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SAPO24 Crónicas

Todos os dias um olhar mais atento a um tema que marca a actualidade. Artigos, análises e crónicas exclusivas no SAPO24.

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Quem decide o que aparece no Facebook? O debate já começou

Por: Paulo Ferreira

A pedagogia, a pressão e denúncia públicas e a liberdade de escolha dos utilizadores serão, no fim do dia, os meios mais eficazes para prevenir os excessos de zelo e as práticas abusivas das plataformas electrónicas na selecção de informação

 

 

Perdoem a heresia de me citar a mim próprio mas, como verão, a realidade é que se atravessou descaradamente no caminho. A propósito de algumas propostas para limitar a divulgação de informação relacionada com atentados terroristas, perguntava aqui mesmo há pouco mais de um mês se a icónica fotografia da miúda vietnamita, nua, a fugir do napalm seria hoje publicada.

 

A resposta chegou nos últimos dias e teve como protagonista o Facebook: essa publicação estaria hoje, no mínimo, seriamente ameaçada. Numa era marcada pela ditadura do politicamente correcto e pela paranóica tentativa de higienização de todo o espaço público começamos a deixar de distinguir a essência de cada coisa tomando tudo pela aparência, pelo embrulho, pelo seu valor facial. Se parece, é. Mas pode não ser.

 

Uma criança nua numa foto não é necessariamente um incentivo à pedofilia da mesma forma que a nudez não pode ser confundida com pornografia.

 

O problema não está apenas no Facebook, nos seus cegos algoritmos - haverá algoritmos que não sejam cegos? - ou nos seus colaboradores ignorantes, sem referências históricas e culturais. Basta ver o pudor hipócrita com que os meios de comunicação tradicionais americanos tratam tudo aquilo que seja a nudez ou o calão.

 

Mas, pela dimensão e predominância que adquiriram na distribuição da informação, as plataformas electrónicas são uma parte importante de um problema que as sociedades ocidentais terão que discutir abundantemente: o controlo, hierarquização e formas mais ou menos veladas de censura da informação.

 

É verdade que estas empresas não são órgãos de comunicação social no seu sentido tradicional porque não produzem elas próprias informação ou entretenimento. Não têm redacções próprias com jornalistas, não estão sujeitas aos seus códigos de ética e deontológicos nem a leis que regulam a comunicação social. No entanto, e como já se percebeu, enquanto plataformas de distribuição elas têm poder para decidir que conteúdos produzidos por outros podem ser publicados por eles e vistos pelo público.

 

 

A primeira tentação de muitos será a imposição de regulação administrativa, proibindo algumas práticas e criando regras para outras. Esse é o caminho perigoso. É isso que fazem os regimes autoritários que olham para a liberdade de expressão e de informação como uma ameaça às sociedades. E será tão estúpido tentar travar administrativamente estes novos meios electrónicos e a forma como funcionam como seria proibir a Uber, para citar o exemplo mais à mão de um avanço tecnológico que está a desafiar velhas formas de fazer negócio e servir clientes.

 

Hoje, graças à internet e às redes sociais, há muito mais gente a ler notícias, a reter alguma informação e a perceber o que se passa no mundo do que há duas ou três décadas. Fazem-no entre um vídeo de gatinhos e outro de acidentes de automóvel? Sim, mas fazem-no.

 

A pedagogia, a pressão e denúncia públicas e a liberdade de escolha dos utilizadores serão, no fim do dia, os meios mais eficazes para prevenir os excessos de zelo e as práticas abusivas.

 

Foi isso que aconteceu agora mesmo com o Facebook neste caso da fotografia da criança vietnamita. A censura da foto foi noticiada e partilhada em todo o mundo também através do próprio Facebook. A empresa percebeu o erro e recuou. Certamente que nunca até hoje tanta gente tinha visto a foto icónica da Guerra do Vietname, o que ela representou e o horror que retrata. O passo seguinte, em muitos meios de comunicação internacionais, foi o debate sobre a necessidade do Facebook ter editores capazes de seleccionar e hierarquizar informação de uma forma sensata e conhecedora, para além dos automatismos do algoritmo.

 

Mas o tema é muito mais complexo. Há uns meses o debate nos Estados Unidos era o inverso e a acusação era que os editores que trabalham os “trending topics” do Facebook teriam um enviesamento que estaria a privilegiar informação e temas mais favoráveis aos democratas por oposição aos republicanos. O debate levou a empresa a alterar a sua prática, automatizando o que era até então feito por pessoas. Muitos duvidam que isso resolva alguma coisa. Mas a discussão está em curso e a aprendizagem colectiva também. A vigilância e os alertas públicos são instrumentos mais poderosos do que muitas vezes podemos pensar. Para já, fizeram a devida justiça à foto de Kim Phuc. E provavelmente preveniram que um destes dias alguém sentado em frente a um computador em Silicon Valley trate por igual os frescos da Capela Sistina e uma performance de Cicciolina.

 

 

Outras leituras

 

Pode o estado de saúde de um candidato ajudar a decidir a eleição presidencial norte-americana? O certo é que em cerca de um ano Donald Trump passou do fanfarrão que iria apenas animar as primárias republicanas a candidato com séria chance de chegar à Casa Branca.

publicado às 03:46

A vitória da trampa. Ou deixem que vos entretenham

Por: Rute Sousa Vasco

 

Em julho deste ano, o site de informação americano Huffington Post anunciou que, daí para a frente, passaria a integrar a informação sobre a campanha de Donald Trump na secção de entretenimento em vez da secção de política. Esta semana,Trump escolheu como uma das suas bojardas a proposta (?) para que fosse inibida a entrada a todo e qualquer muçulmano nos Estados Unidos e o Huffinfgton Post mudou de ideias.

 

Numa nota editorial, Arianna Huffington, fundadora do site, explicou o porquê da mudança. Em julho, assumiram a cobertura da campanha de Trump como mero entretenimento, porque consideraram, pelos seus actos, que não era realmente a sério. Ou seja, que ele não queria realmente governar os Estados Unidos com aquelas propostas – apenas queria fazer show off.

 

A escalada verbal do candidato a candidato republicano fez com que o Huffington Post mudasse de ideias. Continua a ser uma campanha virada para o espectáculo, mas o espectáculo tornou-se perigoso. Diz Arianna: “Acreditamos que a forma como cobrimos a campanha deve reflectir esta mudança. E parte disso implica não deixarmos nunca de lembrar à nossa audiência quem é Trump e o que a sua campanha representa”.

 

Em Portugal somos, ao invés do que acontece nos Estados Unidos, muito sensíveis à tomada de posição pelos media. E a forma como olhamos para as pessoas com opinião é uma especíe de idiossincrasia nacional. Temos que os amar ou odiar – na maior parte dos casos é difícil simplesmente ouvir e depois pensar pela nossa cabeça. A soma disto à condição económica de país pobre, de dinheiro e tantas vezes de espírito, faz com que os jornais sejam mais pardos que transparentes na defesa das suas opções e, sobretudo, que subsista um temor em tomar partido.

 

É também por isso que a tribo dos comentadores cresce e multiplica-se. Um comentador é alguém de fora a quem se paga (ou não) para tomar partido e dizer porquê. Com sorte, e muito tempo para redes sociais, cai no goto da audiência. Se o pior azar acontecer – o dito comentador dizer ou fazer algo francamente estúpido e condenável–, quem o convida pode sempre demarcar-se e dizer que nada teve a ver com isso. E é também assim que nascem os nossos fenómenos de mediatismo: a América tem Donald Trump, nós temos Pedro Arroja.

 

Isto devia ser o que verdadeiramente nos preocupa. Uma espécie de mal para o qual não se antevê fim. Somos hoje uma espécie de sociedade de drogados em estupidez. Se é estúpido e ganhou forma de ‘conteúdo’, tem uma grande probabibilidade de ser um sucesso. As redacções disputam entre si a primazia na divulgação da estupidez, porque tudo é decidido a partir dos backoffices onde aprendizes de jornalistas foram enfiados a olhar para cliques. E, claro, se um link tem muitos cliques – é porque está a correr bem.

 

Não, não está a correr nada bem. E, lamentavelmente, usando uma frase do grande manipulador Frank Underwood, isto não é ‘bad for the greater good’. Isto é só mau sem que se aviste um bem maior. É mau em qualquer parte do globo, mas é muito pior nesta parte do globo que habitamos – porque é mais pequena e hoje a indústria das notícias, como outras, só tem viabilidade em doses XL. Nos Estados Unidos, como cá, a trampa é quem manda. Mas nos Estados Unidos, ao contrário de cá, há um número suficiente de pessoas para outras leituras, outros consumos de informação, que não trampa. E isso faz toda a diferença.

 

Qualquer site que se preze, incluindo este onde escrevo, tem a sua área de ‘notícias mais populares’. A popularidade tornou-se uma obsessão. A popularidade, acredita-se, vai salvar o negócio de informar. Se o mais popular é o que teve mais cliques, ao promovermos mais todos os mais populares, teremos a solução da multiplicação das audiências que irá salvar o negócio.

 

Só que não.

 

Esta semana, foi notícia que uma equipa das universidades do Minho e do Porto criou um sistema inteligente que sugere melhorias no desenho de notícias online antes da sua publicação, com vista a aumentar a sua popularidade. Segundo a nota enviada às redacções, o sistema permitiu, nos testes, aumentar 15% a probabilidade de uma notícia ser popular e ainda identificar a maioria (73%) das notícias que viriam a ser populares. “Há um interesse crescente por notícias online, face à expansão da Internet, e a previsão das notícias mais populares, medida pelo número de partilhas, é cada vez mais estudada e cobiçada pelas empresas e instituições”.

 

Esta equipa testou o que baptizou como “sistema de apoio à decisão inteligente” em quase 40.000 notícias publicadas desde 2013 no Mashable, o maior blogue mundial de notícias sobre novas tecnologias, que conta com 24 milhões de seguidores e 7,5 milhões de partilhas por mês. E os resultados mostraram que “a popularidade de uma notícia pode subir com uma fácil alteração, pelo seu autor, de atributos sugeridos como o número de palavras do título, as palavras-chave (já usadas noutras notícias) e a aposta em determinados links”.

 

É uma ciência, visto desta forma.

 

A tecnologia é preciosa em praticamente tudo o que fazemos. E os media não são excepção, pelo contrario. O volume de informação cresce todos os dias e as ferramentas tecnológicas são o que nos permite trabalhar melhor, analisar melhor e sobretudo encontrar padrões e notícias onde muitas vezes só parece existir ruído.

 

Mas primeiro temos de parar de nos enganar. A tecnologia resolve muita coisa – mas não resolve a estupidez e, mal usada, pode apenas ampliá-la. Em nome da popularidade. Por exemplo, este artigo sobre a águia que quase furou um olho ao Donald Trump foi de certeza bem mais popular do que a nota de Arianna Huffington sobre como fazer a cobertura jonalística da campanha do alegadamente candidato. Aqui, sim, talvez se possa dizer ‘ bad for the greater good’.

 

Tenham um bom fim de semana!

 

Sugestões

 

As razões pelas quais 'teenagers' dos 11 aos 15 anos são seduzidos pelo Daesh estão longe de ser simples de entender. E a forma como o conteúdo de recrutamento se multiplica é também assustadora. Como não vamos fechar a internet, temos de começar pelo mais importante que é o que se passa em casa, nas escolas e na promessa de vida que estes miúdos vislumbram.

 

É uma sugestão já com umas semanas, mas só hoje a posso fazer com conhecimento de causa neste espaço. Dêem por bem empregue duas horas do vosso tempo e comprem um bilhete de cinema para ver “Steve Jobs”, o filme de Danny Boyle. Michael Fassbender é soberbo e está justamente nomeado para os Globos de Ouro com este papel. Kate Winslet, sempre ela, igualmente imperdível.

 

E para fechar, fiquem com isto para exercitar a massa cinzenta durante as festas e vejam do que são capazes (atenção ao 'spoiler alert').

publicado às 08:57

Sondagens: fazer as perguntas certas

Por: Pedro Magalhães

 

 Ao longo dos últimos quatro anos, teria sido importante saber o que pensam os portugueses sobre temas como a Troika, o emprego, as exportações ou a pobreza. Não é que faltem opiniões por aí. Somos continuamente bombardeados com elas, dadas por políticos, comentadores, analistas, especialistas e cidadãos mais ou menos anónimos, através dos jornais, da televisão, da rádio e das redes sociais. Mas, quase por definição, estas opiniões pessoais são uma má base a partir da qual inferir o que pensam os cidadãos em geral. Se as sondagens cumprem funções úteis numa democracia – uma questão controversa, bem sei – a mais útil de todas será precisamente a de nos ajudar a conhecer as preferências e opiniões daqueles que não conseguem fazer ouvir a sua voz por outros meios.

 

O que sabiam os portugueses sobre as principais medidas do chamado “Memorando de Entendimento” com a Troika, que condicionou as principais opções governativas durante grande parte da legislatura que agora termina? O que pensavam sobre essas medidas, e como evoluiu essa opinião? Como mudou, mês a mês, ao longo dos últimos quatro anos, a sua percepção sobre o estado da economia? O que sabiam os portugueses sobre os dados do crescimento económico, da evolução do desemprego, das exportações, da desigualdade ou da pobreza? De onde e como lhes chegou essa informação? Que importância lhe deram? Que responsabilidades foram atribuindo ao governo presente, a governos anteriores ou a outros actores? O que se pensava em Portugal sobre as principais medidas orçamentais que foram escrutinadas pelo Tribunal Constitucional? Que opiniões tiveram os eleitores, nos últimos quatro anos, sobre a actuação do governo nos domínios da saúde, da educação, da política económica, da justiça, da política externa ou da ciência? E sobre as alternativas apresentadas pelos partidos da oposição? Que sabem sobre a situação da segurança social e sobre possíveis opções para a sua reforma? Que partidos julgam melhor representar as suas preferências e valores? E mais importante: como é que tudo isto foi variando por idade, instrução, rendimento, orientação ideológica ou simpatia partidária, por exemplo?

 

Ao longo dos últimos quatro anos, teria sido importante saber as respostas a estas e muitas outras questões semelhantes. A aproximação das eleições torna-as ainda mais importantes. Quando chegarmos a 4 de Outubro, será muito difícil explicar os resultados eleitorais sem saber a resposta a muitas delas. Vaticino que a maioria dirá que os resultados eram afinal previsíveis, procedendo de seguida à explicação segura e conhecedora dessa completa previsibilidade. Mas essas explicações seriam mais sólidas se tivéssemos tido, ao longo destes quatro anos, a possibilidade de acompanhar a opinião pública portuguesa de forma mais profunda e sistemática do que realmente tivemos.

 

Não foi por causa de uma qualquer impossibilidade técnica ou metodológica que ficámos privados dessa informação. Quem quiser saber como os americanos vêm avaliando de forma diferenciada a actuação do Presidente Obama nos domínios da saúde, da economia, ou da política externa, por exemplo, poderá clicar nos links anteriores. Poderá aí saber a posição dos americanos sobre alguns dos principais temas políticos do dia, tais como o controlo da venda de armas, a imigração, as relações raciais ou a desigualdade de rendimentos. Terá uma visão não apenas do que pensa a população em geral, mas também de como todos estes assuntos a dividem, ao longo do tempo, por grupos definidos pela idade, o rendimento, a educação, o local onde vivem, a etnia, a ideologia e a simpatia partidária. Poderá apreciar a distância entre os dados da economia “objectiva” e a maneira como é apercebida pelos cidadãos e vivida pelas famílias. Poderá saber onde os indivíduos recolhem a informação que usam para avaliar os políticos, como escolhem essas fontes e como elas, por sua vez, reforçam ou modificam as suas predisposições. Obviamente, em todos estes e muitos outros possíveis exemplos, colocam-se dúvidas metodológicas, sobre diferentes maneiras de medir estas atitudes e comportamentos, a maneira de formular as questões ou a amostragem e seus critérios. Mas o ponto é que esta informação está disponível e resulta de “sondagens”.

 

E em Portugal? Aqui, à parte os inquéritos académicos ou o Eurobarómetro, sem dúvida relevantes mas realizados muito espaçadamente, as sondagens encomendadas e divulgadas pelos meios de comunicação social sofrem de uma quase permanente monomania em torno de intenções de voto e popularidade de líderes político-partidários. É certo que há, ocasionalmente, excepções. Como aqui ou aqui, onde se colocaram questões sobre grandes opções de política fiscal. Ou aqui, aferindo-se desejáveis prioridades de actuação de um novo governo e decompondo as respostas por grupos de inquiridos. Contudo, este esforço é episódico, impedindo a detecção de mudanças ou continuidades ao longo do tempo. Está frequentemente colado, na maneira como as questões são colocadas, a notícias concretas e irrepetíveis (“A Ministra das Finanças afirma que temos os cofres cheios, concorda?”), não apontando para a detecção de preferências e atitudes relevantes ou estáveis. As variáveis que permitiriam desagregar as respostas por grupos, definidos por características sócio-demográficas ou políticas, estão muitas vezes ausentes dos questionários. E mesmo quando existem, essa decomposição é, na maior parte das vezes, ignorada pelos próprios órgãos de comunicação social que encomendaram a sondagem, seja porque preferem retratar um agregado cuja “opinião” é na verdade inexistente (“os portugueses”) ou porque não têm jornalistas capazes de decifrar as implicações desse tipo de análise. E em geral, as potencialidades do online no arquivamento e visualização do histórico destes resultados e da sua análise mais fina, exemplificadas aqui ou aqui, são quase completamente ignoradas.

 

Porquê? A resposta mais fácil e óbvia, e não por isso menos verdadeira, tem a ver com recursos. Mercados pequenos e órgãos de comunicação social em crise geram, inevitavelmente, sondagens baratas e concentradas na supostamente fundamental “corrida de cavalos”. Serão, logo, muito menos completas e interessantes – para já não dizer menos metodologicamente robustas – do que aquelas que os responsáveis técnicos dos centros poderiam fazer com outras condições. Redacções emagrecidas, com jornalistas assoberbados de trabalho e incapazes de se especializarem, resultam num tratamento superficial dos resultados, numa baixíssima utilização das possibilidades fabulosas que hoje existem de tratamento e apresentação dos dados e numa reduzida exigência em relação às empresas. Por outro lado, não temos um equivalente ao Centro de Investigaciones Sociológicas espanhol nem ao Pew Center americano, alternativas, respectivamente, estatal e non-profit aos media privados na encomenda de estudos de opinião. E poderíamos continuar por aqui.

 

Contudo, suspeito que os problemas de recursos se foram transformando num problema mais geral de mentalidade, que torna as coisas piores do que teriam de ser. As sondagens e os seus resultados são, na comunicação social portuguesa, quase exclusivamente tratados como meros geradores de itens noticiosos entre muitos outros. Essas “notícias” são por vezes inexistentes do ponto de vista factual (“subiu 0,3%”), mas isso não impede que criem “eventos políticos” que podem ser “analisados” nos painéis nocturnos dos canais de notícias 24 horas, para serem depois esquecidos passados dois ou três dias. Alimentados nesta dieta noticiosa em que as sondagens são utilizadas meramente como parte de uma horse race coverage, somos todos condicionados a colocar sempre o mesmo tipo de perguntas sobre as sondagens. Porque estão uns partidos ou candidatos à frente numas e outros noutras? A quem beneficiam estes resultados? Se beneficiam, foram manipuladas para esse fim? Acertaram? Se não “acertaram”, quem as manipulou para não acertarem? E por aí fora. Nem todas estas dúvidas são idiotas. Algumas são relevantes, apesar de serem colocadas quase sempre com intuitos políticos mais ou menos evidentes. E são todas filhas deste ambiente geral e, por isso mesmo, perfeitamente compreensíveis.

 

Contudo, devíamos também ser capazes de colocar outra pergunta. Apesar dos poucos recursos, terão mesmo de ser tão superficiais e desinteressantes as sondagens que se fazem em Portugal e, logo, tão superficial e desinteressante a cobertura que geram? Lidar com este problema é do interesse de todos. Se as sondagens servirem apenas para analisar a “corrida de cavalos”, o discurso estritamente politizado sobre elas acabará, mais tarde ou mais cedo, por se tornar absolutamente hegemónico: está demasiado em jogo. Mas se isso acontecer, aqueles que fazem as sondagens e aqueles que as analisam acabarão por ser vistos como parte desse jogo e, logo, descredibilizados como fontes de informação relevante.

 

É isto que importaria impedir. A “corrida de cavalos” fará sempre parte do interesse e do “picante” das sondagens, não tenhamos ilusões. Mas nas sondagens que já se fazem em Portugal, há muitos outros dados e factos sobre o eleitorado e a opinião pública que não são suficientemente valorizados por quem as encomenda e, assim, permanecem ocultos para todos. Não sendo susceptíveis de serem usados para ganho político imediato, são apesar disso muito relevantes. E como espero ter mostrado com os exemplos anteriores, há muitas coisas que não são perguntadas e analisadas que o poderiam ser, sem grandes custos acrescidos. Bastaria um pouco de imaginação, atenção e saber. Teríamos assim uma visão mais profunda do que pensam e querem os eleitores portugueses, daquilo que os une e os divide, e porquê. E uma visão mais profunda do que são as sondagens e para que servem. Se as sondagens podem fazer qualquer coisa de positivo pela democracia, será mais por aqui do que pela obsessão exclusiva com as intenções de voto ou com os termómetros de popularidade.

 

Pedro Magalhães é investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Director Científico da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Faz investigação da área do comportamento eleitoral e da opinião pública, e foi director do Centro de Sondagens e Estudos de Opinião da Universidade Católica até 2009. Autor do livro Sondagens, Eleições e Opinião Pública.

publicado às 10:35

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