais e simultaneamente um apaixonado pelos computadores. A antiguidade grega sempre foi um dos seus principais interesses e a psicologia a área que escolheu para se licenciar. E não é preciso ser-se muito inteligentes para perceber o quão ligadas estão as inovações do Facebook ao campo da psicologia. E é o próprio Zuckerberg que afirma que o Facebook “tem tanto de tecnologia como tem de psicologia e sociologia”.

 

Zakaria cita também um outro estudo sobre o futuro do trabalho, desenvolvido por dois académicos de Oxford e que concluiu que para os trabalhadores evitarem a “computorização” dos seus empregos, terão de adquirir, cada vez mais, competências sociais e criativas”. Para o autor, o que este exemplo significa verdadeiramente é que, e sem retirar valor às ciências exatas e ao inevitável trabalho com as máquinas (que é, sem dúvida, o futuro do trabalho), as mais valiosas competências serão aquelas “unicamente humanas” ou as que os computadores nunca conseguirão imitar (pelo menos assim se espera).

 

Mas e de volta à filosofia e ao valor do “tempo para pensar”, um artigo publicado na revista The Economist ajuda a melhorar a perspetiva no que a esta necessidade no mundo dos negócios diz respeito. Intitulado Philosopher kings: Business leaders would benefit from studying great writers, defende a criação de “retiros para pensar” em substituição das inúmeras modas a que os CEOs vão aderindo, sempre com o objetivo de melhorar as suas capacidades de gestão e liderança (desde as “provas” em ambientes hostis, aos passeios em plena natureza e já contando com os cursos de mindfulness, que o artigo refere como “bons para relaxar, mas maus porque esvaziam a mente”).

 

No mesmo artigo fica expressa a ideia de que é surpreendente o número de CEOs bem-sucedidos que estudaram filosofia, de que é exemplo Reid Hoffman, um dos fundadores do LinkedIn, que optou também por tirar uma pós-graduação em filosofia em Oxford ou o já falado Horowitz, mas também de como Bill Gates, enquanto geria a Microsoft, tinha por hábito isolar-se uma semana no campo para “meditar sobre um assunto importante” ou de como Jack Welch, enquanto CEO da General Electric, reservava religiosamente uma hora do seu dia para pensar, sem recurso a qualquer tipo de distração.

 

Adicionalmente, Peter Thiel, um reconhecido investidor de Silicon Valley apostou recentemente também em conferências para as quais são convidados pensadores de renome numa tentativa de “melhorar o mundo” e David Brendel, filósofo e psiquiatra, é um dos “gurus” mais procurados por estes executivos de topo para prestar aconselhamento sobre liderança, para além de escrever assiduamente na Harvard Business Review sobre como a filosofia pode ajudar a se ser não só um melhor gestor, como um melhor líder. Curioso – ou não – é também o facto de Brendel ser igualmente um dos co-fundadores da Strategy of Mind acima mencionada.

 

Como afirma também o filósofo in-house da Google, “os líderes do pensamento da nossa indústria não são aqueles que subiram, passo a passo, mas de forma monótona, a escada da carreira, mas os que correram riscos e desenvolverem perspetivas únicas”.

 

Ou seja, aqueles que se deram ao trabalho de pensar, questionar e criar.

 

 

 

publicado às 13:38

No gastar é que está a virtude?

Por: Paulo Ferreira

Com o garrote da austeridade mais aliviado, era bom que evitássemos o regresso a essa forma enviezada de olhar para as intervenções do Estado: a virtuosidade das políticas públicas está nos resultados que podem produzir e não na dimensão de despesa que fazem.

 

 

 

Fui lendo as notícias que pré-anunciavam o lançamento do Plano Nacional de Reformas e, confesso, temi o pior. Praticamente todas destacavam o montante de dinheiro que o Governo pretende colocar nesse plano, a magnífica soma de 11 mil milhões de euros ao longo dos próximos anos. O comum dos mortais não consegue ter uma noção de quanto dinheiro estamos a falar, apenas que é muito dinheiro.

 

 

Depois apareciam os “pilares” em que se vai “apostar” e os “eixos em que se desdobram”. Nada de novo, lá estavam os suspeitos do costume: qualificar os portugueses, promover a inovação na economia, valorizar o território, modernizar o Estado, capitalizar as empresas e reforçar a coesão e igualdade social. É assim há décadas, desde que se inventaram estes chavões, o que mostra que resolvemos muito pouco e continuamos com quase tudo por fazer.

 

 

Mas não é este o ponto onde quero bater. É no tique nacional de medir as políticas públicas pela despesa que se faz com elas, pelo dinheiro que se coloca nos programas. Não é pelas metas nem pelos objectivos, não é pelo processo nem pelas pessoas ou entidades que serão impactadas, muito menos pelo acréscimo de produto, de indicadores de qualidade de vida, investimento ou emprego que elas poderão induzir, conforme os casos. O que conta é a quantidade de milhões que se atiram para cima dos temas e problemas, como se o mais importante fosse apenas gastar.

 

 

A Cultura tem menos dinheiro? Estamos, claramente, perante um governo de ignorantes. A Saúde vai gastar menos? Está a desmantelar-se o SNS. Pouco importa que até se possam produzir melhores resultados com uma utilização mais eficiente de menos recursos. O que conta é o dinheiro que se gasta.

 

 

Este foi um tique de que nos tínhamos afastado nos últimos anos, tal era a noção de falta de verbas. Agora, com o garrote da austeridade mais aliviado, era bom que evitássemos o regresso a essa forma enviezada de olhar para as intervenções do Estado: a virtuosidade das políticas públicas está nos resultados que podem produzir e não na dimensão de despesa que fazem.

 

Felizmente que o documento do Governo que lançou o PNR está bem composto de metas e objectivos, relegando para último plano o montante de financiamento. E que António Costa, no discurso de apresentação, nem sequer fez do montante de despesa uma bandeira. 

 

É certo que o essencial dos 11 mil milhões vem das verbas comunitárias do Portugal 2020 que já estão comprometidas com o país. É um “baralhar e voltar a dar” do que já se conhecia e não despesa adicional para fazer. É possível que, na comunicação política, isso tenha pesado na discrição que o anúncio oficial reservou a esse dado.

 

Eu prefiro acreditar que algumas coisas aprendemos com a bancarota. E que uma delas é que atirar indiscriminadamente com dinheiro para cima dos problemas não só não os resolve como nos cria novos problemas.

 

Agora só é preciso avisar as redacções que mais importante do que saber quanto custa o par de ténis é saber quanto é que vamos conseguir correr com eles.

 

 

Outras leituras

 

  • O mar é a nossa eterna aposta adiada. Sabemos que o temos como poucos, que a sua riqueza é incalculável, que tem a capacidade de dar a volta a uma economia. Também sabemos como, para além de discursos bonitos, temos sido incapazes de definir uma estratégia para a ele e, sobretudo, de a executar. Agora sabemos mais esta coisa: uma zona nos mares entre os 200 e os mil metros de profundidade pode alimentar o mundo.

 

 

publicado às 03:34

Onde estão os árabes do petróleo na lista dos mais ricos do mundo?

Por: Márcio Alves Candoso

 

Quando se analisa a lista dos mais ricos, publicada anualmente pela revista norte-americana 'Forbes', fica-se com um amargo de boca. Ou uma dúvida, pronto. É que descobrir aqueles alegados 'cresos' do petróleo do deserto é como achar agulha em palheiro. Será que os hidrocarbonetos das arábias já não dão para o harém e tabaco, ou há ali qualquer coisa que não bate bem?

A primeira resposta vem logo no regulamento da 'Forbes'. Ditadores, cleptocratas e realezas são exluídos desta lista. Está certo que a revista avisa que muitos dos que são analisados, pela sua equipa de mais de 50 investigadores e jornalistas de todo o mundo, por vezes escondem o que têm, e não é fácil fazê-los sair da toca – ou do off-shore, melhor dito. Mas mesmo assim chega-se lá perto, com muito zelo e trabalho, e usando as regras das democracias regulamentadas.

 

É por isso que os árabes do petróleo não aparecem, ou aparecem muito pouco. É preciso consultar outras publicações sem os mesmos pruridos para ter uma ideia – embora fique a percepção de que, ainda assim, longe da verdade dos factos – de como é que aquela gente passou das tâmaras e das cabras para os carros de ouro e diamantes, os palácios de tipologia T-164 e os aviões que fazem inveja ao chefe dos 'yankees'.

 

Voltando à 'Forbes', o primeiro árabe que aparece listado é o príncipe Alwaleed ben Talal Alsaud, que ocupa a 41ª posição do 'ranking', com uma fortuna calculada de 18,5 mil milhões de dólares (*). É dono da cadeia de hotéis 'Four Seasons', tem uma fatia maioritária no Twitter e no Citigroup, e possui investimentos em dezenas de empresas, que concentra na sociedade de participações sociais que dá pelo nome de 'Kingdom Holding, Co.' Kingdom.... está bem.

 

Para encontrar petróleo nas arábias da 'Forbes' é preciso descer até à posição 138, onde encontramos Mohamed Al Amoudi, que empochou até à data 8,3 mil milhões de dólares. Filho de mãe etíope e de pai saudita, este senhor tem qualquer coisa de ouro negro, mas onde ganha razoavelmente bem a vida é na construção e a vender café ao 'Starbucks' e chá à estimada casa 'Lipton'.

 

Em 270º aparece Majid Al Futtaim, dos Emiratos Árabes Unidos, que amealhou os seus escrutinados 5 mil milhões de dólares a vender casas e inaugurando cadeias de retalho comercial. É parente de Abdul Al Futtaim, que vende automóveis e detém os 'franchises' do IKEA, Toys 'R' Us e Marks & Spencer nos emiratos. Tem uma fortuna uma nadita menor. Petróleo, nem vê-lo!

 

As actividades dos mais ricos entre os 'alibabás' mais reconhecíveis e acessíveis pelos critérios da 'Forbes' são diversificadas. Na posição 477 da famosa lista, 100 milhões de dólares abaixo no 'nosso' mais abastado – o empresário Américo Amorim – lá está Mohamed bem Saud Al Kabbeer, que fez fortuna com vacas e ovelhas leiteiras.

 

E chega. Não há mais. Consultando, no entando, o site 'business.com', da revista 'Business Weekly', encontram-se mais alguns árabes. Bader Al Kharafi, do Koweit, juntou 8,5 mil milhões de dólares, e está de vento em popa no negócio das energias renováveis. Issan Al Zahid tem 11,6 mil milhões basicamente ganhos com a construção e obras públicas. Quer encontrar pessoas que enriqueceram à custa do petróleo? Vá à Rússia. É o que há, consultando a 'Forbes' e quejandas...

 

A lista dá-nos ainda outras dicas interessantes. Os três catraios mais ricos do mundo são todos noruegueses. E porquê? Porque os pais lhes passaram para as mãos, mal fizeram 18 anos, uma boa parte da fortuna. A mais nova é Alexandra Andresen, cujo conto de fadas inclui ser titular de 42% da forttuna de família, iniciada há mais de cem anos. Tem 19 anos, e a sua irmã mais velha Katherine tem outro tanto – 1,2 mil milhões cada. Entretanto, Alexandra dedica-se essencialmente a ser campeã junior de 'dressage' lá nos fiordes.

 

O restante é Gustav Magnar Witzoe, um rapaz de 22 anos que detém 47% da empresa dos pais, que é campeã do mundo de aquacultura – 'fish farming' no original. Arrecadou por essa via, até à data, 1,1 'bi'. Mas é empreendedor. Com o 'paitrocínio' já se dedica a investimentos imobiliários e iniciou um negócio de tecnologias. Tal como as suas compatriotas, é solteiro...

 

Casada é Tatiana Santo Domingo, a herdeira – juntamente com os irmãos – da fortuna das cervejas 'Bavaria'. Aos 32 anos, a nova princesa do Mónaco – desposou Pierre Casiraghi, filho de Carolina Kelly Grimaldi – tem de dote 2,4 mil milhões de dólares. O herdeiro da WalMart, Lukas Walton, está também entre os jovens ricaços, bem como o mais conhecido Mark Zuckerberg, o inventor do Facebook. Diga-se que, ontem, o dia correu-lhe mal, já que perdeu em bolsa 425 milhões de dólares. Mas isso não abalou muito a sua fortuna de 44,6 mil milhões, que faz dele, aos 31 anos, o 6º mais rico do mundo!

 

Aliás, nos lugares de topo da lista, abundam os jovens, ou menos jovens, que fizeram fortuna nas novas tecnologias e nas indústrias da informação. Se Bill Gates, o principal accionista e pioneiro da Microsoft, continua a liderar a lista – 16 vezes campeão nos mais recentes 21 anos -, Jeff Bezos, da Amazon, vai em 5º no pelotão, enquanto o dono da Oracle, Larry Ellison ocupa o 7º posto, Larry Page e Sergey Bin (Google) estão respectivamente em 12º e 13º lugares, Michael Dell – empresa com o seu apelido – segue em 35º e a viúva de Steve Jobs, apesar das muitas obras de caridade, ainda tem 16,7 mil milhões, ocupando a 44ª posição; e até subiu no ano passado.

 

Quem está a ficar mais rico são as mulheres. Na lista agora divulgada, assistiu-se a um recorde de 197 de senhoras e meninas nomeadas. E se bem que as heranças familiares ou por viuvez continuem a ser as formas mais típicas de as mulhres enriquecerem, já se vão vendo 'self-made women'. As duas mais ricas, neste quadro, são chinesas, e a liderança pertence a Zou Qunfei, que já ganhou 5,7 mil milhões no imobiliário e etc. Um pouco atrás vai Chan Laiwa, que fez uma fortuna semelhante.

 

Para encontrar uma europeia que subiu às suas próprias custas temos de recuar até à posição 403 do 'ranking', onde está Denise Coates (48 anos, 3,8 'bi'), que ganhou a vida nas apostas 'on-line', através da sua empresa 'Bet365.com'. Ainda estudante, costumava processar dados na loja do pai, que também já se dedicava ao mesmo comércio. Entre apostas, ainda teve tempo para cinco filhos.

 

A mulher mais jovem a ter feito fortuna sem pai ou marido atrás é Elisabeth Holmes, que aos 32 anos tem 3,6 mil milhões, ocupando o lugar 435 da lista 'Forbes'. Inventou umas fantásticas análises ao sangue, que têm estado sob investigação da FDA norte-americana. Mas até à data, não se passa nada.

 

Para o ano há mais. O mundo, entretanto, pula e avança, e eles sabem que o sonho é uma constante da vida. Em 2015, foi batido o recorde do número de 'bilionários' da 'Forbes', ou seja, de pessoas que 'valem' um mínimo de 1000 milhões de dólares. São 1826, e ainda faltam, como se notou mais acima, tudo quanto é ditador, ladrão e rei. No capítulo das novas entradas, os chineses são campeões, com 71 novos ricaços.

 

No total, a lista atinge a soma investigada, conhecida e provada de 7,05 biliões de dólares ('trilions', segundo a gramática anglo-saxónica), mais 600 mil milhões que no ano anterior; ou seja, cerca de 3,5 vezes o PIB português num só ano. E andamos nós preocupados com crescimentos anémicos da nossa economia...

 

(*) o dólar dos Estados Unidos valia, no fecho de ontem, 0,909 euros.

publicado às 09:19

A medida orçamental mais estúpida do ano

Por: Paulo Ferreira

 Não se entende como se vai discriminar positivamente um sector como o da restauração que, nos últimos anos, tem mostrado uma dinâmica invulgar quando a generalidade das outras actividades está carregada de impostos

 

Chegam a ser comoventes o amor e dedicação demonstrados pelo primeiro-ministro ao sector da restauração, materializados na anunciada descida do IVA aplicado ao sector, que deverá passar de 23% para 13% a partir de Julho.

 

Dir-se-á que se trata do cumprimento de uma promessa eleitoral, só por isso um acto meritório. É verdade. Tão habituados estamos a ver a generalidade das promessas ir parar à gaveta entre o dia das eleições e a tomada de posse dos governos que até estranhamos quando elas são cumpridas.

 

No caso presente, o que se estranha é a sobrevivência desta promessa quando tantas outras foram já arquivadas. Primeiro foi a descida da Taxa Social Única para todos os trabalhadores que ficou pelo caminho. Igual destino teve a mesma medida depois de mitigada pelo acordo à esquerda, quando passou a prever aplicar-se apenas aos trabalhadores com ordenados até aos 600 euros. Esta medida custava 327 milhões de euros por ano. Era cara e, quando Bruxelas obrigou a baixar o défice previsto, foi também colocada na gaveta.

 

Mas o IVA na restauração, que custa 350 milhões por ano, sobreviveu. Primeiro porque iria contribuir para a descida de preços, aumentar o volume de negócios do sector e, assim, criar emprego.

 

Mas a corporação sectorial apressou-se a desenganar os mais incautos: que não esperassem uma descida de preços, alegando que eles não subiram quando o IVA subiu. Não é verdade, como mostram os dados do INE. O IVA subiu em Janeiro de 2012. Pois entre Dezembro de 2011 e Janeiro de 2016, os preços no sector subiram 8,5% - uma subida verificada em grande parte logo no início de 2012. No mesmo período, os preços médios de produtos e serviços em toda a economia aumentaram apenas 1%. Portanto, o sector fez-se pagar pelo aumento do IVA, transferindo quase todo o custo fiscal para os consumidores, como é, aliás, natural.

 

Então o argumentário passou a ser apenas o da criação de emprego. Mas como e porquê? Se os preços não baixarem com a redução de IVA, que aumento da procura virá daí? E sem mais procura por motivos fiscais, para quê mais empregados? E se o sector português já é o que tem o volume de facturação por empregado mais baixo da Europa, o caminho é aumentar a mão de obra?

 

Alguém se anda a enganar nas contas. Ou a enganar-nos nas contas.

 

É normal que um sector que durante anos se habituou em larga medida a viver na “informalidade” - o eufemismo que nos salões bem frequentados se utiliza para dizer “fuga aos impostos” - esteja a conviver mal com os sistemas electrónicos que dificultam a sub-facturação e com o e-factura, que transformou cada cliente num fiscal das finanças.

 

Mas essa é uma adaptação que o sector tem que fazer nas suas práticas. É um mau sinal político colocar a generalidade dos contribuintes a pagar as dificuldades que agora sentem no cumprimento das obrigações fiscais.

 

Que pagamos impostos demasiado elevados, é um facto. Mas isso é verdade na restauração e no vestuário e calçado. Nos electrodomésticos e nos imóveis. Nos combustíveis e nos rendimentos do trabalho.

 

Não se entende como se vai discriminar positivamente um sector que, nos últimos anos, tem mostrado uma dinâmica invulgar quando a generalidade de todas as outras actividades está carregada de impostos.

 

Neste contexto, de austeridade continuada e com aumentos inferiores a um euro para as pensões mais baixas por falta de margem, dar 350 milhões de margem comercial adicional à restauração é, provavelmente, a medida orçamental mais estúpida do ano.

 

Esta é uma promessa que devia estar na primeira linha das que caem por manifesta falta de racionalidade económica e financeira. Só por teimosia política se insiste no erro.

 

OUTRAS LEITURAS 

publicado às 01:28

Um orçamento eleitoralista em início de mandato

Por: António Costa

 

António Costa mudou as regras de formação de governos e, agora, também mudou a estratégia política que manda executar as medidas impopulares no início dos mandatos... O primeiro orçamento de Costa é eleitoralista, aposta tudo nos funcionários públicos, pensionistas e empresários da restauração e dilui por todos os outros a fatura necessária para pagar o acordo das Esquerdas. Sim, há outro caminho, há sempre alternativas, mas esta austeridade disfarçada, supostamente de Esquerda, não é aquela de que o país precisa, e esse é o principal problema.

 

António Costa tem toda a legitimidade para seguir uma outra estratégia económica e orçamental, diferente daquela que foi seguida pelo anterior governo e mesmo tendo em conta que aquele estava a gerir um país intervencionado. Não é isso que está em causa - tem legitimidade política e formal. É a Democracia, como é a Democracia a crítica a esse caminho, sem ter de se ouvir a acusação de traição à Pátria.

 

 

Aliás, a negociação que Costa e Mário Centeno conduziram com a Comissão Europeia prova a falácia – são tantas! – da intromissão na soberania nacional. O Governo seguiu o caminho que quis, Costa privilegiou os acordos internos à Esquerda, o apoio do BE, do PCP e dos Verdes, e foi buscar as receitas de que se lembrou para tapar o buraco. Impostos, mais de mil milhões, retirados à economia, às famílias e às empresas. Se o ‘enorme aumento de impostos’ de 2013 foi mau, e elevou a carga fiscal para um nível insuportável, o aumento de impostos em 2016 vai ultrapassar o impensável. E com uma enormíssima progressividade.

 

No total, a receita vai ultrapassar os 40 mil milhões de euros. E o peso no PIB aumenta para 37%. Como é evidente, o que entra é muito superior ao que o Governo devolve na sobretaxa de IRS, de cerca de 400 milhões de euros. É assim que promete cumprir um défice de 2,2%, depois de ter anunciado, no esboço do orçamento, um défice de 2,8%.

 

António Costa, na verdade, está a pensar em eleições no curto prazo. Só isso explica que tenha aceite impor tanta austeridade ao país para manter satisfeitos segmentos da população que decidem eleições. Os outros, os que pagam, não sentirão a austeridade diretamente na folha salarial, mas vão pagá-la, sim. E assim, Costa destruiu o seu próprio orçamento, a sua própria lógica, ao ponto de o Governo prever, agora, uma evolução do consumo das famílias a um ritmo inferior ao de 2015. Sim, 2,4% contra 2,6%.

 

O caminho de Costa é mau para todos, até para aqueles que agora beneficia. Só a Função Pública tem uma reversão acelerada dos salários, como fica protegida da mobilidade e até beneficia de melhores condições no acesso à reforma. E vão trabalhar 35 horas por semana. Além de beneficiar da redução da sobretaxa de IRS. Para não falar dos novos impostos sobre as empresas e do que fez ao IRC, uma reforma que tinha dois anos de estabilidade e que estava a provar a sua utilidade. O investimento tinha apresentado um acréscimo de 4,9% em 2015, veremos o que sucederá este ano.

 

A prazo, vamos todos pagar, também os funcionários públicos, uma estratégia que assusta os consumidores e afasta os investidores, os nacionais e os internacionais.

 

As consequências desta estratégia de Costa e Centeno, que até as medidas de incentivo ao investimento deixaram cair, serão notadas nos próximos seis meses. O Governo prevê um crescimento de 1,8% em 2016, afinal, apenas três décimas acima de 2015, o tal ano que servia para mostrar que a estratégia de Passos e da troika foi errada. Gostaria de estar errado, preferia estar errado. Porque se as expectativas se confirmarem, termos uma crise económica e financeira ainda em 2016.

 

PS: António Costa decidiu seguir os conselhos de Passos Coelho. O anterior primeiro-ministro sugeriu a emigração aos que não tinham oportunidades de emprego em Portugal, Costa sugeriu aos que ficam que fumem menos, que usem os transportes públicos e que evitem recorrer ao crédito ao consumo. Moralista, Costa ultrapassou Passos pela direita. Mas quando é que os líderes políticos perceberão que as decisões individuais de cada um são mesmo individuais, e na sua esfera de liberdade? Os políticos são eleitos para governarem, por isso, limitem-se a governar.

 

AS MINHAS ESCOLHAS

 

Ficou do fim de semana, mas não é menos importante. O Estado vai ter 50% da TAP para controlar o que já estava definido no caderno de encargos da privatização e o que era exigido ao consórcio privado, a Humberto Pedrosa e a David Neeleman. Os privados vão continuar a mandar na gestão da companhia, é bem, e o Estado vai ter de renegociar os acordos com a banca. Pedrosa e Neeleman agradecem. O país também, porque o mais importante era mesmo garantir que a gestão executiva da TAP continuasse privada, e com mais capital.

 

E, para início da semana, começa hoje o novo ano chinês, o ano do Macaco. Saiba aqui, no SAPO24, o que significa o novo ano lunar.

publicado às 11:11

Isso? Já tentámos e não resultou

Por: Paulo Ferreira

 A nossa cultura de despesa, défice e dívida é tão sólida e está-nos tão entranhada que consideramos indigno que alguém nos diga para fazermos aquilo que, à partida, devia partir das nossas instituições, dos nossos governos, de uma generalizada vontade popular: não gastar mais do que se recebe. 

  

“Governo corta mais, Bruxelas diz que não chega”, “Bruxelas pressiona. ‘Mais medidas’ e ‘bom senso’”, “Bruxelas pede medidas adicionais a Portugal”. Nos últimos dois dias os títulos sobre a elaboração do Orçamento do Estado têm andado por aqui. Bruxelas pressiona, Bruxelas exige, Bruxelas pede.

 

Não se sabe como é que esta sessão de “esclarecimento” que o Governo português tem estado a prestar à Comissão Europeia vai terminar. Para já, as mesmas notícias dizem que o “esclarecimento” já vai num aumento dos impostos do selo, dos combustíveis, dos automóveis, das empresas, da banca e do tabaco. Ainda bem que Bruxelas só pediu um esclarecimento. Mau seria que se tratasse da exigência de medidas adicionais para baixar o défice mais do que o esboço de Orçamento previa.

 

O processo não é novo. Durante os quatro anos da troika isto foi uma constante. E se não aconteceu antes, desde os primórdios da nossa participação no euro, foi porque as regras então em vigor não o previam.

 

O que é que isto tem de perverso? Não é a “ingerência”, a “falta de soberania” ou a alegada “chantagem” da Europa. Estamos lá porque quisemos e queremos e porque ganhámos e ganhamos com isso. A perversidade está na nossa absoluta falta de vontade para, de forma voluntária e porque isso é o melhor para nós, equilibrarmos as nossas contas e baixarmos a nossa dívida.

 

Fazer e manter orçamentos equilibrados é um princípio básico de responsabilidade em qualquer lado, ainda que pontual e conscientemente possa haver momentos em que se gasta mais do que se recebe. Mas essas devem ser excepções e não a regra. No Estado e nas empresas, nas instituições e nas famílias.

 

A nossa cultura de despesa, défice e dívida é tão sólida e está-nos tão entranhada que consideramos indigno que alguém nos venha dizer para fazermos aquilo que, à partida, devia partir das nossas instituições, dos nossos governos, de uma generalizada vontade popular.

 

Mas não. Nunca, nem nos momentos das mais gordas vacas gordas conseguimos aproximar-nos durante um mês que fosse desta coisa simples: o Estado gastar apenas tanto quanto cobra de impostos. Ainda que os impostos sejam estratosféricos, como agora acontece, encontramos sempre modo de gastar mais, de fazer défices.

 

Podemos indignar-nos porque a austeridade da troika foi excessiva, cega, recessiva, injusta para muitos. Tudo isso pode ser verdade.

 

Mas o que é que fizemos por nós próprios desde o início dos anos 90? Onde aplicámos as dezenas e milhares de milhões que chegaram de fundos comunitários - pagos pelos contribuintes dos países mais ricos, é bom não esquecer? Onde derretemos a enorme folga orçamental dada pela descida dos juros na segunda metade dessa década, quando os mercados começaram a acreditar que podíamos entrar no euro? E as carradas de dinheiro recebidas pelo Estado com as privatizações nos últimos 30 anos?

 

Isso não nos indigna? Os nossos erros colectivos não nos envergonham? A continuada irresponsabilidade orçamental dos que elegemos para governar não aconteceu? Não fomos nós, no pleno uso da nossa soberania, que criámos o “monstro” que agora não conseguimos sustentar? Alguém nos obrigou a gastar ao ponto de em três décadas e meia precisarmos de três resgates para nos tirar da bancarota?

 

Temos que ter a noção que se alguém falhou fomos nós, antes de mais ninguém. Nós, colectivamente, país independente dotado de instituições, com sectores público e privado, classe política e sociedade civil.

 

Podíamos ter feito de maneira diferente, mas por falta de vontade ou capacidade não conseguimos. Apesar dos avanços nas últimas quatro décadas - o Portugal de 2016 é muito melhor do que o de 1973, apesar do aperto destes dias - temos uma economia pouco produtiva, instituições fracas, uma cultura pouco dada à responsabilidade financeira e orçamental e essa crença entranhada de que podemos gastar à tripa forra porque isso é bom para a economia e garante a nossa prosperidade futura.

 

Não garante, como se vê.

 

Diz agora o novo governo, e muitos o acompanham nisso, que é preciso mudar de política: vamos dar dinheiro às pessoas para elas gastarem e fazer crescer a economia; quanto ao défice, vamos baixá-lo mais devagarinho e mesmo assim só para os “talibãs” de Bruxelas não nos incomodarem demasiado. Mas que óptima ideia. Como é que nunca ninguém se tinha lembrado de tal coisa? Esperem, se calhar já nos tínhamos lembrado e praticado isso. Pois já. Aliás, durante grande parte das útlimas três décadas os governos não fizeram outra coisa senão atirar dinheiro para cima da economia para ver se ela crescia, se se desenvolvia de forma sustentada. Ela cresceu nalguns anos mas depois estagnou, apesar do dinheiro dos contribuintes que continuavam a atirar-lhe para cima.

 

Aqui chegados, já tentámos tudo. Ou quase.

Aumentos de rendimentos sem regra nos sectores público e privado? Já tentámos.

Aumento de subsídios e prestações sociais? Já tentámos.

Corte cego de rendimentos e prestações sociais? Já tentámos.

Nacionalização de bancos falidos? Já tentámos.

Encerramento de bancos falidos? Já tentámos.

Investimento público em betão? Já tentámos.

Corte no investimento público? Já tentámos.

Incentivos ao investimento estrangeiro? Já tentámos.

Choque tecnológico? Já tentámos.

Brutais aumentos de impostos? Já tentámos.

Auto-estradas sem portagens? Já tentámos?

Portagens nas auto-estradas que não as tinham? Já tentámos.

A lista podia seguir.

 

Uma coisa ainda não tentámos com pés e cabeça: dimensionar o Estado a um nível que a economia e os contribuintes possam pagar, permitindo uma descida de impostos para que empresas e particulares não trabalhem maioritariamente para pagar impostos.

 

Ainda não é desta que isso vai acontecer. De quantos resgates precisamos para lá chegar é a questão que sobra. Porque isso vai acontecer. A bem ou a mal.

 

OUTRAS LEITURAS 

  • Por falar em falhanço nas políticas, cá está mais uma à vista. Vamos descer o IVA na restauração mas isso não resolve os problemas do sector, como diz este estudo. E os empresários juram a pés juntos que vão contratar mais pessoas se o IVA baixar, mas temos o volume de negócios mais baixo por empregado da Europa. Faz tudo muito sentido…

  • Não só devíamos saber o custo como saber todos os que recebem a subvenção vitalícia. Não há qualquer razão para que essa informação não seja pública.

 

publicado às 09:17

Vamos já almoçar?

Por: António Costa

 Manuel Caldeira Cabral é um crente. Em quê? Crente nas promessas dos empresários e gestores da restauração, nas juras de redução dos preços junto dos consumidores e na contratação se o Governo descer o IVA do setor de 23% para 13%. E se tal não suceder? “Ficava preocupado”, diz o ministro da Economia. Pode começar já.

 

A decisão de aumentar o IVA da restauração da taxa intermédia para a taxa máxima resultou, sabemos, de uma imposição da troika e da necessidade de garantir receita fiscal, sobretudo num setor onde a fuga ao fisco era enorme. Era - é hoje menor por causa dos novo mecanismos de controlo e fiscalização como o E-fatura. Mas resultou também num incentivo, à força, para mudança de investimento dos não transacionáveis para os bens transacionáveis, isto é, para a exportação. Porque deixou de existir um benefício artificial, pago por todos nós, os contribuintes. O auto-emprego, o empreendedorismo, foi feito durante anos à custa da abertura de cafés e restaurantes em cada canto. Em 2016, teremos em Lisboa o WebSummit e não é por mero acaso.

 

A receita, claro, aumentou muito, o emprego diminuiu, sim, mas também surgiram nos últimos quatro anos alguns dos projetos e iniciativas mais criativas e inovadoras do setor. Novas cadeias de restauração, que concorrem com marcas internacionais, como o H3 ou a Padaria Portuguesa, e restaurantes de nível internacional, como os do chef Avillez. O setor é hoje mais cumpridor das suas obrigações fiscais, é sobretudo mais sofisticado, com novos modelos de negócio.

 

Portanto, a promessa do PS e que o ministro da Economia diz agora querer cumprir – sim, já sei, este governo cumpre – serve apenas para satisfazer uma corporação que deu muitos votos, a da restauração. Mas a promessa do Governo, na verdade, vai mais longe, e convém sublinhá-la. O governo vai descer o IVA na restauração e a restauração vai descer os preços e vai contratar.

 

Um ponto prévio. Caldeira Cabral mostrou, nesta entrevista ao jornal Público de domingo, que é mesmo um ministro independente. Construtivo em relação ao que o anterior governo fez, sem a preocupação de reverter, nem que seja na linguagem. E com uma visão acertada da função. Dito isto, é ministro, tem compromissos, ou melhor, tem de cumprir os compromissos do partido ao qual aceitou juntar-se. É o preço a pagar, mesmo que não concorde com eles. E será provavelmente o caso.

 

Caldeira Cabral acredita que o setor vai baixar os preços, e é por isso que vai descer o IVA. Sabe, o ministro, que nunca isso sucedeu quando o IVA baixou? Sabe, claro, que as descidas do IVA são sempre, nos setores de bens não transacionáveis, uma transferência de riqueza entre contribuintes e servem basicamente para aumentar as margens dos empresários do setor.

 

Depois, surge sempre o emprego, a outra razão para descer o IVA. Como o setor perdeu milhares nos últimos anos, só pode ter sido por causa do IVA, certo? Errado. Os preços não aumentaram, como mostram os dados da inflação, por isso, a quebra do consumo deveu-se à quebra de rendimento dos portugueses em geral. Agora, com o IVA à taxa intermédia, os preços não vão baixar, talvez aumente o consumo por causa da aumento do rendimento dos portugueses, via salários da função pública e redução da sobretaxa. Como não resultam da produtividade, veremos os resultados a prazo, nomeadamente na frente externa, mas, no curto prazo, poderá ter até efeitos positivos.

 

Agora, o que quer o Governo? Com todo o respeito pelos empregados da restauração, não é aí que Portugal precisa de mais emprego, não é nas profissões menos qualificadas, como é o caso. Os que caíram no desemprego têm de ter formação profissional, muita, para uma integração profissional, sim, mas noutros setores, mais necessários e com outro valor acrescentado para a economia.

 

É melhor deixar as declarações de ‘preocupação’ para trás, sobretudo porque, depois, não faz sentido deixar cair ameaças ao setor porque tem a tutela do consumidor e da concorrência. É melhor começar já a preocupar-se com as explicações que terá de dar, depois, aos portugueses por falhar uma promessa.

 

 

ESCOLHAS

 

Finalmente, entramos na última semana das presidenciais e, se os votos ajudarem, na próxima segunda-feira, estará escolhido o sucessor de Cavaco Silva. Como se antecipava, o que não foi esclarecido na pré-campanha e nos debates não seria clarificado nas arruadas e comícios, que servem mais para mobilizar votantes do que para informar eleitores. Os dados estão lançados, Marcelo Rebelo de Sousa, aposto, ganhará à primeira volta. Não pelo que fez no último mês, pelo que construiu nos últimos 20 anos. E também pode agradecer a António Costa que, ao permitir que o PS não apoiasse ninguém à primeira volta, está a criar um caldo interno difícil de gerir. Veremos se as divisões violentas dos últimos dias, entre apoiantes de Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém, até entre ministros, não vão para além das presidenciais. Qualquer que seja a sua decisão, vote.

 

E, para terminar, sabe quantos turistas usaram a plataforma Airbnb em 2015 para se instalarem em Portugal? Cerca de um milhão, o dobro de 2014. A Airbnb é uma plataforma digital que só em Portugal tem registadas mais de 34 mil casas de todos os tipos. Os números são dados pelo diretor-geral ibérico da empresa, Arnaldo Muñoz, em entrevista ao jornal Público, que pode ler aqui.

publicado às 10:57

Radicalismo ideológico. Ou pior

Por: António Costa

 

António Costa entrou numa lógica de destruição criativa difícil de perceber, pelas consequências da destruição, pela incerteza da criatividade. Anuncia que o Estado vai passar a controlar 51% da TAP “a bem ou a mal” e faz saber, anonimamente, que vai acabar com o Banco de Fomento que está finalmente em condições de começar a financiar a economia. São apenas dois exemplos, há mais, de radicalismo que só pode ser ideológico. Ou pior.

 

Não deixa de ser uma ironia que o primeiro-ministro que assentou a sua estratégia eleitoral no discurso do radicalismo da coligação PSD/PP faça da sua atuação um manual de intervenção radical. E por vontade própria, porque o BE e o PCP também têm as costas largas. Num caso e noutro, só por ideologia se pode entender a estratégia do Governo, em nenhum deles há um fundamento económico, financeiro ou sequer estratégico, simplesmente porque ninguém sabe o que Costa quer fazer a seguir, desconfio, nem sequer o próprio.

 

A TAP tem finalmente um acionista que gere a empresa, define um caminho e, sobretudo, investe na companhia. Já meteu 180 milhões de euros e no próximo ano tem de pôr mais 180 milhões. A dupla Pedrosa/Neelman já fez mais pela TAP em semanas do que o acionista Estado em anos e anos. E a TAP que tem um acionista privado maioritário pode fazer mais pelo país do que fez em décadas de controlo público a 100%.

 

Então, porque é que Costa faz uma ameaça venezuelana como fez, ao dizer que o Estado vai ficar com o controlo maioritário a bem ou a mal? Se o primeiro-ministro tem alguma informação que não revelou publicamente, nomeadamente sobre a legalidade do negócio que foi feito, não poderia sentar-se à mesma mesa com Pedrosa e Neelman, teria simplesmente de requerer a anulação do negócio. Como tentou a negociação, disse-o publicamente, a resposta só pode ser de uma de duas, despeito ou ideologia. O despeito passa, a ideologia não, sobretudo porque, depois, é preciso pôr dinheiro em cima da mesa, para a TAP devolver o dinheiro que já recebeu e, sobretudo, para capitalizar uma empresa que tem 580 milhões de euros de capitais próprios negativos. Como se o Estado não tivesse problemas (financeiros) que cheguem.

 

Agora, o caso do banco de fomento não é menos problemático. Ainda não houve uma palavra pública, mas também não houve qualquer clarificação ou desmentido à notícia do Expresso sobre o fim da Instituição Financeira de Desenvolvimento. Mal ou bem, e considerei desde o primeiro dia que o banco de fomento não era a melhor solução, o Estado investiu mais de um ano de negociações com a Direção Geral da Concorrência europeia para ter uma instituição grossista – leia-se, que contratualiza apoios às empresas através dos bancos – de financiamento da economia.

 

Depois de muitos avanços e recuos – alguns difíceis de entender -, de trabalho de casa que ainda não estava feito, o presidente José Fernando Figueiredo já tem finalmente condições para carregar no botão. Só falta o mais importante, o ‘ok’ do novo governo que, pelos vistos, não vai surgir. Mesmo do ponto de vista puramente político, acabar agora com o banco de fomento é um erro, porque qualquer novo caminho de uso dos fundos comunitários exige tempo de negociação com Bruxelas. Dito de outra forma, o acesso a financiamento e sobretudo a capital vai demorar. Mais. E sem alternativa.

 

Na TAP, como no banco de fomento, Costa muda por más razões, destrói o que está sem construir uma alternativa melhor, afeta a imagem do país junto dos investidores internacionais e coloca pressão sobre o Estado e as empresas desnecessariamente. Radicalismo ideológico. Ou pior.

 

As escolhas

 

Se na TAP e no banco de fomento, António Costa está a fazer escolhas, a única escolha possível no Banif era saber quem pagaria a fatura, os contribuintes ou os depositantes e obrigacionistas. E o primeiro-ministro escolheu os primeiros e poupou os segundos, a menos má. O Estado já tinha metido 700 milhões de euros de capital e emprestado 400 milhões, dos quais 125 milhões ainda não tinham sido devolvidos. Agora, por 150 milhões de euros, o Estado vende ao Santander o que de melhor tinha o Banif – depósitos e créditos – e o que o banco tinha de pior – os ativos tóxicos – fica num veículo autónomo, debaixo do controlo do Estado. Foi uma venda com resolução, só que as contas não ficam por aqui.

 

Para que isto fosse possível, o Estado tem de meter mais 2,255 milhões de euros, dos quais 487 milhões do Fundo de Resolução, para capitalizar a parte que vai para o Santander. É preciso acrescentar que os acionistas perdem tudo, até ao último cêntimo. O Banif morreu, os clientes e a estabilidade do sistema estão vivos, António Costa deu a cara, ao contrário de Passos e Maria Luís. Vão dar agora, numa comissão de inquérito, para explicarem porque é que um banco que não tinha problemas de supervisão, de rácios, de almofadas financeiras, acaba a ser vendido assim, à pressa.

 

E em Espanha, pode acompanhar aqui no SAPO24, a grande confusão. O PP ganhou, mas sem maioria absoluta, o PSOE e o Podemos perderam, mas juntos têm mais deputados. Onde é que já vimos isto?

publicado às 10:23

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