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SAPO24 Crónicas

Todos os dias um olhar mais atento a um tema que marca a actualidade. Artigos, análises e crónicas exclusivas no SAPO24.

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Por onde andou o país que agora aparece nas sondagens?

Por: Paulo Ferreira

 Não faço ideia se as sondagens que diariamente estão a ser publicadas estão mais ou menos certas ou redondamente erradas. Não sei - alguém sabe? - se os cerca de 20% de indecisos que aparecem nesses radares vão decidir a eleição a favor da coligação PàF ou do PS ou se, pelo contrário, vão preferir ficar em casa ou ir ver a bola.

 

Mas uma coisa eu sei: independentemente do resultado destas eleições, a partir de segunda-feira haverá trabalho para sociólogos, politólogos e encartados do género que queiram estudar o fenómeno.

 

Se os resultados contrariarem as sondagens e derem uma vitória aos socialistas, a tarefa vai ser explicar o falhanço dos estudos de opinião, como naquela piada que define economista como alguém que nos vai dizer amanhã porque é que aquilo que ele previu ontem não aconteceu hoje.

 

Mas este será o pequeno abalo, circunscrito a meia dúzia de técnicos e de técnicas. Haverá acusações de manipulação do eleitorado e algumas teorias da conspiração para apimentar a discussão. Nada que não se consuma em meia dúzia de dias. Até à próxima eleição e às próximas “tracking pools”.

 

O verdadeiro terramoto, com fortes réplicas nos planos político, social e mediático será o cenário oposto: as sondagens até se portam bem e a coligação de direita vence o PS com margem confortável.

 

Depois do que se passou nos últimos quatro anos nenhuma sociedade ultrapassa um desfecho desse tipo sem se deitar no divã.

 

Caem, de uma só vez, alguns mitos transformados em leis ao longo dos tempos.

 

O primeiro é que nenhum governo ganha uma eleição depois de uma crise profunda e de uma dose de austeridade como a que o PSD/CDS aplicaram nos últimos quatro anos. Cortaram salários e pensões, aumentaram brutalmente impostos e taxas, afrontaram interesses e não facilitaram no período eleitoral. Que país é este que reconduz um governo destes? Onde pára a sociedade do facilitismo e da ilusão dos almoços grátis que ainda em 2009 acreditou que o caminho acertado era gastar mais dinheiro e deu a segunda vitória a José Sócrates contra a austera Manuela Ferreira Leite?

 

Outro é que são os governos que perdem as eleições e não as oposições que as ganham. Frase feita e tantas vezes pronunciada, terá de conhecer uma nova versão a confirmar-se o cenário das sondagens. Este será um caso agudo em que é a oposição, no caso o PS, que perde uma eleição que só podia ganhar. É como falhar o golo com a baliza escancarada.

 

Mas, sobretudo, um tal desfecho não bate certo com a narrativa dominante que nos foi sendo contada ao longo dos últimos quatro anos na generalidade dos media, onde todas as contrariedades tinham uma origem concreta e definida: o programa da troika e o governo que o aplicou. De uma morte nas urgências aos buracos nas estradas, da confusão no arranque do ano escolar ao colapso do Citius, das falências de empresas ao aperto no crédito, a crise e a austeridade serviram para explicar tudo e mais alguma coisa. Como se ocorrências e fenómenos do género fossem até então caso virgem. Como se subitamente em 2011 tivessemos passado do país das maravilhas para um inferno sem par. Se chovia a culpa era da troika. Se o sol apertava demasiado, da troika a culpa era.

 

Claro que a crise teve um impacto económico e social forte, terrível para muita gente. Mas muitas dessas histórias de pobreza e desemprego, falhas nos serviços públicos e anemia económica podiam, infelizmente, ter sido contadas desde sempre no passado.

 

Ao lado destas, nestes quatro anos houve uma fatia importante de famílias que conseguiram manter padrões de vida e de conforto. Foram sobretudo os que, do sector privado, mantiveram os empregos e os níveis de remuneração e conseguiram acomodar o brutal aumento de impostos. Uma maioria que pouco ou nada apareceu nas notícias durante este período.

 

Politicamente, a narrativa dominante evoluiu depois para atribuir à suposta inabilidade de António José Seguro o facto de o PS não descolar nas sondagens e caminhar para uma maioria absoluta que, nesse quadro de desgraça económica e social generalizada, parecia lógica e natural. Até inevitável.

 

Com António Costa tudo seria diferente. Aparentemente, não foi. É preciso ir muito mais fundo nas análises, mais além do que os alegados erros na estratégia da campanha socialista, das trapalhadas dos cartazes ou do embaraço para explicar cortes sociais no segundo debate com Passos Coelho.

 

O país que agora responde às sondagens sempre esteve por cá. Não apareceu no radar dos media, mas a culpa não é desse país, que não se escondeu. Simplesmente não quisemos olhar para ele, como Helena Matos já notou

 

Pedro Magalhães ajuda-nos a perceber o que se passou recorrendo à série mais longa das sondagens, numa entrada no seu blogue que é de leitura obrigatória.

 

E eu acrescento este dado, divulgado esta terça-feira: confiança dos consumidores portugueses renova máximos de 14 anos. Sim, de 14 anos. Não temos ouvido falar destes consumidores que respondem aos inquéritos mensais do INE, pois não? Mas eles sempre existiram. E, pasme-se, também votam.

 

A seguir

  • "Ver televisão". Há 20 anos significava sentarmo-nos num sofa com um aparelho gordo à nossa frente, comando na mão à espera daquilo que os programadores tinham decidido que veríamos naquele dia, àquela hora, naquele canal. Depois o cabo democratizou-se e começámos a ter acesso a centenas de canais. Ao mesmo tempo, o vídeo fez o seu caminho na web e hoje é aí que as gerações mais novas fazem aquilo que nos habituámos a identificar como "ver televisão". Mais à frente passámos a ter a possibilidade de ver o programa que queremos à hora que queremos... mas só no prazo de sete dias. O caminho não acaba aqui. Os conteúdos - eu sei que a palavra arranha nos ouvidos de muita gente, mas encontram outra melhor? - começam a estar disponíveis onde queremos, quando queremos. E já não precisamos do tal aparelho gordo, que entretanto emagreceu, para ver as séries, os filmes, os documentários, os programas que queremos. Tudo legal e mais barato do que as assinaturas tradicionais de cabo num aparelho que está no seu colo ou mesmo no seu bolso. O primeiro desses serviços, o Netflix, está quase a chegar a Portugal. Fique atento a ele ou ao que o seu operador tem para lhe oferecer para tentar travar esta concorrência.

 

  • Boas notícias: vamos viver cada vez mais. Más notícias: mantermos a mesma qualidade e nível de vida vai sair-nos muito caro. Uma esperança: que os próximos governos, sejam eles quais forem, tenham a lucidez e a coragem para resolver o problema de forma gradual, transparente e sustentada. Tanto na Segurança Social como no desenho das nossas cidades.
publicado às 09:44

Sondagens: fazer as perguntas certas

Por: Pedro Magalhães

 

 Ao longo dos últimos quatro anos, teria sido importante saber o que pensam os portugueses sobre temas como a Troika, o emprego, as exportações ou a pobreza. Não é que faltem opiniões por aí. Somos continuamente bombardeados com elas, dadas por políticos, comentadores, analistas, especialistas e cidadãos mais ou menos anónimos, através dos jornais, da televisão, da rádio e das redes sociais. Mas, quase por definição, estas opiniões pessoais são uma má base a partir da qual inferir o que pensam os cidadãos em geral. Se as sondagens cumprem funções úteis numa democracia – uma questão controversa, bem sei – a mais útil de todas será precisamente a de nos ajudar a conhecer as preferências e opiniões daqueles que não conseguem fazer ouvir a sua voz por outros meios.

 

O que sabiam os portugueses sobre as principais medidas do chamado “Memorando de Entendimento” com a Troika, que condicionou as principais opções governativas durante grande parte da legislatura que agora termina? O que pensavam sobre essas medidas, e como evoluiu essa opinião? Como mudou, mês a mês, ao longo dos últimos quatro anos, a sua percepção sobre o estado da economia? O que sabiam os portugueses sobre os dados do crescimento económico, da evolução do desemprego, das exportações, da desigualdade ou da pobreza? De onde e como lhes chegou essa informação? Que importância lhe deram? Que responsabilidades foram atribuindo ao governo presente, a governos anteriores ou a outros actores? O que se pensava em Portugal sobre as principais medidas orçamentais que foram escrutinadas pelo Tribunal Constitucional? Que opiniões tiveram os eleitores, nos últimos quatro anos, sobre a actuação do governo nos domínios da saúde, da educação, da política económica, da justiça, da política externa ou da ciência? E sobre as alternativas apresentadas pelos partidos da oposição? Que sabem sobre a situação da segurança social e sobre possíveis opções para a sua reforma? Que partidos julgam melhor representar as suas preferências e valores? E mais importante: como é que tudo isto foi variando por idade, instrução, rendimento, orientação ideológica ou simpatia partidária, por exemplo?

 

Ao longo dos últimos quatro anos, teria sido importante saber as respostas a estas e muitas outras questões semelhantes. A aproximação das eleições torna-as ainda mais importantes. Quando chegarmos a 4 de Outubro, será muito difícil explicar os resultados eleitorais sem saber a resposta a muitas delas. Vaticino que a maioria dirá que os resultados eram afinal previsíveis, procedendo de seguida à explicação segura e conhecedora dessa completa previsibilidade. Mas essas explicações seriam mais sólidas se tivéssemos tido, ao longo destes quatro anos, a possibilidade de acompanhar a opinião pública portuguesa de forma mais profunda e sistemática do que realmente tivemos.

 

Não foi por causa de uma qualquer impossibilidade técnica ou metodológica que ficámos privados dessa informação. Quem quiser saber como os americanos vêm avaliando de forma diferenciada a actuação do Presidente Obama nos domínios da saúde, da economia, ou da política externa, por exemplo, poderá clicar nos links anteriores. Poderá aí saber a posição dos americanos sobre alguns dos principais temas políticos do dia, tais como o controlo da venda de armas, a imigração, as relações raciais ou a desigualdade de rendimentos. Terá uma visão não apenas do que pensa a população em geral, mas também de como todos estes assuntos a dividem, ao longo do tempo, por grupos definidos pela idade, o rendimento, a educação, o local onde vivem, a etnia, a ideologia e a simpatia partidária. Poderá apreciar a distância entre os dados da economia “objectiva” e a maneira como é apercebida pelos cidadãos e vivida pelas famílias. Poderá saber onde os indivíduos recolhem a informação que usam para avaliar os políticos, como escolhem essas fontes e como elas, por sua vez, reforçam ou modificam as suas predisposições. Obviamente, em todos estes e muitos outros possíveis exemplos, colocam-se dúvidas metodológicas, sobre diferentes maneiras de medir estas atitudes e comportamentos, a maneira de formular as questões ou a amostragem e seus critérios. Mas o ponto é que esta informação está disponível e resulta de “sondagens”.

 

E em Portugal? Aqui, à parte os inquéritos académicos ou o Eurobarómetro, sem dúvida relevantes mas realizados muito espaçadamente, as sondagens encomendadas e divulgadas pelos meios de comunicação social sofrem de uma quase permanente monomania em torno de intenções de voto e popularidade de líderes político-partidários. É certo que há, ocasionalmente, excepções. Como aqui ou aqui, onde se colocaram questões sobre grandes opções de política fiscal. Ou aqui, aferindo-se desejáveis prioridades de actuação de um novo governo e decompondo as respostas por grupos de inquiridos. Contudo, este esforço é episódico, impedindo a detecção de mudanças ou continuidades ao longo do tempo. Está frequentemente colado, na maneira como as questões são colocadas, a notícias concretas e irrepetíveis (“A Ministra das Finanças afirma que temos os cofres cheios, concorda?”), não apontando para a detecção de preferências e atitudes relevantes ou estáveis. As variáveis que permitiriam desagregar as respostas por grupos, definidos por características sócio-demográficas ou políticas, estão muitas vezes ausentes dos questionários. E mesmo quando existem, essa decomposição é, na maior parte das vezes, ignorada pelos próprios órgãos de comunicação social que encomendaram a sondagem, seja porque preferem retratar um agregado cuja “opinião” é na verdade inexistente (“os portugueses”) ou porque não têm jornalistas capazes de decifrar as implicações desse tipo de análise. E em geral, as potencialidades do online no arquivamento e visualização do histórico destes resultados e da sua análise mais fina, exemplificadas aqui ou aqui, são quase completamente ignoradas.

 

Porquê? A resposta mais fácil e óbvia, e não por isso menos verdadeira, tem a ver com recursos. Mercados pequenos e órgãos de comunicação social em crise geram, inevitavelmente, sondagens baratas e concentradas na supostamente fundamental “corrida de cavalos”. Serão, logo, muito menos completas e interessantes – para já não dizer menos metodologicamente robustas – do que aquelas que os responsáveis técnicos dos centros poderiam fazer com outras condições. Redacções emagrecidas, com jornalistas assoberbados de trabalho e incapazes de se especializarem, resultam num tratamento superficial dos resultados, numa baixíssima utilização das possibilidades fabulosas que hoje existem de tratamento e apresentação dos dados e numa reduzida exigência em relação às empresas. Por outro lado, não temos um equivalente ao Centro de Investigaciones Sociológicas espanhol nem ao Pew Center americano, alternativas, respectivamente, estatal e non-profit aos media privados na encomenda de estudos de opinião. E poderíamos continuar por aqui.

 

Contudo, suspeito que os problemas de recursos se foram transformando num problema mais geral de mentalidade, que torna as coisas piores do que teriam de ser. As sondagens e os seus resultados são, na comunicação social portuguesa, quase exclusivamente tratados como meros geradores de itens noticiosos entre muitos outros. Essas “notícias” são por vezes inexistentes do ponto de vista factual (“subiu 0,3%”), mas isso não impede que criem “eventos políticos” que podem ser “analisados” nos painéis nocturnos dos canais de notícias 24 horas, para serem depois esquecidos passados dois ou três dias. Alimentados nesta dieta noticiosa em que as sondagens são utilizadas meramente como parte de uma horse race coverage, somos todos condicionados a colocar sempre o mesmo tipo de perguntas sobre as sondagens. Porque estão uns partidos ou candidatos à frente numas e outros noutras? A quem beneficiam estes resultados? Se beneficiam, foram manipuladas para esse fim? Acertaram? Se não “acertaram”, quem as manipulou para não acertarem? E por aí fora. Nem todas estas dúvidas são idiotas. Algumas são relevantes, apesar de serem colocadas quase sempre com intuitos políticos mais ou menos evidentes. E são todas filhas deste ambiente geral e, por isso mesmo, perfeitamente compreensíveis.

 

Contudo, devíamos também ser capazes de colocar outra pergunta. Apesar dos poucos recursos, terão mesmo de ser tão superficiais e desinteressantes as sondagens que se fazem em Portugal e, logo, tão superficial e desinteressante a cobertura que geram? Lidar com este problema é do interesse de todos. Se as sondagens servirem apenas para analisar a “corrida de cavalos”, o discurso estritamente politizado sobre elas acabará, mais tarde ou mais cedo, por se tornar absolutamente hegemónico: está demasiado em jogo. Mas se isso acontecer, aqueles que fazem as sondagens e aqueles que as analisam acabarão por ser vistos como parte desse jogo e, logo, descredibilizados como fontes de informação relevante.

 

É isto que importaria impedir. A “corrida de cavalos” fará sempre parte do interesse e do “picante” das sondagens, não tenhamos ilusões. Mas nas sondagens que já se fazem em Portugal, há muitos outros dados e factos sobre o eleitorado e a opinião pública que não são suficientemente valorizados por quem as encomenda e, assim, permanecem ocultos para todos. Não sendo susceptíveis de serem usados para ganho político imediato, são apesar disso muito relevantes. E como espero ter mostrado com os exemplos anteriores, há muitas coisas que não são perguntadas e analisadas que o poderiam ser, sem grandes custos acrescidos. Bastaria um pouco de imaginação, atenção e saber. Teríamos assim uma visão mais profunda do que pensam e querem os eleitores portugueses, daquilo que os une e os divide, e porquê. E uma visão mais profunda do que são as sondagens e para que servem. Se as sondagens podem fazer qualquer coisa de positivo pela democracia, será mais por aqui do que pela obsessão exclusiva com as intenções de voto ou com os termómetros de popularidade.

 

Pedro Magalhães é investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Director Científico da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Faz investigação da área do comportamento eleitoral e da opinião pública, e foi director do Centro de Sondagens e Estudos de Opinião da Universidade Católica até 2009. Autor do livro Sondagens, Eleições e Opinião Pública.

publicado às 10:35

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